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Estado de Minas DIVERS�O

A profissional que tenta rejuvenescer as palavras cruzadas

Uma das mulheres mais novas a ter seu trabalho publicado no The New York Times, Anna Sechtman usa refer�ncias mais jovens e tenta enxergar novos p�blicos - enquanto tira li��es de sua batalha pessoal contra um dist�rbio alimentar.


06/04/2022 08:13 - atualizado 06/04/2022 09:38


Anna Shechtman
(foto: Noa Griffel)

Anna Shechtman foi uma das mais jovens criadoras de palavras cruzadas do sexo feminino a ter um desafio publicado no New York Times. Ela continuou abrindo novos caminhos, tornando a cena de palavras cruzadas mais diversificada, mas tamb�m teve que lidar com seu pr�prio desafio com a anorexia ao longo do caminho.

A pista: Grande dama da m�sica

A resposta: Ariana.

Essa � uma das pistas favoritas j� elaboradas pela americana Anna Sechtman, jornalista e criadora de palavras cruzadas, de 31 anos.

Segundo ela, a pista reflete mudan�as que ela tenta fazer na cena de palavras cruzadas americanas, com uma linguagem que atraia perfis mais variados de leitores (no caso, ela fez um jogo de palavras com o nome da cantora pop Ariana Grande, �cone do p�blico juvenil).

"Existe um grande prazer em solucionar uma palavra cruzada - naquele momento de reconhecimento quando voc� v� algo que sabe refletido no seu jornal", ela diz.

"Ent�o, para mim, o projeto � trazer esse momento de reconhecimento para mais e mais pessoas que se parecem comigo e consomem o mesmo tipo de produtos culturais que eu."

Anna atualmente trabalha para a revista The New Yorker, e tem PhD em literatura inglesa e estudos de cinema e m�dia. Ela se descreve como uma �vida consumidora de reality shows na TV e, em entrevista � BBC, contou como se apaixonou pelo mundo das cruzadinhas - enquanto travava uma dura batalha contra um dist�rbio alimentar.

Diversidade

Historicamente, o ambiente de cria��o de palavras cruzadas sempre foi bastante masculino.

Anna descreve a si mesma como parte de uma pequena gera��o de criadores que est�o trazendo uma diversidade maior de vozes a esse mundo.

"Toda palavra cruzada, de muitas formas, traz a digital do seu criador", ela afirma.

Anna cresceu em Tribeca, no centro da ilha de Manhattan, em Nova York, com seu pai (um advogado), sua m�e (uma historiadora da arte) e sua irm� mais velha.

"Minha fam�lia � muito amorosa e tamb�m tem bastante do estere�tipo da fam�lia judia nova-iorquina", prossegue Anna. "Discuss�es e educa��o foram certamente priorizadas, e nossas opini�es e ideias sempre tiveram valor desde cedo."


Anna com sua irmã mais velha em 1995
Anna com sua irm� mais velha em 1995 (foto: Anna Shechtman)

Anna se apaixonou por cruzadinhas na adolesc�ncia, quando acompanhou sua m�e ao cinema "indie" Angelika Film Centre, na regi�o do Soho, para assistir ao document�rio Palavras Cruzadas (2006).

"O filme realmente te apresenta a membros muito exc�ntricos do mundo das palavras cruzadas, e eu tive um momento muito estranho de identifica��o cinematogr�fica com eles", afirma.

N�o � todo mundo que encontra inspira��o criativa nas cruzadinhas, ela admite. "Por alguma raz�o, eu senti o entusiasmo e a excentricidade deles atrav�s da tela. Havia algo estrutural sobre a linguagem - era quase como m�gica."

Anna passou a criar palavras cruzadas no estilo americano, que � bem peculiar, como ela explica:

"Absolutamente todas as letras precisam estar conectadas a duas palavras do quadro, o que cria um processo de constru��o bastante masoquista. � diferente, por exemplo, das palavras cruzadas de estilo brit�nico, na qual a dificuldade � criar charadas para cada palavra".

(Nesses modelos, as pistas s�o colocadas fora da grade de palavras cruzadas. No Brasil, o estilo mais comum de palavras cruzadas � o direto, em que as pistas est�o dentro dos quadradinhos.)

Anna passou a construir suas palavras cruzadas � m�o, usando papel quadriculado e "muitos, muitos dicion�rios", at� completar 25 anos.

"� como se as palavras tivessem virado um tipo de equa��o matem�tica, na qual voc� precisa se assegurar de que todas as letras se cruzem na p�gina ao mesmo tempo em que perten�am a palavras reais. Agora, o processo foi digitalizado e comecei a usar softwares de constru��o de palavras cruzadas, como todo mundo."

Com o software agilizando o processo, Anna sentia que estava "trapaceando", apesar de a elabora��o ainda depender, em grande parte, do trabalho humano.

"Ao entender que estava fazendo de mim mesma menos competitiva, comecei a usar o software."

A primeira palavra cruzada que ela j� criou era baseada na palavra inglesa "midterm" (usada para se referir, por exemplo, a elei��es que ocorram no meio de um mandato ou a exames escolares na metade do ano letivo).

"As respostas tem�ticas na cruzadinha tinham 'term' no meio delas, ent�o essa era a brincadeira de 'midterm' - por exemplo (as palavras) 'mastermind', 'determined', 'watermelon'. Acho que dei para minha m�e resolver."

Anorexia

Anna n�o sabia ao certo se sua fam�lia entendia plenamente sua paix�o.

"Minha irm� mais velha meio que me trollava, achava que eu era nada 'cool'. Ela mudou de opini�o", conta. "De muitas formas, acho que (minha fam�lia) n�o entendia bem a mec�nica da minha mente, e acho que eu tamb�m n�o. Mas era o que eu gostava."

Ao longo do tempo, criar palavras cruzadas se tornou um "mecanismo para me acalmar", depois que ela desenvolveu anorexia na adolesc�ncia.

Na �poca, seu namorado na universidade, que chegou a ser seu "mais devoto resolvedor de palavras cruzadas", mandou o trabalho de Anna para Will Shortz, o conhecido criador de palavras cruzadas e editor do New York Times.

"Shortz ficou muito entusiasmado", diz Anna, "principalmente porque eu tinha 19 anos. Ele correu para publicar (meu trabalho) porque queria que eu estivesse entre seus construtores adolescentes (de cruzadinhas). Ele foi muito claro: se eu fizesse minhas revis�es muito rapidamente, seria a mais jovem mulher a ser publicada nas palavras cruzadas do New York Times."


a jovem Anna Shechtman
Anna Shechtman foi a segunda mulher mais jovem a ser publicada no Times (foto: Noa Griffel)

Mas como fazia suas cruzadas � m�o na �poca, "n�o fui t�o r�pida e me tornei a segunda mulher mais jovem a ser publicada no Times".

Mas enfrentar a anorexia n�o foi f�cil. Ela enxerga o hist�rico de seu dist�rbio alimentar e de seu cruciverbalismo - devo��o �s palavras cruzadas - como "intimamente enredados um com o outro".

Anna e sua fam�lia ficaram bastante temerosos com seu estado de sa�de, ent�o ela concordou em iniciar um processo recomendado pelos m�dicos chamado "refeeding", ou realimenta��o, de modo muito controlado. No caso dela, isso consistia em fazer tr�s grandes refei��es por dia, intercaladas por construir uma palavra cruzada.

"Descobri que havia uma esp�cie de escape do meu corpo quando eu escrevia as palavras cruzadas. Eu entrava numa esp�cie de matrix virtual de palavras que me dava uma esp�cie de barato como compensa��o", ela explica.

"Entendi que o que eu fazia era dif�cil, o que me fez sentir meio virtuosa e me permitiu escapar dos desconfortos corporais".

Anna diz que adorava seus estudos, mas por conta do dist�rbio alimentar precisou se ausentar durante v�rios semestres.

"Perdi a confian�a da minha fam�lia, foi com certeza o pior per�odo da minha vida - n�o apenas pela minha rela��o comigo mesma, mas tamb�m pela ruptura de rela��es que eram t�o preciosas para mim."

E a principal distor��o causada pela anorexia � que Anna sentia que o dist�rbio alimentar havia se tornado uma parte essencial de si mesma.

"O mais assustador n�o era simplesmente (o fato) de eu ganhar peso, mas n�o saber quem eu seria sem (a anorexia). Eu tinha pensamentos perversos, como achar que n�o seria inteligente o bastante sem isso, que n�o teria boas notas, que n�o conseguiria fazer essa atividade intelectual de nicho que s�o as palavras cruzadas", explica.

"Todas essas coisas que eu valorizava em mim, eu presumia, erroneamente, ilusoriamente, que eram ligadas ao meu dist�rbio alimentar, o que dificultou minha recupera��o."

Reabilita��o

A segunda palavra cruzada de Anna foi publicada no New York Times depois de ela ser internada em uma cl�nica de reabilita��o para mulheres com dist�rbios alimentares. Ela tinha 20 anos.

Enquanto iniciava seu processo de recupera��o, ela temia que criar cruzadinhas a fizesse regredir.


Love Island, geeks and tats (abreviação de tatuagens) - respostas para uma das palavras cruzadas de Anna publicadas em 11 de março de 2022 na revista The New Yorker
As respostas das palavras cruzadas de Anna na revista The New Yorker mostram o estilo dela (foto: BBC)

"Com as palavras cruzadas, h� esse conceito de que voc� pode controlar essa coisa incontrol�vel que � a linguagem - o que, de novo, para mim parecia uma tentativa imprudente de controlar o incontrol�vel que � o corpo humano", diz.

"Ent�o, quando sa� da reabilita��o, e desfrutei da minha est�vel - mas prec�ria - recupera��o, fiquei com medo de eu ter uma reca�da (na anorexia) se voltasse a escrever as palavras cruzadas."

Como tudo na sua vida naquela �poca, ela teve de "redescobrir e redefinir o significado" das cruzadinhas em sua recupera��o. "Assim como o relacionamento com a minha m�e e irm� teve de ser curado, o mesmo aconteceu com a minha rela��o com palavras cruzadas."

Depois de ter se formado na universidade, ela foi convidada por Will Shortz para ser editora assistente no New York Times.

Os dois eram pessoas muito diferentes, diz Anna. "Ele era um homem de 62 anos criado em uma fazenda de cavalos na �rea rural (do Estado de) Indiana. Eu tinha 23 anos, tinha sido criada em Tribeca, no baixo Manhattan - nossas refer�ncias n�o poderiam ser mais distintas."

Anna e Will aceitavam ou rejeitavam as palavras cruzadas submetidas ao jornal - no caso das que eram aceitas, eles reescreviam at� 90% das pistas. Os dois sentavam juntos e debatiam sobre como definir as palavras.

Ela cita a palavra "bro" (g�ria para amigo, que pode ser tamb�m traduzida livremente como "mano") como exemplo da diferen�a de abordagem que os dois tinham a respeito da defini��o de pistas.

"O que v�m � mente para mim e o que v�m � mente de Will Shortz s�o defini��es e refer�ncias radicalmente diferentes", diz Anna.

"Para ele - e para a forma como isso foi feito por anos no Times - seria algo (relacionado � palavra "brother", que em ingl�s significa irm�o) como 'parente da mana, irm�o da mana'. E a minha pista era algo como 'g�ria para jovem homem festeiro e narcisista'."

Anna diz que suas discuss�es com Shortz s�o "amig�veis", mas que o foco de ambos sempre era o p�blico - e quem eles imaginavam como sendo a pessoa t�pica que vai resolver as palavras cruzadas do New York Times.


A 'forasteira' Anna Shechtman
Anna conta que passou a se ver como uma "forasteira na comunidade de constru��o de palavras cruzadas" (foto: Anna Shechtman)

Enquanto continuava sua recupera��o da anorexia, sua trajet�ria nas palavras cruzadas passou de "privada e terap�utica" para "um exerc�cio mais p�blico e at� pol�tico". Anna conta que passou a se ver como uma "forasteira na comunidade de constru��o de palavras cruzadas".

Ela tamb�m descobriu que haviam existido pioneiras antes dela, como Margaret Farrar (1897-1984), cuja genialidade nas palavras cruzadas fez dela a primeira editora desse segmento no New York Times.

"Outra mulher que admiro muito � Julia Penelope", diz Anna. "� uma linguista que escrevia suas pr�prias palavras cruzadas - que ela chamava de cruzadas l�sbica-separatistas, cheias de palavras como 'herstory' e 'womyn', escrita com y (respectivamente, 'hist�riadela' e 'mulher'). Ela n�o conseguiu publicar suas palavras cruzadas no New York Times, ent�o publicou de modo aut�nomo uma cole��o de cruzadas que eu adoro."

Agora, na dianteira de uma nova gera��o mais demograficamente diversificada de construtores, ela se sente tamb�m parte dessa longa linhagem de mulheres cruciverbalistas.

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