
Falhas catastr�ficas em procedimentos do sistema de sa�de p�blico brit�nico (NHS, na sigla em ingl�s) podem ter levado � morte de mais de 200 beb�s e nove mulheres, al�m de ter causado danos que mudaram a vida de outras dezenas de crian�as.
A parteira-s�nior Donna Ockenden examinou as pr�ticas m�dicas relativas servi�os de maternidade do Shrewsbury and Telford Hospital NHS Trust (SaTH) ao longo de 20 anos. Os casos ocorreram em Shropshire, no oeste da Inglaterra.
O relat�rio revelou que mortes prematuras de beb�s muitas vezes n�o eram investigadas, al�m de os pais das crian�as n�o terem sido ouvidos.Para a pesquisadora, as "falhas no atendimento se repetiram" e algumas m�es foram at� consideradas culpadas por suas pr�prias mortes.
O SaTH pediu desculpas �s fam�lias afetadas e descreveu o relat�rio como "profundamente angustiante". O �rg�o afirmou que muitas mudan�as destacadas por Ockenden j� foram introduzidas.
Kayleigh Griffiths, cuja filha Pippa morreu em 2016, disse que as palavras da entidade "n�o ser�o suficientes".
"N�s paramos de receber relatos de mau atendimento no SaTH, mas n�o temos certeza de que foram feitas melhorias", disse ela.
O relat�rio, que examinou quase 1.600 casos, � considerado o maior documento da categoria na hist�ria do NHS.

Les�es cerebrais graves
O relat�rio revelou que 201 beb�s poderiam ter sobrevivido se o SaTH tivesse fornecido melhores cuidados m�dicos, relacionados a 70 mortes neonatais e 131 casos de natimortos.
Houve tamb�m 29 casos de beb�s que sofreram les�es cerebrais graves e 65 incidentes de paralisia cerebral.
Rhiannon Davies, cuja filha Kate morreu em 2009, disse que os n�meros "n�o contam toda a hist�ria" do impacto sofrido pelas fam�lias.
"Agora sabemos que este � um servi�o m�dico que n�o investigou, n�o aprendeu e n�o melhorou", disse. "Isso resultou em trag�dias e incidentes que mudaram a vida de muitas de nossas fam�lias".

Dados m�dicos em post-its
Em uma audi�ncia no Parlamento brit�nico, o secret�rio de Sa�de do Reino Unido, Sajid Javid, contou aos parlamentares que os hospitais administrados pelo SaTH mantinham informa��es cl�nicas importantes sobre pacientes em pequenos post-its, que depois foram varridos para a lixeira por faxineiros.
Em todos os casos identificados pelo inqu�rito, bem como em nove mortes de mulheres, descobriu-se que um cuidado m�dico melhor "poderia" - ou "seria razoavelmente esperado" - ter feito a diferen�a.
Ockenden citou exemplos de monitoramento ineficaz, como an�lises do crescimento do feto, al�m de uma cultura hospitalar de relut�ncia em realizar cesarianas. Os problemas teriam se repetido, "resultando na morte de muitos beb�s durante o parto ou logo depois de nascer".
"As raz�es para essas falhas s�o claras", disse a pesquisadora. "N�o havia pessoal suficiente, faltou treinamento cont�nuo, faltou investiga��o e governan�a efetivas, al�m de uma cultura de n�o ouvir as fam�lias envolvidas".
Principais conclus�es do relat�rio:
- Havia uma cultura hospitalar de n�o investigar erros, al�m de falhas no escrut�nio externo;
- Os pais n�o foram ouvidos quando levantaram preocupa��es sobre os cuidados que receberam;
- Quando os casos foram examinados, as respostas foram descritas como falta de "transpar�ncia e honestidade";
- O SaTH falhou em aprender com seus erros, levando a falhas recorrentes e quase id�nticas;
- Havia uma cultura de bullying, ansiedade e medo de se manifestar entre os funcion�rios, sentimentos que "persistem at� o momento."
- As cesarianas eram desencorajadas, muitas vezes levando a resultados ruins.
Ao todo, Donna Ockenden apontou 60 melhorias espec�ficas que podem ser feitas no SaTH e disse que "n�o h� desculpas" para n�o implant�-las daqui para frente.
O relat�rio encontrou uma cultura de n�o investigar erros, com centenas de casos em que o SaTH falhou ao examinar adequadamente as mortes ou realizar investiga��es de incidentes graves.
Entre 2011 e 2019, 40% dos natimortos e 43% dos �bitos neonatais sequer tiveram investiga��o. Dos casos que foram examinados, a equipe de Ockenden classificou as apura��es como ruins em quase metade dos natimortos e mais de um ter�o dos casos neonatais.
Em 2020, a pol�cia de West Mercia tamb�m abriu uma investiga��o, chamada Opera��o Lincoln, para descobrir se havia evid�ncias para apoiar um caso criminal contra o SaTH ou qualquer indiv�duo envolvido.
O investigador da pol�cia brit�nica Damian Barratt disse que a investiga��o est� "muito ativa", embora nenhuma acusa��o tenha sido feita at� agora.

An�lise de Michael Buchanan, rep�rter de Assuntos Sociais da BBC
Os n�meros s�o enormes e chocantes mesmo para aqueles de n�s que h� muito suspeitavam de que havia algo muito errado com o Hospital Shrewsbury and Telford NHS Trust.
Mas o ponto crucial que o relat�rio destaca s�o as fam�lias que sofreram em particular e �s vezes foram enganadas por uma gest�o que parecia desinteressada em ajud�-los a entender o que aconteceu ou em aprender alguma li��o.
Lendo o relat�rio, parece ter havido um desrespeito quase casual pela vida - as m�es que perderam seus beb�s contam ter ouvido da entidade m�dica que iriam ficar bem, porque eram jovens e poderiam ter outros filhos.
A quest�o central agora � como os hospitais administrados pela SaTH v�o convencer as mulheres de Shropshire de que atualmente est�o fornecendo um servi�o seguro. As observa��es de Donna Ockenden sobre cuidado e cultura hospitalar em 2022 levantam quest�es significativas sobre a capacidade da equipe de lideran�a de conduzir as muitas mudan�as que s�o claramente necess�rias.
'Culpando as m�es'
Nas ocasi�es em que os casos foram investigados, o SaTH n�o conseguiu identificar pontos de melhoria e perdeu oportunidades de aprendizado, segundo o relat�rio.
Donna Ockenden acrescentou que a entidade culpava as m�es por resultados ruins e at� mesmo em alguns casos pela morte de seus pr�prios beb�s.
O inqu�rito foi encomendado pela primeira vez em 2017, ap�s uma campanha de duas fam�lias que perderam seus beb�s.
Kate, filha de Richard Stanton e Rhiannon Davies, morreu horas ap�s o nascimento em mar�o de 2009, enquanto a filha de Kayleigh e Colin Griffiths, Pippa, morreu em 2016, v�tima de uma infec��o pela bact�ria Streptococcus.
Griffiths afirmou que o relat�rio s�o "200 p�ginas de fam�lias prejudicadas".
"� uma vergonha que eles n�o tenham aprendido quando lhes dissemos quais eram os problemas", afirmou, durante uma reuni�o de pais.
"N�s visitamos o t�mulo de Pippa nesta manh� e dissemos a ela: 'isso � o que fizemos por voc�'."
O Conselho de Enfermagem e Obstetr�cia (NMC) do Reino Unido afirmou que as conclus�es do relat�rio s�o "terr�veis".
"Cada um desses casos � uma trag�dia familiar, com alguns afetados mais de uma vez", disse Andrea Sutcliffe, presidente-executiva do �rg�o.
"� devido � pura determina��o e bravura das fam�lias em luto que essas falhas sist�micas agora foram reconhecidas. Mulheres e fam�lias deveriam ter sido ouvidas e levadas a s�rio muito antes."
O ex-secret�rio de sa�de Jeremy Hunt, que encomendou o relat�rio ap�s ser abordado por algumas fam�lias, disse que as descobertas foram "muito piores" do que ele poderia imaginar e esperava que fosse um "despertar".
J� o atual secret�rio de Sa�de, Sajid Javid, afirmou que as descobertas pintaram um "quadro tr�gico e angustiante de repetidos fracassos no atendimento".

Dirigindo-se � C�mara dos Comuns, o secret�rio afirmou que Ockenden havia descrito a ele "supervis�es b�sicas em todos os n�veis".
"Em vez de momentos de alegria e felicidade para essas fam�lias, sua experi�ncia de maternidade foi de trag�dia e ang�stia", disse ele.
Javid tamb�m destacou "problemas s�rios" com a cultura profissional das maternidades do SaTH.
Ele disse aos parlamentares que dois ter�os dos funcion�rios entrevistados relataram testemunhar casos de bullying, enquanto alguns servidores "retiraram sua coopera��o com o relat�rio semanas ap�s a publica��o".
Ockenden havia dito anteriormente que a equipe estava com medo de falar sobre falhas por causa de "uma cultura de intimida��o" por parte da dire��o do hospital. Funcion�rios foram "aconselhados" pelos gerentes a n�o participar da investiga��o sobre os problemas na unidade.
J� Feryal Clark, secret�rio de atendimento ao paciente do NHS, afirmou: "Nenhuma mulher deveria ter que enfrentar a ida ao hospital para dar � luz e n�o saber se ela e seu beb� sair�o vivos".
"Estes n�o foram apenas incidentes pontuais ou isolados de neglig�ncia, foi uma falha institucional de um sistema que n�o aproveitou as muitas oportunidades para perceber que tinha um problema s�rio".
Lucy Allan, deputada do Partido Conservador, de Telford, perguntou se o que foi visto no SaTH era indicativo de uma cultura em que "as vozes das mulheres n�o s�o ouvidas" e pediu a Javid que fizesse "tudo o que puder" para aumentar a responsabilidade da alta administra��o em todo o NHS.
Javid respondeu: "Quero tranquiliz�-la de que vamos implementar todas as recomenda��es deste relat�rio, mas ainda mais amplas do que isso, quando se trata das vozes das mulheres que estar�o no centro da pr�xima estrat�gia de sa�de da mulher".
A deputada Helen Morgan, do Partido Liberal Democrata, disse que a morte dos beb�s "n�o devem ser em v�o".
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse anteriormente que "seu cora��o estava com as fam�lias". E acrescentou: "Toda mulher que d� � luz tem direito a um parto seguro".
O relat�rio de Donna Ockenden pede mais financiamento, treinamento e responsabilidade em todos os servi�os de maternidade do Reino Unido, bem como melhores cuidados p�s-natais e para fam�lias enlutadas.

"O legado deste relat�rio deve ser um servi�o de maternidade em toda a Inglaterra que seja adequadamente financiado, com boa equipe, treinado, motivado e compassivo e disposto a aprender com as falhas no atendimento", disse ela.
J� Louise Barnett, executiva-chefe do Shrewsbury and Telford Hospital NHS Trust, disse que o relat�rio foi "profundamente angustiante".
"Oferecemos nossas sinceras desculpas pela dor e ang�stia causadas por nossas falhas", disse ela. "Realizamos todas as a��es que nos pediram ap�s o primeiro relat�rio Ockenden, e devemos isso �s fam�lias. N�s falhamos. Vamos cuidar das fam�lias de hoje e do futuro, vamos continuar a fazer melhorias, por isso estamos entregando o melhor atendimento poss�vel para as comunidades que servimos."
Durante seu discurso na C�mara dos Comuns, Javid tamb�m destacou como "m�ltiplas oportunidades" de abordar quest�es que foram ignoradas pelos reguladores, com a Comiss�o de Qualidade de Atendimento do NHS classificando os servi�os de maternidade como inadequados para a seguran�a apenas em 2018, o que ele disse ser "inaceit�vel".
Donna Ockenden tamb�m descreveu como os comiss�rios locais n�o conseguiram identificar problemas no servi�o prestado � popula��o, enquanto os reguladores nacionais e �rg�os externos n�o entenderam a extens�o do que estava acontecendo.
O NHS Shropshire, Telford e Wrekin Clinical Commissioning Group (CCG), �rg�o que fiscaliza o servi�o m�dico do NHS na regi�o, disse lamentar profundamente as "experi�ncias horr�veis pelas quais essas fam�lias passaram e que n�o conseguimos fornecer os cuidados que mereciam".
"Trabalharemos com nossos parceiros em todo o sistema de sa�de e assist�ncia para garantir que mais melhorias sejam feitas � luz deste relat�rio. Vamos continuar a tomar todas as a��es necess�rias para garantir que as mulheres que usam nossos servi�os de maternidade recebam o melhor atendimento".
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