
O v�deo no Instagram mostra a imagem de um senador paraguaio arremessando �gua no rosto de um colega no meio de uma sess�o da chamada C�mara Alta, o Senado do pa�s.
No fundo toca a m�sica Rockstar, do fen�meno do trap argentino Duki: "¿Qu� qui�n me creo que soy? / El mejor al menos en estos d�as / Cada liga tiene su Jordan" ("Quem acho que sou? / O melhor, pelo menos nesses dias / Cada liga tem seu [Michael] Jordan", em tradu��o literal).
� assim que Paraguayo Cubas - ou Payo Cubas, como � conhecido -, de 61 anos, apresenta-se como candidato na disputa pela Presid�ncia do Paraguai. A elei��o acontece no pr�ximo dia 30 de abril.
As imagens do v�deo s�o de 2019, quando ele teve o mandato de senador cassado por "uso indevido de influ�ncias", depois de protagonizar cenas de agress�o f�sica, amea�as e incita��o � viol�ncia. Em um dos epis�dios, durante uma a��o policial na fazenda de um brasileiro, ele chegou a pedir a morte de 100 mil brasileiros - que ele disse ser o n�mero aproximado de brasileiros vivendo no Paraguai que seriam "bandidos".
Pol�tico veterano, Cubas se apresenta como candidato antissistema, rejeita as institui��es tradicionais da pol�tica, tem um discurso centrado na intoler�ncia, uma ret�rica de combate � corrup��o e se comunica com seus eleitores principalmente por meio das redes sociais.
Caracter�sticas como essas o aproximam de figuras como o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro - mas ele possui uma s�rie de particularidades, pontua Andrei Ramon, do instituto de pesquisas Atlas Intel.
"Existe uma certa ambiguidade em seu posicionamento pol�tico. Assim como, historicamente, o populismo latino-americano se vestiu de diversas formas, ele tamb�m tem essa tradi��o de ambiguidade do populismo do nosso continente", avalia.
"Ele tamb�m n�o tem um v�nculo com os militares, uma diferen�a central em rela��o a Bolsonaro. As For�as Armadas no Paraguai, ali�s, t�m um v�nculo enorme com os colorados", diz ele, referindo-se ao Partido Colorado, que h� anos governa o pa�s de forma quase ininterrupta. O ditador Alfredo Stroessner, no poder entre 1954 e 1989, era filiado ao partido.
Ao lado do Partido Liberal, o Colorado (conhecido tamb�m pela sigla ANR, de Asociaci�n Nacional Republicana) est� h� mais de um s�culo no centro da pol�tica paraguaia. E esta �, de certa forma, uma particularidade do pa�s. Ao contr�rio do que acontece no Brasil - e em v�rios dos pa�ses da Am�rica do Sul -, no Paraguai h� uma identifica��o forte da popula��o com partidos pol�ticos.
"Ser colorado ou ser liberal � uma identidade social. S�o partidos cl�ssicos, comunidades, quase como torcidas de futebol", diz o cientista pol�tico Marcello Lachi, coautor do livro Correligionarios, sobre as pr�ticas pol�ticas do eleitorado paraguaio.
Os filiados aos dois partidos, segundo ele, somam cerca de 75% dos quase 5 milh�es de eleitores do pa�s.
"Quando voc� faz 16, 17 anos, a fam�lia inscreve no seu partido. � uma filia��o afetiva."
N�o por acaso, os dois candidatos � frente nas pesquisas de inten��o de voto s�o das duas legendas. Santiago Pe�a concorre pelo Colorado e Efra�n Alegre, pelo Liberal. Cubas aparece com 14,5% no mais recente levantamento do Atlas, de 5 de abril, em terceiro lugar.
Um desempenho que, na avalia��o de cientistas pol�ticos ouvidos pela reportagem, de um lado reflete as particularidades da estrutura pol�tico-partid�ria do Paraguai e, de outro, pode ser sintoma de crise no sistema pol�tico e da influ�ncia cada vez maior das redes sociais na comunica��o e articula��o pol�tica.
Um cen�rio acompanhado de perto por observadores brasileiros, dada a import�ncia crescente da rela��o entre os dois vizinhos. O pr�ximo presidente paraguaio ter� de lidar com a renegocia��o do acordo da hidrel�trica de Itaipu com o Brasil e com os problemas trazidos pela atua��o de grupos brasileiros do crime organizado no pa�s.

Quem � Payo Cubas
"Ainda que jogue sozinho, Payo Cubas n�o � um outsider na pol�tica", diz o cientista pol�tico Marcos P�rez Talia, referindo-se ao curr�culo do candidato.Cubas foi deputado entre 1993 e 1998 e desde ent�o se candidatou a diversos cargos pol�ticos, de prefeito (intendente) de Ciudad del Este a governador do departamento de Alto Paran� - at� conseguir se eleger senador em 2017 pelo rec�m-criado Movimento Cruzada Nacional (hoje Partido Cruzada Nacional).
A essa altura, j� era uma figura pol�mica. Em 2016, fora detido depois de pichar a sede da promotoria de Justi�a em Ciudad del Este em uma manifesta��o contra a corrup��o e chegou a defecar na sala do juiz encarregado do caso em uma audi�ncia.
Nos meses seguintes, empreendeu o que chamou de “rallys de grafite”, em que pichava os muros das casas de autoridades supostamente envolvidas em corrup��o.
Uma vez eleito, n�o abandonou o estilo. Com frequ�ncia tirava o cinto da cal�a para bat�-lo no ch�o como um chicote ou empunh�-lo como s�mbolo de uma suposta luta contra corruptos e bandidos. Ele tamb�m agredia verbalmente os colegas no Congresso.
"No Senado, ele tentou fazer alguns acordos, mas logo quebrou com todo mundo, numa l�gica absolutamente conflitiva", diz Pedro Feli� Ribeiro, do Instituto de Rela��es Internacionais da USP.
"Ele n�o quis ou n�o soube construir pontes no Senado e, depois de algumas escaramu�as, foi expulso do Congresso e perdeu o mandato", acrescenta Talia.
Aglutinador de insatisfeitos
Apesar de isolado politicamente e de n�o ter efetivamente um programa de governo, Cubas aparece em terceiro lugar na pesquisa da Atlas, com 14,5% da prefer�ncia dos eleitores.
Essa parcela, segundo Roman, concentra homens jovens e com renda abaixo da m�dia, p�blico que se demonstra mais receptivo � ret�rica do candidato - um "discurso improvisado", mas que muitas vezes acaba entrando "em sintonia com um desejo de mudan�a entre setores da sociedade que se sentem marginalizados, que sentem que o sistema pol�tico no pa�s favorece os segmentos mais privilegiados".
Dentro do universo de insatisfeitos que o candidato parece aglutinar, o cientista pol�tico Marcos P�rez Talia destaca dois grupos: aqueles decepcionados com as legendas nas quais tradicionalmente votavam e os desencantados com a pol�tica.
Ainda que a identifica��o com os partidos pol�ticos permane�a como um tra�o da sociedade paraguaia, h� um descontentamento crescente em rela��o � pol�tica tradicional, sentimento que � alimentado por den�ncias de corrup��o em diversas esferas da pol�tica, inclusive no alto escal�o do governo.
O atual presidente, Mario Abdo Ben�tez, que � do Partido Colorado, tem um n�vel de rejei��o alto e quase sofreu impeachment em 2021. Seu antecessor e correligion�rio, Hor�cio Cartes, foi colocado em uma lista de corruptos elaborada pelo governo americano e virou r�u em um dos desdobramentos da Opera��o Lava Jato no Brasil por suspeita de ter ajudado na fuga do doleiro Dar�o Messer.
"Segundo a pesquisa da Atlas, o Partido Colorado tem por volta de 36% [das inten��es de voto], quando em 2013 e 2018 superou 45%. Com a feroz crise interna e externa da qual padece a sigla, Payo Cubas tamb�m pode estar capitalizando o descontente colorado que n�o quer votar em Santiago Pe�a", diz Talia.
Em outra frente, acrescenta, ele "tamb�m pode estar ativando melhor o eleitorado antissistema e o voto de protesto".
"Nas �ltimas elei��es gerais, em 2018, apenas 62% dos eleitores compareceram �s urnas. Talvez [sua inten��o de voto] se alimente da�", conclui.
Pedro Feli� Ribeiro, da USP, observa que h� alguns anos a insatisfa��o popular que se manifesta entre setores da sociedade paraguaia transborda para as ruas. Foi o caso, ele diz, dos protestos de estudantes secundaristas em 2016 - que resultaram na ren�ncia da ent�o ministra da Educa��o, e, no ano seguinte, na invas�o e inc�ndio do Congresso em protesto contra uma emenda constitucional que previa instaurar a reelei��o presidencial.
"H� um enorme descontentamento social", comenta.

As redes sociais
Alijado da estrutura pol�tico-partid�ria, Payo Cubas usa as redes sociais como instrumento preferencial para se comunicar com seu eleitorado.
"Por uma quest�o de radicalismo, por ter chegado em situa��es muito extremas em alguns casos, com instala��o de discursos de �dio, ataque pol�tico, nos �ltimos tempos ele foi marginalizado do debate p�blico midi�tico e acabou encontrando uma via bastante livre nas redes sociais", diz Leonardo G�mez Berniga, advogado e membro da Tedic, organiza��o dedicada a defender e promover direitos humanos nos meios digitais.
Ele acrescenta que o discurso mais radical, os conte�dos que despertam polariza��o, os ataques de �dio e as informa��es tendenciosas - que por uma s�rie de raz�es acabam gerando engajamento e tendo grande alcance nas redes sociais - t�m estado mais presente nas plataformas de diversos candidatos paraguaios, mas particularmente de Cubas.
E, ainda que o acesso � internet seja limitado no pa�s, que tem uma grande parcela da popula��o entre pobres e vulner�veis, redes como WhatsApp e Facebook acabam tendo uma grande penetra��o porque t�m muitas vezes o uso gratuito dentro dos pacotes de dados vendidos pelas operadoras de celular.
Nesse contexto, para Berniga, h� hoje uma lacuna da legisla��o eleitoral paraguaia em rela��o �s redes sociais e uma grande necessidade de discuss�o sobre gastos de pol�ticos nas plataformas, mecanismos de controle e de transpar�ncia.

Os limites
Ainda que Cubas, segundo indicam as pesquisas, possa estar capitalizando parte da insatisfa��o do eleitorado, seu desempenho ainda � muito modesto quando comparado aos l�deres Santiago Pe�a e Efra�n Alegre, que t�m 36,4% e 38,1% das inten��es de voto, respectivamente, conforme o levantamento do Atlas Intel, empatados dentro da margem de erro que � de dois pontos percentuais.
Uma das raz�es colocadas pelos especialistas � o fen�meno da identifica��o partid�ria, que � muito forte no Paraguai.
E a maneira como o Partido Colorado se estruturou e cresceu com o passar das d�cadas, aglutinando grupos de diferentes matizes ideol�gicas, contribui para a manuten��o, em alguma medida, dessa identifica��o, afirma Andrei Roman.
Um exemplo ilustrativo, ele diz, aconteceu durante as elei��es prim�rias da sigla, quando os pol�ticos que postularam a vaga de candidato � presid�ncia pelo partido tentaram se posicionar como alternativas de mudan�a ao atual presidente, Mario Abdo Ben�tez.
Santiago Pe�a � aliado de Horacio Cartes, que, apesar de ser correligion�rio de Ben�tez, se tornou uma esp�cie de desafeto pol�tico do atual presidente.
"Existe um discurso de renova��o pol�tica por dentro do Partido Colorado."
"Mesmo que isso tenha certos limites no quanto voc� consegue articular um discurso de mudan�a sendo do mesmo partido que o atual mandat�rio", ressalva.
Outro fator relevante que limita o potencial de crescimento do candidato, e que pode reduzir significativamente seus votos nas urnas no dia 30, � o fato de que n�o h� segundo turno na disputa para presidente no Paraguai - quem tem o maior n�mero de votos vence o pleito, independentemente do percentual.
Nesse contexto, o voto �til pode mudar muito o retrato trazido pelas pesquisas no decorrer da disputa.
Caso os eleitores descontentes com o Partido Colorado, que governa o pa�s, acreditem que o opositor Efra�n Alegre tem chances reais de derrot�-lo, por exemplo, podem migrar seus votos para o candidato, ainda que n�o tivessem prefer�ncia por ele inicialmente.
Na vis�o de Lachi, � muito dif�cil quebrar a hegemonia dos dois principais partidos do pa�s - o que torna as chances de qualquer candidato fora desse eixo ganhar as elei��es algo muito pouco prov�vel.
Talia concorda. Ele afirma que os partidos tradicionais paraguaios n�o est�o em crise como outras siglas na regi�o e ainda t�m um enraizamento forte no eleitorado.
"Por isso, uma candidatura fora das organiza��es partid�rias, como a de Payo, n�o tem chance de competir com sucesso diante das de Santiago Pe�a e Efra�n Alegre."