
Ingrid von Oelhafen s� descobriu aos 58 anos que foi objeto de um sinistro experimento social nazista. N�o apenas ela havia sido sequestrada pelos nazistas quando beb�, como havia uma outra pessoa vivendo sua vida.
Quando Ingrid tinha 3 anos, a Alemanha vivia as ca�ticas consequ�ncias da Segunda Guerra Mundial. O casal que a criava n�o era formado por seus pais biol�gicos, mas ela n�o sabia. Durante a guerra, eles se separaram e ela acabou sendo levada para um orfanato.
"Era Natal no dia em que cheguei (no orfanato). Era um enorme sal�o com muitas mesas de madeira e estavam distribuindo presentes. Havia bolos de nozes e bolos de laranja. Deve ter me impressionado muito porque me lembro bem."Mas aquela lembran�a agrad�vel foi o prel�dio de um momento triste. Embora sua m�e "n�o fosse muito calorosa", Ingrid estava desesperada para morar com ela, como revelam suas cartas da sua inf�ncia.
"Eu sempre choro se algu�m fala sobre voc� ou se eu penso em voc�. Querida, querida mam�e, por favor, venha me buscar", escreveu a menina em uma carta, alguns anos depois de chegar no orfanato.
Erika?
Quando Ingrid tinha 11 anos, seu pai reapareceu em sua vida. Um dia ele a levou a uma consulta m�dica onde, para sua surpresa, ela foi chamada de Erika Matko.
"Eu n�o sabia quem era Erika, mas n�o perguntei."

Ela come�ou a perceber que esse era o nome que aparecia em todos os seus documentos oficiais. A menina n�o teve coragem de falar com seu pai sobre isso, mas falou com sua governanta.
"Ela me disse que eu n�o era filha biol�gica dos meus pais, e que ningu�m sabia realmente de onde eu era. Eu n�o queria que isso fosse verdade."

A foto
Aos 13 anos, um dos maiores desejos de Ingrid se tornou realidade: ela finalmente foi para Hamburgo para morar com a m�e, que havia come�ado outro relacionamento e tinha tido um outro filho.
"Fiquei muito animada, mas quando me mudei percebi que a ideia que eu tinha da minha m�e era apenas uma ilus�o", diz ela. "N�o me senti aceita."
Ingrid nunca mencionou o nome de Erica Matko, nem o fato de sua m�e n�o ser sua m�e biol�gica, mas um ano depois encontrou algo que aumentou sua perplexidade.
"Lembro-me de estar em uma esquina e havia muitos p�steres da organiza��o da Cruz Vermelha com fotos de crian�as... e vi meu pr�prio rosto. Fiquei atordoada. Meu corpo ficou dormente. As fotos eram de crian�as deslocadas pela guerra ou tiradas de suas casas e a Cruz Vermelha estava realizando uma campanha para reuni-las com suas fam�lias".
Apesar de ver o seu retrato no p�ster, ela n�o se sentiu capaz de falar com sua fam�lia sobre isso.
"N�o, n�o, n�o. Era um grande segredo. Eu senti que tinha que me proteger."

Lebensborn
Ingrid se tornou fisioterapeuta e seguiu com sua vida, sem saber quem era Erika Matko.
"Meu diploma de fisioterapeuta tinha esse nome. Eu n�o podia mudar os nomes que estavam nos documentos", conta.
Em 1999, quando tinha 58 anos e administrava sua pr�pria cl�nica de fisioterapia, ela recebeu um telefonema da Cruz Vermelha perguntando se ela estava interessada em saber mais sobre seus verdadeiros pais.
"Eu imediatamente disse que sim e eles me colocaram em contato com um historiador para me ajudar a descobrir um pouco sobre minha hist�ria."
Enquanto isso, Ingrid revisou alguns documentos que havia encontrado e notou algo incomum.
"Eu tinha uma ficha de vacina��o contra catapora. O documento foi assinado por um nazista, Dr. Hesch, e tinha meu nome, data e local de nascimento. Dizia que eu era cidad� alem�. Mas tamb�m tinha a palavra Lebensborn", conta.
Ela nunca tinha ouvido essa palavra, ent�o come�ou a pesquisar, at� encontrar a seguinte descri��o:
"O objetivo do Lebensborn � acomodar e cuidar de mulheres gr�vidas racial e geneticamente valiosas, que, ap�s cuidadosa investiga��o de suas fam�lias e dos pais das crian�as, podem dar � luz crian�as igualmente valiosas".
"A ideia me parecia repugnante", diz Ingrid.

Com o objetivo de criar o que consideravam uma "ra�a superior", os nazistas n�o s� mataram milh�es de pessoas "n�o-arianas", mas tamb�m come�aram projetos para trazer novos "arianos" ao mundo.
"Lebensborn era um programa da SS - uma ala paramilitar do Partido Nazista - e estabeleceu lares para as chamadas m�es arianas. Al�m disso, eles tamb�m traziam crian�as roubadas da Pol�nia, Noruega e Iugosl�via, para fins de germaniza��o", conta a fisioterapeuta. "Eles selecionavam beb�s loiros com olhos azuis."
Enquanto isso, o historiador que a ajudava concluiu que Ingrid, na verdade, vinha de uma regi�o onde hoje fica a Eslov�nia. Ingrid escreveu �s autoridades eslovenas, perguntando se eles tinham alguma informa��o.
"Recebi um documento dizendo que o nome da minha m�e era Helena e o nome do meu pai era Johan Matko e que eles tiveram uma filha chamada Erika. Fiquei t�o feliz. Foi uma sensa��o incr�vel!"
Mas logo depois ela recebeu uma segunda carta dizendo que a filha do casal, Erika Matko, estava viva, na Eslov�nia - ent�o ela n�o poderia ser esse beb�.
Ingrid conseguiu localizar aquela outra Erika, mas a mulher n�o quis conhecer a fisioterapeuta.
No entanto, outros membros da fam�lia Matko, incluindo seu sobrinho, concordaram em conversar com Ingrid e fazer um exame de DNA.
"Os resultados mostraram que eu tinha mais de 90% de parentesco com essa fam�lia."
Eles tamb�m mostraram que havia 93,3% de chance de que Ingrid fosse tia do sobrinho de Erika Matko, ent�o a outra Erika provavelmente n�o era a original.
"Li o documento e pensei: tenho fam�lia. Escrevi para a outra Erika, mas nunca recebi resposta. Por um lado, eu estava muito feliz por ter encontrado minha fam�lia, mas tamb�m me perguntava como aquela outra Erika tinha entrado naquela fam�lia, e temia que a estivesse expulsando."

"E por que minha fam�lia nunca me procurou? Era um quebra-cabe�a muito confuso."
Passaram-se alguns anos at� que as pe�as finais desse quebra-cabe�a se encaixassem. Isso aconteceu quando Ingrid finalmente teve acesso a um arquivo de documentos nazistas, que revelaram que o pai biol�gico de Ingrid, Johan Matko, havia sido um combatente da resist�ncia que lutou contra a ocupa��o nazista da Iugosl�via.
Depois de ser capturado, ele foi enviado para um campo de concentra��o e, em agosto de 1942, sua esposa foi condenada a levar seus tr�s filhos, incluindo Erika, de 9 meses, para uma escola local onde tamb�m havia um caminh�o com soldados alem�es.
As crian�as foram separadas de suas fam�lias: os soldados pegaram algumas das crian�as e as levaram embora;
Erika era uma beb� gordinha, branca, de olhos azuis e cabelos loiros, e os nazistas decidiram lev�-la para a Alemanha. Seus irm�os foram mandados para casa com sua m�e.
Mas � a� que a hist�ria fica confusa - e os documentos n�o ajudam a esclarecer totalmente.

"O documentos mostram que Erika Matko foi levada como parte do programa Lebensborn, mas tamb�m dizem que minha m�e veio com tr�s filhos e saiu com tr�s filhos", conta Ingrid.
Ent�o a outra menina era filha de outra fam�lia. Ela foi criada pelos pais biol�gicos de Ingrid, que n�o s� lhe deram o nome de Erika Matko, mas - mesmo depois que a guerra acabou - nunca procuraram sua filha biol�gica. Eles tamb�m n�o revelaram � sua filha adotiva que ela n�o era biol�gica.
"Por um tempo, eu os odiei, especialmente minha m�e. Como ela pode ter me deixado e n�o vir me procurar? Mas ent�o eu pensei que ela teve uma vida dif�cil - primeiro com a ocupa��o nazista e depois com o regime comunista na regi�o."
"Racionalmente, eu provavelmente poderia tentar entend�-la, mas psicologicamente, sempre senti que ela deveria ter me procurado."
Ainda h� muitas perguntas sem resposta. "Mas estou feliz por saber mais sobre mim e sobre o que aconteceu. E conheci tantas pessoas maravilhosas na Eslov�nia que �s vezes imagino que cresci com elas".
Como fisioterapeuta, Ingrid dedicou sua carreira a trabalhar com crian�as com defici�ncia, que n�o faziam parte da ideia de "ra�a superior" nazista.
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