
Por mais de 70 anos, ocean�grafos e cientistas procuraram o naufr�gio do navio mais famoso da hist�ria recente: o Titanic.
At� que, em 1985, Robert Ballard estava em uma miss�o secreta da Marinha americana para localizar submarinos nucleares afundados no Atl�ntico Norte quando fez a descoberta que marcaria sua vida para sempre.
Em entrevista ao jornalista Clayton Conn, do programa de r�dio Outlook, da BBC, ele relembra como conseguiu esta e outras proezas — e conta como a dislexia ofereceu a ele uma vantagem para encontrar coisas que outros n�o s�o capazes de achar no fundo do oceano.
Em 1º de setembro de 1985, chegou ao fim uma das maiores ca�as ao tesouro do mundo.
Setenta e tr�s anos ap�s ter afundado, o navio RMS Titanic foi encontrado a cerca de 740 km da costa de Newfoundland, no Canad�.
"Todos n�s come�amos a pular, a gritar e a berrar, agindo de forma pouco profissional. At� que algu�m no centro de comando disse que o navio havia afundado em 20 minutos. E aquele coment�rio inocente nos fez virar a chave", relembra Ballard.
"Quando percebemos o qu�o impr�prio era estar dan�ando e gritando, mudamos nosso estado de esp�rito. Est�vamos no local (do naufr�gio) e finalmente hav�amos encontrado aquelas almas perdidas."
Em 10 de abril de 1912, o Titanic zarpou em sua viagem inaugural de Southampton, no Reino Unido, para Nova York, nos Estados Unidos, com pouco mais de 2 mil pessoas a bordo.
Era considerado "inafund�vel" e um dos maiores e mais opulentos navios do mundo.
Mas a embarca��o afundou ap�s bater em um iceberg — e 1,5 mil pessoas morreram nas �guas geladas do Atl�ntico Norte.
A trag�dia inspirou document�rios, programas de televis�o e sucessos de bilheteria de Hollywood, sendo imortalizada no imagin�rio popular.
Ent�o, quando Ballard e seus colegas encontraram o naufr�gio, a not�cia rapidamente ganhou as manchetes de jornais em todo o mundo.
Da noite para o dia, Ballard virou uma celebridade, sendo convidado para dar entrevistas e participar de uma s�rie de programas de televis�o.
Seu grande feito parecia impressionar a todos, exceto sua m�e.
"� uma pena que voc� tenha descoberto este velho navio enferrujado", teria dito ela, segundo Ballard, quando telefonou para comentar a repercuss�o da not�cia.
"Eu era o grande her�i, mas n�o para minha m�e", afirma ele.
O coment�rio foi um banho de �gua fria na hora, mas n�o demorou muito para Ballard dar raz�o a ela.
"Ela disse: voc� � um grande cientista, voc� fez descobertas fenomenais. Mas agora eles s� se lembram de voc� por causa daquele barco enferrujado."
"E como dizem: as m�es t�m sempre raz�o, n�o � verdade?"
Ao longo de seis d�cadas de carreira, Ballard — agora com 79 anos — n�o s� encontrou v�rios naufr�gios famosos, incluindo o Titanic, como tamb�m participou da descoberta de novas formas de vida nas profundezas do oceano e ajudou a confirmar a teoria das placas tect�nicas.
Seu escrit�rio sempre foi o fundo do mar.
"As pessoas perguntam: 'Quantos mergulhos voc� j� fez'? Eu digo: Voc� conta um m�s debaixo d'�gua como um mergulho? Eu passei anos debaixo d'�gua."

Os primeiros mergulhos de Ballard foram imagin�rios, inspirados pela vers�o cinematogr�fica de Vinte mil l�guas submarinas, cl�ssico da fic��o cient�fica do s�culo 19, de J�lio Verne.
"Quando eu tinha 12 anos, na Calif�rnia, eu vi o filme. E foi a� que me apaixonei pelo oceano. Eu queria ser o capit�o Nemo", diz ele se referindo ao personagem que comandava o futurista submarino N�utilus na obra.
"Isso me levou at� onde estou agora."
Anos depois, como estudante de doutorado de Oceanografia, Ballard acabaria se alistando � Marinha e indo parar no Instituto Oceanogr�fico de Woods Hole, onde seria designado ao submarino de pesquisa Alvin.
O diminuto submarino contava com bra�os mec�nicos na parte dianteira — para coletar, por exemplo, esp�cimes das profundezas do oceano — e c�meras.
"N�o dava para ficar em p� nele. E colocaram tr�s de n�s l� dentro. Todos n�s �ramos altos. Ent�o, voc� n�o podia ser claustrof�bico."
J�lio Verne descreveu o submarino N�utilus, do capit�o Nemo, como uma verdadeira obra-prima, com decora��o de luxo e at� mesmo um �rg�o a bordo. O Alvin era certamente menos glamouroso e confort�vel, mas para Ballard isso n�o era um problema.
"Foi incr�vel, era o meu sonho tornado realidade."
A bordo dele, Ballard se deparou, por exemplo, com fontes hidrotermais no leito do oceano, onde descobriu novas formas de vida.
"N�o havia nenhum bi�logo quando fizemos a maior descoberta biol�gica j� feita no oceano, a descoberta de sistemas de vida quimiossint�ticos (basicamente de vida que n�o obt�m energia a partir do Sol)."
Uma descoberta que mudaria os livros de Biologia para sempre — e a ideia de Ballard de explora��o do fundo do mar.
Dois anos depois, ele voltou ao mesmo local levando um bi�logo a bordo. Mas, em vez de olhar pela janela do submarino, o especialista preferiu virar as costas e observar uma das maiores descobertas biol�gicas de todos os tempos pelo monitor da c�mera do ve�culo subaqu�tico.
Naquele momento, acendeu uma luz na cabe�a de Ballard. Ele pensou: por que n�o explorar as profundezas dos oceanos remotamente e com seguran�a do conforto da cabine de um navio?

Foi a partir da� que ele se dedicou a desenvolver um submers�vel n�o-tripulado rebocado por navio, operado remotamente, com c�meras submarinas de alta tecnologia e um sistema sonar, que ele chamaria de Argo, em homenagem a uma embarca��o da mitologia grega.
Ballard havia sido capaz de provar a import�ncia de Alvin fazendo com que o mesmo participasse de algumas das maiores descobertas oce�nicas. E decidiu usar a mesma estrat�gia para obter financiamento para o Argo — desta vez, filmando o naufr�gio desaparecido do navio mais famoso da hist�ria recente, o Titanic.
"Eu pensei: vamos mostrar ao mundo que existe uma novidade chamada rob�tica teleoperada, mas como posso provar isso? Encontrando o Titanic."
Para ser bem-sucedido e filmar as imagens, Ballard precisava, no entanto, localizar antes onde o transatl�ntico havia afundado.
Ele recrutou ent�o seus colegas franceses, que tinham um dos melhores sistemas de sonar, para ajudar a encontrar o navio. Mas eles fracassaram.
"Eu estou sentado l�, vendo eles falharem... e pensando: sou o pr�ximo."

Em 1985, Ballard voou ent�o para os A�ores, onde jornalistas, pesquisadores e cientistas franceses o aguardavam a bordo do barco de pesquisas Knorr - todos estavam ansiosos para zarpar e tentar encontrar o Titanic.
Mas o que seus companheiros de jornada n�o sabiam era que Ballard estava, na verdade, em uma miss�o secreta da Marinha americana.
Na d�cada de 1980, ele ainda era um oficial da reserva, e estava em busca de financiamento para desenvolver o Argo, seu submarino rob�tico, e bancar a expedi��o para encontrar o Titanic.
E o �nico patrocinador interessado era a Marinha americana - mas havia uma condi��o: Robert teria que usar primeiro a nova tecnologia em uma opera��o sigilosa, para documentar os destro�os de dois submarinos nucleares Estados Unidos - o USS Thresher e o USS Scorpion, que haviam afundado em circunst�ncias misteriosas no Atl�ntico na d�cada de 1960.
Somente ap�s completar a miss�o, se sobrasse algum tempo, ele seria autorizado a ir em busca do Titanic.
"Ent�o, c� estou eu no navio com um bando de franceses, que n�o t�m autoriza��o para saber o que estou fazendo, e pensando: como vou fazer isso debaixo do nariz deles?"
A miss�o secreta, autorizada pelo ent�o presidente americano Ronald Reagan, usou a ca�ada ao Titanic como uma fachada para despistar quaisquer espi�es sovi�ticos em potencial.
"Me lembro que quando zarpamos dos A�ores, o Titanic estava a oeste, e o Scorpion ao sul, e eu estava apenas esperando que eles dissessem: 'Por que estamos indo para l�'? Mas eles nunca perguntaram. Estavam t�o focados na tecnologia, na engenharia... que n�o perguntaram."
"At� que eu parei, e eles falaram: 'O que voc� est� fazendo'? Eu respondi: Bem, a Marinha quer que eu teste seu novo sistema. Mas eles n�o querem nenhum espectador na sala enquanto estou testando, antes da gente seguir para o Titanic. � a primeira vez que usamos. E o que eles n�o sabiam � que eu estava bem em cima do Scorpion."
"A ordem do meu comandante foi: quero documenta��o fotogr�fica de 100% do naufr�gio do Scorpion."
A posi��o dos destro�os do submarino nuclear no fundo do oceano — que deixavam um rastro na forma de um cometa, em vez de estarem aglomerados — chamou a aten��o de Ballard.
"Eu vi que os objetos pesados %u200B%u200B— reatores nucleares, cascos de press�o — tinham afundado direto, mas o vento do mar havia carregado o material mais leve enquanto (o submarino) afundava."

"Gastei a maior parte do meu tempo fazendo meu trabalho no Scorpion, quando cheguei ao Titanic, tinha apenas 12 dias faltando."
Mas, se n�o fosse pela parte secreta da miss�o, talvez Ballard nunca tivesse encontrado o transatl�ntico. O layout da �rea dos destro�os do Scorpion estava fresco na sua cabe�a.
"Eu pensei: Vamos procurar o cometa!"
Ignorando o equipamento de detec��o sonar que falhou em fornecer resultados para os franceses, Ballard come�ou a visualizar mentalmente como o Titanic afundou, como as correntes do oceano se movem, e dirigiu sua c�mera submarina com base no mapa visual na sua cabe�a.
"E bingo, (l� estava o) Titanic."
O ocean�grafo atribui esta e outras conquistas em parte � sua dislexia, condi��o que ele descobriu tardiamente, mas o acompanhou em todas as suas miss�es — e permitiu a ele enxergar o fundo do mar sob outras lentes.
"Hoje, sei que minhas habilidades disl�xicas n�o me deixam ficar perdido l� (no fundo do mar). Posso integrar todas as informa��es visuais e criar um mundo que os outros n�o podem ver. Posso agora mesmo fechar os olhos e fazer uma viagem completa ao redor do Titanic", diz ele.
"Esta � a habilidade da dislexia. Eu tenho esse mundo mental no qual posso entrar, que a maioria das pessoas n�o consegue. E n�o sabia que elas n�o conseguiam. Meus pilotos sempre ficavam surpresos por eu saber onde estava."
Durante o lockdown imposto pela pandemia de covid-19, Ballard publicou seu livro de mem�rias, Into the Deep(Nas Profundezas, em tradu��o livre), em que compartilha suas experi�ncias e tenta tirar o estigma da condi��o.
"H� muitos disl�xicos, uma taxa de suic�dio muito alta entre os disl�xicos, ent�o estou tentando chegar at� eles por meio do meu livro, dizendo a essas crian�as: voc�s n�o s�o est�pidos, s�o diferentes. Mas se voc�s aprenderem a tirar proveito desta diferen�a e us�-la, podem ser bem-sucedidos."
Ele d� um conselho: "O fracasso � o maior professor que voc� j� conheceu. Voc� n�o evita o fracasso, voc� passa por ele. Quem quer que evite o fracasso, evita o sucesso".
Ou�a a �ntegra da entrevista (em ingl�s) ao programa de r�dio Outlook da BBC
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