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Estado de Minas BBC

MK-Ultra: o programa secreto da CIA que buscava formas de controle mental

No in�cio da Guerra Fria, a CIA financiou experimentos com pacientes de institutos psiqui�tricos e presos sem seu consentimento


08/05/2022 14:50 - atualizado 08/05/2022 14:50

Selo circular com águia, estrela vermelha e a inscrição Central Intelligence Agency - United States of America
Selo oficial da Ag�ncia Central de Intelig�ncia (CIA), de 1974. (foto: Getty Images)
H� 45 anos, a Ag�ncia Central de Intelig�ncia dos EUA (CIA) foi for�ada a publicar documentos que confirmava o que alguns suspeitavam: ela havia financiado experimentos de controle mental, usando descargas el�tricas, drogas alucin�genas e outras t�cnicas terr�veis, sem o conhecimento dos cobaias.

 

Pela natureza dos abusos cometidos, os afetados s� come�aram a entender o que havia acontecido d�cadas depois, e o obscuro legado do programa ultrassecreto conhecido como MK-Ultra segue vigente.

 

Tudo come�ou no princ�pio da d�cada de 1950, quando a Guerra Fria estava no apogeu.

Quando alguns americanos prisioneiros de guerra liberados na Coreia voltaram para casa defendendo a causa comunista, a comunidade de intelig�ncia dos EUA se alarmou.

 

Com medo de que os sovi�ticos e chineses tivessem desenvolvido t�cnicas de controle mental, e de que seus agentes ou prisioneiros de guerra pudessem revelar informa��es, a rec�m-formada CIA destinou US$ 25 milh�es para experimentos psiqui�tricos em seres humanos.

 

"A ideia era tratar de descobrir como interrogar as pessoas e debilit�-las, e tamb�m como proteger seu pessoal dessas t�cnicas", disse � BBC o psiquiatra Harvey M. Weinstein, autor de Father, Son and CIA.

 

A ag�ncia usou organiza��es de fachada para se aproximar de mais de 80 institui��es e pesquisadores nos EUA, Reino Unido e Canad�.

 

"Foi o programa mais secreto j� conduzido pela CIA nos EUA", disse � BBC o autor e historiador Tom Oneill.

 

"Pacientes em hospitais psiqui�tricos, presos em institui��es federais e inclusive pessoas do p�blico receberam drogas e foram parte de experimentos sem seu conhecimento ou consentimento".

Teste com �cido

Os projetos iniciais do MK-Ultra inclu�ram a Opera��o Midnight Climax.


Rosto de mulher pintado com cores e padrões psicodélicos
As "provas de �cido" deixaram sequelas boas e terr�veis. (foto: Getty Images)

 

"Estabeleceram o que chamavam casas de seguran�a, onde prostitutas levavam homens a quem, sem adverti-los, davam LSD para que os cientistas da CIA pudessem estud�-los, geralmente atr�s de um espelho bidirecional".

 

Outra pr�tica comum era organizar e observar festas induzidas por LSD com m�sica ao vivo.

 

Essas festas se chamavam "provas de �cido", e a cultura que surgiu a partir delas teve um papel chave no desenvolvimento dos movimentos hippies e psicod�licos anos depois.

 

Mas alguns dos experimentos mais nocivos aconteceram no Allan Memorial Institute em Montreal, um hospital psiqui�trico no Canad�, onde as mentes de um n�mero ainda desconhecido de pacientes foram sistematicamente destru�das.

 

O hospital, conhecido como "o Allan", estava sob a dire��o do escoc�s-americano Donald Ewen Cameron, que era considerado um dos psiquiatras mais destacados do mundo.


Foto em branco e preto de Donald Ewen Cameron
Cameron foi presidente da Associa��o Americana de Psiquiatria (1952-1953 e en 1963), Associa��o Canadense de Psiquiatria (1958-1959), Sociedade de Psiquiatria Biol�gica (1965) e Associa��o Mundial de Psiquiatria (1961-1966). (foto: BBC)

 

� por isso que Lou, o pai do psiquiatra Harvey Weinstein, quis que ele o tratasse quando come�ou a sofrer ataques de p�nico.

 

"Aconteceram coisas terr�veis, e at� que viessem � luz os documentos do MK-Ultra, nunca pude entender a transforma��o que ele sofreu".

 

Lou era um homem soci�vel que gostava de cantar e dirigia um neg�cio.

Mas saiu do hospital psiqui�trico como uma sombra — com sua vida e fam�lia destru�das.

 

Ele f�o foi o �nico. Centenas de pessoas tiveram o mesmo destino.

 

"Eu tinha problemas com meus pais", se recorda Lana Ponting, "e decidiram me internar no Allan. Eles n�o tinham ideia do que acontecia ali."

 

"Quando minha fam�lia voltou para me buscar, eu parecia um zumbi. Nem sabia quem eles eram".


Edifício em estilo gótico rodeado por pinheiros com neve
O Allan, a mans�o g�tica com vista para Montreal, onde Cameron dirigia seu instituto. (foto: BBC)

 

A enfermeira Esther Schrier foi internada no Allan gr�vida, pois tinha p�nico de perder o beb� depois da morte de um filho. Seu tratamento terminou s� quando estava a um m�s de dar � luz.

 

Anos depois, recordou em entrevista � BBC como estava perdida.

 

"Tinha um beb� novo e n�o sabia o que fazer com ele. Uma bab� me ajudava, mas, para que voc� tenha uma ideia, isto � um pequeno exemplo do que ela me escreveu num caderno antes de tirar um dia de folga: 'Quando escutar o beb� chorando, v� ao quarto. Pegue o beb�'... e explica passo a passo como aliment�-lo. Foi muito aterrorizador".

O doutor Cameron

A CIA havia se aproximado de Cameron tr�s anos depois de lan�ar o MK-Ultra, atrav�s da Sociedade para a Investiga��o da Ecologia Humana, uma de suas organiza��es de fachada, por meio da qual canalizavam dinheiro.

 

Entre janeiro de 1957 e setembro de 1960, a ag�ncia entregou ao psiquiatra US$ 60 mil, o equivalente a US$ 600 mil nos dias de hoje.


Letreiro à beira de estrada com a inscrição 'CIA, próxima esquerda'
A CIA foi fundada em 1947. (foto: BBC)

 

Cameron era conhecido por defender um novo enfoque cient�fico do c�rebro, segundo o qual a mente funciona como um computador, que pode ser reprogramada apagando mem�rias e reconstruindo a psique por completo.

 

Para isso, tinha que reduzir os pacientes a um estado psicol�gico infantil, quando os m�dicos podiam aproveitar a vulnerabilidade cognitiva da pessoa.

 

Ao come�ar do zero, era poss�vel reestruturar a mente e plantar ideias na mem�ria de um indiv�duo sem que esse se desse conta de que elas n�o eram originais.

 

Pacientes que chegavam ao instituto por problemas menores, como transtornos de ansiedade ou depress�o p�s-parto, eram colocados no "dormit�rio", onde eram postos em coma induzido por dias ou meses.

 

Em seguida, eram "desestruturados" por uma terapia eletroconvulsiva com pot�ncia e frequ�ncia nunca vistas, para que fossem reduzidos a um "estado vegetativo", a partir do qual chegariam a um "estado mental mais saud�vel", segundo a teoria de Cameron.


Jovem com equipamentos de terapia eletroconvulsiva na cabeça, deitada em maca
Cameron testou a terapia eletroconvulsiva com pot�ncia 30 ou 40 vezes acima da normal. (foto: BBC)

 

"Meu pai recebeu 54 tratamentos de eletrochoque de alta voltagem seguidos por 54 convuls�es (perda de consci�ncia e contra��es musculares violentas), disse � BBC Lana Sowchuk, cujo pai era "um homem s�o e atl�tico de 27 anos", que foi ao hospital para tratar asma.

 

"Depois de 27 dias de eletrochoques, disseram que estavam desanimados porque ainda tinha v�nculos com sua vida anterior, pois seguia pedindo para ver a esposa", relata Julie Tanny, cujo pai tamb�m foi posto no programa.

 

"Decidiram lhe dar mais tratamentos de eletrochoque e coloc�-lo para dormir por outros 30 dias".

 

Sem seu conhecimento ou consentimento, os pacientes foram tratados � for�a com grandes doses de drogas psicod�licas, como o LSD.

 

Como parte desse regime de reprograma��o, que Cameron chamou de "condu��o ps�quica", obrigavam-nos a escutar mensagens c�clicas com fones de ouvido ou alto-falantes, �s vezes instalados dentro do travesseiro do paciente, por at� 20 horas ao dia, estivessem dormindo ou acordados.

 

Algumas mensagens eram negativas ("minha m�e me odeia"), outras davam instru��es ("deve se comportar melhor"). As mensagens eram repetidas at� meio milh�o de vezes por sess�o.


Papel com anotações sobre paciente
Relato de um paciente em seu 37� dia de sonho qu�mico; ele havia recebido 15 eletrochoques e drogas por resistir ao tratamento. (foto: BBC)

 

O experimento de Cameron tamb�m envolveu a priva��o sensorial extrema — o que era suficiente, segundo o psiquiatra Harvey Weinstein, para provocar psicoses em qualquer pessoa.

 

"Meu pai estava numa esp�cie de c�lula com as m�os cobertas para que n�o pudesse sentir nada; no escuro, para que n�o pudesse ver nada; e com um ru�do constante, para que n�o pudesse escutar nada. Basicamente, isolado de toda sensa��o normal."

 

Lou Weinstein passou meses nesse estado.

 

Harvey tinha 12 anos quando Lou entrou pela primeira vez no Allan Memorial Institute. Ainda era um adolescente quando, em 1961, a casa da fam�lia teve de ser vendida para pagar contas. Nesse momento terr�vel, a fam�lia continuava acreditando que deveria seguir o conselho dos m�dicos.

 

Mas o jovem que logo viraria psiquiatra terminou perdendo o pai.

 

"Esse homem din�mico saiu como um vegetal. Tinha uma s�ndrome cerebral grave. Ficava no sof�, n�o conseguia se orientar, sua personalidade estava totalmente destru�da, e �s vezes n�o sabia onde estava."


Papel com anotações e rasuras
Documentos da CIA sobre o projeto MK-Ultra. (foto: BBC)

 

Outros pacientes perderam as mem�rias e detalhes de sua fam�lia, ou ficaram com uma amn�sia permanente.

 

Muitos voltaram para casa em um "estado infantil" e precisaram de treinamento para recuperar a contin�ncia e capacidade de ir ao banheiro.

 

Enganados sobre as inten��es e m�todos do tratamento, os pacientes carregaram sequelas pelo resto de suas vidas.

 

O programa MK-Ultra perdeu for�a em 1964, mas s� foi interrompido definitivamente em 1973, quando algumas das provas de suas atividades foram apagadas.

 

"Tudo foi descoberto gra�as a um jornalista chamado John Marks, que escreveu o primeiro livro (em 1979) sobre o programa, chamado Em busca do candidato de Manch�ria: a CIA e o controle mental", diz o historiador Tom Oneill.


Rosto de John Marks à frente de seu livro
Marks era um jovem jornalista quando obrigou a CIA a entregar as provas. (foto: BBC)

 

Quando Harvey leu uma resenha do livro, sua primeira rea��o foi de al�vio. Finalmente havia uma explica��o sobre o que havia acontecido com seu pai.

Mas esse al�vio logo se transformou em ira.

 

"Raiva contra o m�dico que havia promovido essa ignom�nia ao Allan. Raiva contra a CIA por fazer experimentos com pessoas seu seu consentimento. Foi um sentimento de f�ria profunda. E sobretudo depois das Leis de Nuremberg de 1946."

 

Uma das ironias da hist�ria � que Cameron havia sido um dos psiquiatras convidados a avaliar os nazistas acusados nos julgamentos de Nuremberg, onde se declarou pela primeira vez o C�digo de Nuremberg para a �tica da investiga��o com experimentos humanos.

 

Nos julgamentos Nuremberg, m�dicos nazistas foram condenados por "realizar experimentos m�dicos sem o consentimento dos sujeitos".


Imagem de Cameron
H� quem fa�a paralelos entre os experimentos nazistas e os feitos por Cameron. (foto: BBC)

Sem final feliz

Ap�s a revela��o, "houve audi�ncias no Congresso dos EUA no meio dos anos 70, e a CIA finalmente admitiu que esse programa existia, que provavelmente n�o era correto, mas fingiram inoc�ncia", conta Oneill.

 

No entanto, diz o historiador, "a CIA sabia que estava quebrando todas as leis morais, �ticas e legais ao fazer esses experimentos".

 

A maioria dos sobreviventes sofreu em sil�ncio, levando o trauma para o t�mulo.

Mas com a libera��o dos documentos, outras v�timas dos experimentos ou seus familiares puderam reconstituir os fatos.

 

"Me diagnosticaram com esquizofrenia. Descobri isso lendo meu arquivo 20 anos depois", disse � BBC Linda McDonald, que foi internada quando tinha 26 anos e sofria de depress�o.

 

"Me deram todos esses tratamentos de choque eletroconvulsivo e medagoses de drogas e LSD e tudo isso. N�o tenho mem�ria de nada disso, nem do tempo no Allan, nem nada da minha vida anterior a isso. Tudo se foi."


Mulher com capa de chuva amarela lê com microfone, em foto exibida em celular
Os afetados est�o lutando para serem ouvidos (foto: BBC)

 

Agora, alguns sobreviventes que n�o receberam desculpas formais nem compensa��es apresentaram uma demanda coletiva contra as institui��es que consideram respons�veis.

 

"Todos estavam por tr�s disso. Sabiam o que estavam fazendo. E o faziam por raz�es militares e pol�ticas", denuncia Sowchuk.

 

"Sigo tomando medicamentos pelo que me ocorreu quando tinha 16 anos", disse Ponting. "Quero que todos saibam o que ocorreu nesse horr�vel hospital".

 

Se os historiadores e sobreviventes expuseram o que se sabe do caso ao mundo, o alcance o impacto do experimento ainda s�o desconhecidos.

 

Dada a natureza altamente sens�vel do programa, dificilmente essas informa��es vir�o � luz nos pr�ximos anos.

 

*Partes desta reportagem est�o baseadas em MK-Ultra: The CIA's secret pursuit of 'mind control' da BBC Reel e em CIA mind control experiments da BBC Witness.

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