
Foi durante o jantar que Moss Hills come�ou a perceber o qu�o forte a tempestade estava. Os gar�ons do navio, normalmente h�beis em carregar bebidas e comida sem derramar nada, estavam com dificuldade.
Moss, um guitarrista do Zimb�bue que trabalhava a bordo do navio ao lado da esposa Tracy, a baixista da banda, nunca tinha visto os gar�ons derrubando bandejas antes.
- O menino her�i que com apenas 11 anos salvou duas pessoas no mesmo dia
- Guerra na Ucr�nia: m�dico polon�s salva vis�o de fam�lia atingida por bombas
Mais cedo naquele dia, rajadas de vento e chuvas fortes haviam atrasado v�rias vezes a partida do navio, em sua etapa final em dire��o a Durban.
Mas sem nenhum sinal de melhora das condi��es meteorol�gicas, o capit�o acabou decidindo levantar �ncora — e o Oceanos, com 581 passageiros e tripulantes a bordo, navegou em meio a ventos de 40 n�s e ondas de 9 metros de altura.
Moss e Tracy, ambos na faixa dos 30 anos, geralmente davam festas no deck da piscina enquanto o navio zarpava do porto. Mas, naquele dia, a festa havia sido transferida para a parte interna, e Moss precisou apoiar o corpo enquanto tocava sua guitarra, tentando manter o equil�brio enquanto o navio balan�ava.
"A tempestade ficou cada vez pior", diz Moss.
Durante o jantar, Tracy — que o marido descreve como inabal�vel — decidiu ir at� a cabine deles para organizar um kit de emerg�ncia, s� por precau��o.
"Ela saiu", conta Moss, "e de repente — bum — todas as luzes se apagaram."

Quando nenhum dos oficiais do navio apareceu para dar instru��es, Moss, que n�o era de se assustar facilmente, come�ou a se sentir desconfort�vel.
"Voc� est� em um navio no meio do oceano, na escurid�o da noite, durante uma tempestade terr�vel", diz ele, "senti um aperto no est�mago."
Quando as luzes pequenas e fracas de emerg�ncia se acenderam, Moss foi at� o sal�o para verificar os instrumentos musicais no palco. Os microfones e suportes estavam espalhados.
De repente, ele percebeu que n�o conseguia ouvir o ru�do de fundo constante e pulsante dos motores. O navio havia perdido pot�ncia e estava desacelerando.
Logo, o Oceanos — uma embarca��o de 153 m (502 p�s) — estaria � deriva em meio �s ondas que quebravam.
O navio, diz Moss, estava sendo "martelado".
Passageiros ansiosos come�aram a entrar no sal�o. Vasos de plantas, cinzeiros e cadeiras deslizavam de um lado para o outro, e as pessoas tiveram que levantar de seus assentos para se sentar no ch�o, enquanto o navio balan�ava descontroladamente de um lado para o outro, de bombordo a estibordo.
Cerca de uma hora se passou, e o clima no sal�o ficou tenso. Moss pegou uma guitarra ac�stica e come�ou a cantar com alguns dos outros animadores para tentar manter as pessoas calmas. Mas com o passar do tempo, Moss notou que o navio estava adernando — n�o voltando mais a uma posi��o nivelada quando era jogado na tempestade.
"Alguma coisa ruim est� acontecendo", disse Moss a Tracy, "vou tentar descobrir o que est� acontecendo."
Agarrados aos corrim�os, Moss e outro artista, Julian, um m�gico de Yorkshire, abriram caminho pela escurid�o abaixo do conv�s. Eles podiam ouvir vozes agitadas falando muitas l�nguas diferentes. Os oficiais estavam numa correria, alguns carregavam sacolas, outros estavam com coletes salva-vidas e alguns estavam molhados.
"Todo mundo estava com os olhos arregalados e em p�nico", lembra Moss.
"Est�vamos tentando perguntar: 'O que est� acontecendo?', mas era como se n�o exist�ssemos."
Julian e Moss continuaram ent�o at� a sala de m�quinas — a parte mais baixa do navio.
"Est�vamos bem abaixo do n�vel da �gua, no escuro, sozinhos, e n�o havia ningu�m l�", afirma Moss.
"Isso nunca aconteceria, nem quando voc� est� ancorado."
As portas grossas de metal que agiam como uma barreira de seguran�a, impedindo que a �gua se deslocasse de um compartimento do navio para outro em caso de inunda��o, estavam bem fechadas.
"Mas parecia que havia um enorme corpo de �gua agitado atr�s daquelas portas � prova d'�gua", recorda Moss.
O Oceanos estava afundando.

De volta ao sal�o, ainda n�o havia sido feito nenhum an�ncio sobre o que estava acontecendo. Moss encontrou o diretor do cruzeiro, que contou que o capit�o havia dito a ele que teriam que abandonar o navio.
"Depois descobrimos que um bote salva-vidas j� havia partido com muitos tripulantes e oficiais de alta patente", afirma.
Moss e os outros n�o tinham ideia de como abandonar um navio, tampouco de como lan�ar os botes salva-vidas que estavam pendurados no alto do conv�s ao longo de cada um dos lados do navio — mas n�o havia ningu�m mais qualificado por perto para fazer isso.
Um por um, eles come�aram a baixar os botes salva-vidas de estibordo para o conv�s. Eles n�o sabiam como mant�-los firmes enquanto as pessoas subiam, ent�o Moss improvisou ficando com uma perna no conv�s do navio e a outra no bote salva-vidas.
Mas cada vez que o navio virava para estibordo, Moss tinha que pular de volta para o Oceanos, antes que o bote salva-vidas se afastasse, abrindo um espa�o de alguns metros, e depois voltasse, batendo com tanta for�a contra o casco do navio que algumas partes come�aram a se estilha�ar.
Cada bote salva-vidas, agora com cerca de 90 pessoas a bordo, muitas gritando de medo, seria ent�o baixado para o mar por meio de cabos. Mas Moss n�o tinha ideia de como ligar os motores ou de onde estavam as chaves.
"N�s os deix�vamos ir, noite adentro, e eles simplesmente se afastavam na batida das ondas", relembra.
"As pessoas nos botes salva-vidas passaram momentos tortuosos — estavam sendo inundadas pelas got�culas, estava frio e completamente escuro, mas tivemos que continuar at� que todos os botes salva-vidas de estibordo fossem lan�ados."

A essa altura, estava entrando cada vez mais �gua no Oceanos, que se inclinava acentuadamente para estibordo. Lan�ar os botes salva-vidas restantes a bombordo com seguran�a era quase imposs�vel.
Em vez de serem baixados para a �gua uma vez que estavam cheios de pessoas, os botes salva-vidas ficavam agarrados � lateral do navio at� que a pr�xima grande onda chegasse, inclinando o navio o suficiente para deix�-los oscilar livremente.
Tempo se esgotando
"E ent�o a gravidade de repente derrubou o bote salva-vidas tr�s ou quatro metros (13 p�s) de uma s� vez, quase jogando as pessoas em mar aberto, foi horr�vel", diz Moss.
Por fim, ele percebeu que era perigoso demais continuar.
"No esfor�o de tentar salvar as pessoas, n�s possivelmente ir�amos mat�-las", avalia.
E o tempo estava se esgotando.
Incapaz de lan�ar mais botes salva-vidas, mas com centenas de pessoas ainda precisando ser resgatadas, Moss foi acompanhado de outros at� a sala de comando do navio — onde presumiram que encontrariam o capit�o e os oficiais de alta patente restantes — para perguntar o que fazer a seguir.
"N�s olhamos l� dentro, mas n�o havia ningu�m l�", conta Moss. "Foi quando percebemos — somos s� n�s."
Luzes vermelho-alaranjadas piscavam na escurid�o, mas Moss n�o fazia ideia para que servia a maior parte do equipamento, muito menos como funcionava. Eles se revezaram tentando usar o r�dio para enviar um pedido de socorro.
"Eu ficava chamando: 'Mayday! Mayday! Mayday!' (palavra-c�digo para emerg�ncia), e esperando que algu�m respondesse", relata Moss.
Uma voz grossa finalmente respondeu. "Sim, qual � a sua emerg�ncia?"
Aliviado, Moss explicou que estava no cruzeiro Oceanos e que o navio estava afundando.
"OK. Quanto tempo at� afundar?"
"N�o sei — as grades de estibordo est�o na �gua, estamos virando, entrou uma enorme quantidade de �gua", respondeu Moss. "Ainda temos pelo menos 200 pessoas a bordo."
"OK. Qual � a sua posi��o?"
"Provavelmente, estamos no meio do caminho entre o porto de East London (na �frica do Sul) e Durban."
"N�o, n�o, n�o, quais s�o suas coordenadas?"
Moss n�o tinha ideia de quais eram suas coordenadas.
"Qual � a sua patente?"
"Eu n�o tenho patente — sou guitarrista."
Fez-se um momento de sil�ncio.
"O que voc� est� fazendo na sala de comando?"
"Bem, n�o h� mais ningu�m aqui."
"Quem est� na sala de comando com voc�?"
"Ent�o eu respondi: 'Eu, minha esposa, que toca baixo, e tem um m�gico aqui...'"
Capit�o fumando
Moss foi colocado em contato com dois pequenos navios que estavam perto do Oceanos. Disseram a ele para encontrar o capit�o e lev�-lo at� a sala de comando. Mas Moss n�o fazia ideia de onde ele estava.
"Eu sabia que ele n�o estaria l� embaixo porque est�vamos afundando", afirma. "Eu estava fazendo checagens regulares para ver onde estava o n�vel da �gua, e um pavimento abaixo de n�s estava inundado."
Moss acabou encontrando o capit�o, bem na parte de tr�s do navio, fumando na escurid�o. Moss explicou que eles precisavam da sua ajuda — com urg�ncia.
"Ele ficava apenas olhando para mim, de olhos arregalados e vagos, dizendo: 'N�o � necess�rio, n�o � necess�rio'", lembra Moss.
"Acho que ele estava em profundo choque."
Os dois navios perto do Oceanos tinham apenas um bote salva-vidas cada, ent�o havia pouco que pudessem fazer para ajudar. Eles compartilharam as coordenadas do navio que estava afundando com as autoridades sul-africanas, que come�aram a organizar uma miss�o de resgate a�reo.

Enquanto a tempestade continuava a golpear o navio, Moss e Tracy sentaram-se juntos na escurid�o, rezando para que a ajuda chegasse antes que fosse tarde demais.
"Acho que o navio vai afundar, e � muito prov�vel que a gente afunde com ele", disse Moss � esposa.
Ele e Tracy tinham uma filha de 15 anos, Amber, que estava de f�rias a bordo do Oceanos, mas havia desembarcado poucos dias antes. Amber estava agora de volta ao col�gio interno na �frica do Sul.
"Ela n�o pode perder os dois pais", Moss recorda ter dito � esposa.
"Seja l� o que a gente fa�a, temos que garantir que pelo menos um de n�s escape."

Mais de tr�s horas se passaram at� o primeiro helic�ptero de resgate chegar e pairar sobre o navio.
Dois mergulhadores da Marinha foram baixados por um cabo at� o conv�s do Oceanos. Eles disseram que precisariam de ajuda para tirar todo mundo antes que o navio afundasse, e Moss recebeu um curso intensivo de cinco minutos sobre como operar um resgate de helic�ptero.
"Lembre-se, a cinta precisa estar bem apertada sob as axilas das pessoas", disse o mergulhador da marinha.
"Certifique-se de fazer direito porque sen�o elas v�o virar de cabe�a para baixo e cair — voc� vai mat�-las no conv�s. Fa�a duas pessoas de cada vez ou n�o vai dar tempo. OK? V�."
Um mergulhador da Marinha foi organizar o resgate de helic�ptero na parte traseira do navio, e Tracy e Moss organizaram um segundo grupo na frente. Mas � medida que o navio afundava cada vez mais sob as ondas, as pessoas come�aram a pular do conv�s em p�nico, e um barco infl�vel r�gido teve que ser lan�ado ao mar agitado para resgat�-las.
Penduradas no ar pelo cabo do helic�ptero, as pessoas que Moss estava tentando salvar estavam sendo lan�adas contra o navio pelos fortes ventos enquanto eram i�adas. N�o havia como saber o quanto estavam feridas, e Moss perdeu a coragem momentaneamente. Mas com tantas pessoas ainda a bordo, percebeu que n�o tinha escolha a n�o ser continuar.
No total, cinco helic�pteros se juntaram � miss�o de resgate, em meio a viagens de idas e vindas, transportando 12 pessoas de cada vez para um local seguro enquanto amanhecia e a escurid�o se dissipava.
Esgotados e exaustos, Moss e Tracy estavam entre os �ltimos a serem amarrados aos cabos.
"Quando est�vamos pairando sobre o navio, eu realmente me toquei", diz Moss, "pude ver que o Oceanos estava em uma situa��o cr�tica. Pudemos ver as ondas quebrando na proa, onde est�vamos resgatando pessoas"..
Quando o helic�ptero que transportava Moss pousou na relva, os passageiros do cruzeiro correram em dire��o a ele cantando, aplaudindo e estendendo a m�o para abra��-lo.
"Comecei a engasgar e solu�ar", diz Moss, "e ent�o desabei".

Em 4 de agosto de 1991, cerca de 45 minutos ap�s a �ltima pessoa a bordo ter sido i�ada em seguran�a, o Oceanos deslizou para baixo da �gua. Todos que foram colocados em botes salva-vidas foram resgatados por navios que passavam e incrivelmente nenhuma vida foi perdida.
Moss e Tracy, que agora moram em Liverpool, continuaram trabalhando como animadores de cruzeiro por muitos anos. At� agora, tr�s d�cadas depois, Tracy prefere n�o falar sobre o naufr�gio ou lembrar o qu�o perto todos chegaram de perder a vida.
Mas Moss, que foi questionado sobre o Oceanos in�meras vezes, acha cat�rtico falar a respeito. Ele olha para tr�s para o que aconteceu com grande al�vio.
"N�o sou invenc�vel", diz Moss, "mas se eu consigo superar isso, posso superar qualquer coisa".
Houve um inqu�rito na Gr�cia que considerou o capit�o do Oceanos e outros quatro oficiais de alta patente negligentes no naufr�gio do navio.
Todas as imagens s�o cortesia de Moss Hills, exceto quando indicado.
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!