
A Folha esteve na Cidade de Gaza em 2014, ano de outro conflito com os israelenses, e foi � casa de Umm Abdo ("m�e do Abdo", em �rabe), como ela se apresentou na ocasi�o.
Pediu que seu nome fosse mantido em sigilo e n�o aceitou ser fotografada. Said, o ent�o marido, avisou a este rep�rter, logo de cara: n�o tente apertar a m�o dela.
Abd al-Fattah Dukhan, o ex-sogro de Umm Abdo, tamb�m estava na casa durante a visita. Sentado em uma cadeira de pl�stico, falou pouco com a reportagem. S� disse que sua fac��o jamais mudaria. Dukhan foi um dos respons�veis pela Primeira Intifada --revolta popular palestina contra Israel, de 1987 a 1993.
Sua morte foi noticiada por alguns ve�culos �rabes e pelo canal p�blico de TV israelense Kan 11. A vers�o de Israel � a de que um ataque a�reo teria matado, al�m dele, dois de seus filhos --� incerto se Said era um deles. Um comunicado do Hamas noticiou apenas o fato, sem dar detalhes. A fac��o se referiu a ele como "grande l�der" e "vener�vel xeque". Mencionou, ainda, seu filho Tariq, morto em 1992. Membro da Brigada Izz al-Din al-Qassam, bra�o armado do Hamas que planejou os ataques terroristas do dia 7, Tariq � considerado um m�rtir dentro da organiza��o.Hoje com 38 ou 39 anos, a catarinense Umm Abdo cresceu no Rio Grande do Sul. Foi criada em uma fam�lia cat�lica, mas nunca se identificou com a f� crist�. Na conversa com a reportagem h� nove anos, contou que, um dia, aos 7, abriu um livro na biblioteca da escola e leu sobre o conflito �rabe-israelense. Descobriu o isl� em uma nota de rodap� e sentiu alguma coisa de diferente. Decidiu que era mu�ulmana.
Mudou-se para Bras�lia, onde disse ter come�ado a frequentar uma mesquita, aos 15. Converteu-se aos 18. Foi quando conheceu pela internet Said Dukhan. N�o est� claro se ela sabia, naquele momento, de quem o pretendente era filho e da liga��o com o Hamas.
Em 2022, a vida de Umm Abdo come�ou a mudar. Separou-se de Said, com quem teve ao menos quatro filhos --estava gr�vida do quinto, em 2014-- e foi acolhida por uma organiza��o de caridade ap�s anos de agress�es do marido dentro de casa.
Ela tinha, agora, a possibilidade de ir embora. O Itamaraty alugou um �nibus para retirar um grupo de brasileiros de Gaza e tem prestado assist�ncia. Umm Abdo decidiu, no entanto, que vai seguir no territ�rio palestino sitiado.
A pequena comunidade brasileira local, de cerca de 30 pessoas, tem falado com a imprensa com regularidade nos �ltimos dias. Compartilha v�deos, fotografias e �udios relatando as condi��es de vida sob cerco e ataque. Umm Abdo, por�m, continua nas sombras, sem dar not�cias. Ela n�o respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Quando viajou ao Egito, em 2005, cruzou o deserto do Sinai e entrou em Gaza pela mesma passagem de Rafah por onde os brasileiros agora desejam sair para serem resgatados. A espera deles j� dura quase duas semanas, ainda sem perspectiva de quando os eg�pcios abrir�o o posto de controle para o fluxo de pessoas --Cairo e Tel Aviv negociam um corredor humanit�rio, mas ainda s� para a entrada de mantimentos em Gaza.
A convic��o de Umm Abdo de permanecer em Gaza n�o vem de hoje. H� nove anos, afirmou que a liberta��o da Palestina dependia da resist�ncia de seus habitantes. Mais uma guerra veio, mas � prov�vel que ela mantenha as palavras de 2014. "N�o h� lugar melhor no mundo para morar. Mesmo com todas as dificuldades e os massacres, sou apaixonada e vou morrer apaixonada."