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Estado de Minas UMA D�CADA

'A longa batalha legal para condenar nosso pai por estupro'

As irm�s Alex e Chyann tiveram que esperar mais de dez anos, desde a primeira den�ncia, at� o pai ser condenado no in�cio deste ano


31/03/2022 12:07 - atualizado 03/04/2022 10:43


As irmãs Alex e Chyann na infância
As irm�s contam que come�aram a ser estupradas pelo pai em 2005, e os abusos continuaram por seis anos (foto: Reprodu��o / BBC)

Aten��o: Esta reportagem tem relatos que podem ser considerados perturbadores

As irm�s Alex e Chyann foram repetidamente violentadas pelo pai na inf�ncia.

E, depois dos abusos, elas enfrentaram uma longa batalha legal para process�-lo — o caso foi rejeitado tr�s vezes pelo Crown Prosecution Service (CPS), o Minist�rio P�blico brit�nico.

Foram mais de dez anos, desde a primeira den�ncia � pol�cia, at� ele ser condenado no in�cio deste ano — uma espera intermin�vel que causou ainda mais sofrimento �s jovens.

"Eu realmente n�o tive a chance de ser crian�a, tive que crescer muito r�pido. Passei muito tempo com nojo de mim mesma. Sentia que era minha culpa, como se eu tivesse incentivado aquilo", desabafa Alex.

As investidas do pai come�aram em 2005, e os abusos continuaram por seis anos, conforme mostra o document�rio Beyond Reasonable Doubt: Britain's Rape Crisis, do programa Panorama, da BBC.

Chyann, a mais nova, tinha 10 anos quando denunciou pela primeira vez que era estuprada pelo pai, em 2011. Ela usou a "caixa de preocupa��es" da escola — onde os alunos podem depositar por escrito num papel pensamentos que despertem ansiedade. O conte�do da caixa � checado regularmente pelos professores.


Chyann em depoimento à polícia em 2011
Chyann em depoimento � pol�cia em 2011 (foto: Reprodu��o / BBC)

Mas Alex, que era um ano mais velha, n�o confirmou a hist�ria na �poca, quando foi interrogada pela pol�cia. E disse que tudo n�o passava de inven��o da irm�.

O pai tamb�m negou as acusa��es de estupro e, na aus�ncia de evid�ncias forenses, n�o foi acusado pelo CPS.

A fam�lia perdeu, no entanto, a guarda das filhas.

"O caso foi parar na vara de fam�lia, onde o �nus da prova � diferente. E com base na decis�o de que era mais prov�vel de ter acontecido, as autoridades retiraram as crian�as dos cuidados dos pais", explica o detetive Ryan Finnegan, da pol�cia de Derbyshire, na Inglaterra.

Anos depois, em novembro de 2017, Alex decidiu finalmente denunciar os abusos cometidos pelo pai � pol�cia.

"O que me levou a denunci�-lo foi que minha m�e e meu pai estavam se separando, e eu n�o sabia se ele ia come�ar a namorar outra mulher que tivesse filhos", diz ela.

"Eu n�o seria capaz de viver comigo mesma se descobrisse que isso aconteceu de novo, e eu n�o havia dito nada."

Ela explicou ent�o por que havia desmentido a irm� inicialmente — em suma, porque acreditava que o comportamento do pai era normal:

"Eu pensei que era assim que eu fazia meu pai feliz. E n�o queria que parasse, queria que continuasse, porque achava que era uma rela��o normal entre pai e filha", disse ela, em fevereiro de 2019, � pol�cia.

"Achava que era algo que acontecia quando seu pai te amava, e achava que era normal. (...) Ningu�m me disse que n�o era normal."

Mas, mesmo com a explica��o de Alex, o CPS mais uma vez decidiu n�o abrir o processo.

"Voc� fez uma den�ncia de crime sexual � pol�cia de Derbyshire. (...) Esta carta � para explicar por que decidi relutantemente que o processo n�o deveria ser aberto. (...) Uma fraqueza significativa � que quando sua irm� alegou o abuso em 2011, voc� negou ter sido abusada e disse que sua irm� estava mentindo", diz parte da carta enviada a Alex.


Alex em depoimento à polícia em 2017
Alex em depoimento � pol�cia em 2017 (foto: Reprodu��o / BBC)

"Embora aprecie que voc� tenha dado uma explica��o para isso, meu receio � que, mesmo com a explica��o, n�o seremos capazes de garantir ao j�ri o alto padr�o necess�rio para garantir uma condena��o."

A pol�cia recorreu da decis�o, mas o CPS recusou o caso novamente.

"Fiquei muito deprimida, com pensamentos suicidas, comecei a me automutilar, coisas assim", conta Alex.

1% das den�ncias resulta em condena��o

Ativistas dizem que esta postura � parte de uma tend�ncia preocupante. Apenas 1,3% dos casos de estupro denunciados � pol�cia na Inglaterra e no Pa�s de Gales resultam no suspeito sendo processado.

"Nos �ltimos cinco anos, o CPS tomou a decis�o de processar menos casos de estupro, a fim de aumentar sua taxa de condena��o", adverte Vera Baird, comiss�ria de apoio �s v�timas na Inglaterra e no Pa�s de Gales.

Atualmente, a taxa de condena��o das den�ncias de estupro est� em 1% — o menor �ndice j� registrado na regi�o.

"O que parece acontecer agora � que os promotores tentam adivinhar se um j�ri gostaria do caso. Coisas do tipo: ela tinha bebido, estava flertando? Quanto tempo depois do evento ela denunciou? Qualquer mito deste tipo significa que uma condena��o � menos prov�vel."

"Ou seja, os j�ris n�o est�o tendo a chance de decidir por si mesmos, e processamos agora cerca de um ter�o das pessoas que process�vamos antes", avalia Baird.

Um porta-voz do CPS afirmou, por sua vez, que n�o houve mudan�as na forma como o �rg�o decide que casos v�o a julgamento.

"Uma revis�o judicial independente descobriu que n�o houve mudan�as de abordagem na forma como o CPS processa o estupro. N�o importa qu�o desafiador seja o caso, sempre que nosso crit�rio jur�dico � atendido, sempre procuramos processar."

"Estamos determinados a aumentar o n�mero de casos de estupro que v�o para o tribunal. Poucas v�timas est�o vendo justi�a ser feita e estamos trabalhando duro para mudar isso", acrescentou.

Embora n�o se manifeste sobre casos individuais, Charlotte Caulton-Scott, do CPS, admitiu que o �rg�o nem sempre acerta:

"Acho que se qualquer organiza��o sentar e dizer: N�s nunca erramos, seria rid�culo. � por isso que temos um processo de apela��o em vigor."

O programa de Direito de Revis�o da V�tima (VRR, na sigla em ingl�s), ao qual ela se refere, � destinado a permitir que decis�es anteriores sejam examinadas e revogadas.

E foi justamente por meio deste sistema que Alex e Chyann decidiram fazer uma �ltima tentativa — e entraram com um recurso contra a decis�o do CPS.


As irmãs Alex e Chyann
Alex e Chyann foram atormentadas por pensamentos suicidas e tiveram muita dificuldade de seguir em frente (foto: Reprodu��o / BBC)

Desta vez, a den�ncia contra o pai foi finalmente aceita.

Mas ainda levaria dois anos at� o caso finalmente chegar ao tribunal. Inicialmente marcado para mar�o de 2021, o julgamento s� foi realizado em janeiro de 2022, devido a atrasos provocados pela pandemia de covid-19.

A demora afetou profundamente as irm�s — ambas foram atormentadas por pensamentos suicidas, tiveram dificuldade de manter seus empregos e seguir em frente com suas vidas.

J� haviam decidido que se a audi�ncia fosse adiada mais uma vez, n�o seguiriam em frente. Mas finalmente aconteceu.

'Fa�o parte do 1%'

Alex foi interrogada pelo advogado do pai por mais de duas horas durante o julgamento, que durou sete dias.

"Foi literalmente a coisa mais estressante que eu j� fiz. N�o queria que ele pensasse que eu estava com medo ou que ainda tinha algum poder sobre mim. Tipo, eu n�o sou aquela garotinha que ainda est� naquela situa��o. S� queria que todos vissem isso."

Ap�s deliberar por uma hora e meia, o j�ri considerou o pai das jovens culpado por unanimidade — e ele foi condenado a 40 anos de pris�o.

"Eu n�o estava esperando por isso. N�o estava. Quando voc� pesquisa quantos casos realmente resultam em condena��o, n�o parece que h� muita esperan�a. Mas aceitaram todas as 14 acusa��es, todos os 12 membros do j�ri."

"Fa�o parte do 1%", constatou Alex.


Alex e Chyann em 2022
As irm�s enfrentam o desafio agora de curar as feridas do passado (foto: Reprodu��o / BBC)

Para Chyann, o desfecho foi acompanhado de um certo al�vio.

"Obviamente, ainda sofro, mas � administr�vel agora, porque n�o tem mais o processo judicial � espreita. Nunca vou superar isso. Mas posso come�ar a seguir em frente agora. Definitivamente", diz ela.

As duas irm�s t�m agora o desafio de curar as feridas abertas no seu relacionamento, abalado ap�s Alex ter desmentido a irm� diante da pol�cia na inf�ncia.

"A principal coisa que temos em comum � que isso aconteceu. Passamos anos e anos brigando por causa disso", diz Alex.

"Eu me sinto mal por isso, me sinto culpada por isso, mas preciso seguir em frente."

Esta reportagem � baseada no document�rio Beyond Reasonable Doubt: Britain's Rape Crisis, do programa Panorama, da BBC. A �ntegra do document�rio est� dispon�vel aqui (em ingl�s).

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