(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas POL�TICA

Elei��es argentinas: quando come�ou a derrocada econ�mica da Argentina - e qu�o rica ela j� foi?

O candidato que lidera inten��es de voto, Javier Milei, prometeu transformar mais uma vez a Argentina em 'uma pot�ncia mundial'


21/10/2023 14:47 - atualizado 21/10/2023 17:41
436

Foto mostrando o obelisco e a avenida 9 de Julio em Buenos Aires
Buenos Aires foi apelidada de %u201CParis da Am�rica do Sul%u201D no in�cio do s�culo XX (foto: getty images)

“A Argentina come�ou o s�culo 20 como o pa�s mais rico do mundo e hoje tem 40% de pobres e 10% de indigentes.”

Esta frase, repetida diversas vezes durante a campanha presidencial pelo economista “libert�rio” Javier Milei – que lidera as pesquisas para as elei��es deste domingo (22/10) – reproduz um conceito que est� impregnado no subconsciente dos argentinos: esta na��o, submersa h� d�cadas em sucessivas crises econ�micas, j� soube ser uma superpot�ncia.

V�rios apelidos remetem a esse passado glorioso. O mais famoso � “celeiro do mundo”, uma refer�ncia ao poderoso modelo agroexportador que enriqueceu a Argentina h� um s�culo e hoje continua a ser o seu principal suporte econ�mico.

H� tamb�m “a Paris da Am�rica do Sul”, uma alus�o � arquitetura de estilo europeu da capital argentina, hoje em desarmonia com a realidade de um pa�s onde 56% das crian�as s�o pobres.

Essas frases nost�lgicas s�o lembran�as de uma �poca de ouro que muitos no pa�s idealizam. E que alguns pol�ticos, como Milei, prometem resgatar.




“A Argentina pode voltar a ser uma pot�ncia mundial”, afirma repetidamente o economista ultraliberal.

“Se aplicarmos todas as reformas pr�-mercado, nos primeiros 15 anos poderemos parecer com a It�lia ou a Fran�a; em 20 anos como a Alemanha; em 35 anos como os Estados Unidos”, diz ele.

Ele n�o � o primeiro pol�tico a entusiasmar eleitores com promessas de volta a esse passado pr�spero.

O ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) – cujo campo pol�tico � representado nestas elei��es pela candidata Patricia Bullrich – prop�s na �poca transformar a Argentina numa “nova Austr�lia”, um pa�s que na primeira parte do s�culo XX teve uma trajet�ria econ�mica semelhante � Argentina, mas que conseguiu se manter no caminho do desenvolvimento, algo que muitos argentinos tomam como exemplo do que sua na��o deveria ter feito.

Mas ser� que a Argentina era realmente o pa�s mais rico do mundo?

E como passou de uma das na��es mais pr�speras a um dos pa�ses com a maior infla��o do planeta?


Uma mão entregando notas de 1.000 e 500 pesos argentinos para outra
A Argentina tem infla��o anual de 138% e eliminou 13 zeros de sua moeda no �ltimo meio s�culo (foto: getty images)

N�mero 1?

Comparar a riqueza de diferentes pa�ses � tarefa complexa, mas a maioria dos especialistas considera que a melhor forma de faz�-lo � medir o Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita, ou PIBpc).

Dado que o PIB dos pa�ses perif�ricos, como a Argentina, s� come�ou a ser medido oficialmente em meados do s�culo XX, informa��es anteriores a esse per�odo devem ser vistas com cautela.

No entanto, economistas de v�rias ideologias concordam que a fonte mais confi�vel � a base de dados do Projeto Maddison, que usa diferentes estat�sticas econ�micas hist�ricas para estimar o PIBpc no passado.

Em 2018, esta s�rie estat�stica - criada pelo economista brit�nico Angus Maddison e mantida, at� hoje, pela Universidade de Groningen, na Holanda - estimou que a Argentina foi o pa�s mais rico do mundo em 1896, e que permaneceu entre os mais ricos nas primeiras d�cadas do s�culo XX.

No entanto, a metodologia utilizada foi questionada por muitos historiadores econ�micos, levando � publica��o de uma nova s�rie estat�stica em 2020 que tirou o trof�u de n�mero 1 do pa�s sul-americano, relegando-o para o sexto lugar em 1896.

De qualquer forma, esta edi��o – que ainda � a mais atual – confirma que a Argentina come�ou o s�culo XX como uma das na��es mais ricas do mundo, uma prosperidade que a levou a estar no “top 10” das na��es ricas at� a Primeira Guerra Mundial (1914-18).

A partir da�, o pa�s declinaria at� atingir o atual 66º lugar.

Qu�o rica foi a Argentina?

Em 1913, antes do in�cio da Primeira Guerra, o PIBpc da Argentina era de US$ 6.052 (a pre�os em d�lares de 2011), segundo c�lculos do Projeto Maddison.

Isso era menos que o PIBpc dos Estados Unidos (US$ 10.108), do Reino Unido (US$ 8.212) e da Austr�lia (US$ 8.220).

Mas era o dobro da Espanha (US$ 3.067), da qual se tornou independente h� quase um s�culo, e superior � da Alemanha (US$ 5.815), da Fran�a (US$ 5.555) e da It�lia (US$ 4.057), entre outras na��es europeias.

Foi tamb�m muito superior ao rendimento dos pa�ses asi�ticos que hoje dominam a economia, como a China (US$ 985) e o Jap�o (US$ 2.431).

E este n�o era um fen�meno regional, como mostram os �ndices dos seus vizinhos e de outros pa�ses latino-americanos como o Uruguai (US$ 4.838 ), o Chile (US$ 4.836), o M�xico (US$ 2.004) e o Brasil (US$ 1.046).

Ent�o, quando foi que a Argentina come�ou a perder seu lugar privilegiado no mundo e por qu�?

"100 anos de decad�ncia"

Se observarmos como o PIB por habitante evoluiu no mundo no s�culo passado, veremos que a posi��o da Argentina no ranking mundial tem ca�do constantemente ao longo dos �ltimos cem anos.

Embora a riqueza de todos os pa�ses – incluindo a Argentina – tenha aumentado ao longo do tempo, a na��o sul-americana come�ou o s�culo XX com a renda de um pa�s rico e aos poucos foi ficando cada vez mais relegada na tabela internacional.

Muitos chamam o fen�meno de “os 100 anos de decl�nio argentino” e afirmam que este � o �nico exemplo no mundo de um pa�s que passou de desenvolvido a em desenvolvimento.

Alguns at� usam o caso argentino para ensinar o que n�o fazer.

Isto foi feito pela revista brit�nica The Economist, que em 2014 publicou uma famosa reportagem de capa intitulada “A Par�bola da Argentina”, na qual explicava “o que outros pa�ses podem aprender com um s�culo de decl�nio”.


Capa da revista Economist
(foto: The Economist)

O artigo apontava claramente um culpado pela queda: o peronismo, o movimento pol�tico fundado por Juan Domingo Per�n e sua esposa, Eva Duarte (a famosa "Evita"), que desde 1946 foi principal for�a a governar a Argentina.

Segundo a revista, o peronismo gerou “uma sucess�o de populistas economicamente analfabetos” que levaram a Argentina “� ru�na”.

Esta � uma opini�o amplamente difundida entre setores liberais do pa�s sul-americano.

Mas ser� verdade?

O peronismo

O economista Fausto Spotorno � vice-presidente da Funda��o Norte e Sul, dedicada a quest�es de desenvolvimento, e compilou as estat�sticas econ�micas da Argentina desde sua funda��o em 1810 at� 2018.

Spotorno disse � BBC Mundo, o servi�o em espanhol da BBC, que “os dados mostram que o crescimento econ�mico argentino come�ou a desacelerar a partir de 1930”, quando o pa�s sofreu um duplo golpe: os impactos da crise internacional, devido � quebra da bolsa de Wall Street, e seu primeiro golpe de Estado militar.

No entanto, ele observou: “Fica claro pelos n�meros que as coisas come�aram a ficar complicadas depois do peronismo”.

“A Argentina se assemelhava a uma economia desenvolvida, em termos de padr�o de vida, renda per capita e taxa de crescimento, at� 1946”, explicou. Ou seja: at� a chegada de Per�n.


Juan Domingo Perón e sua primeira esposa, 'Evita'
Juan Domingo Per�n e sua primeira esposa, "Evita", fundaram um movimento popular que governou durante 40 dos �ltimos 78 anos. (foto: getty images)

“� a� que a infla��o come�a a aparecer”, disse ele, referindo-se ao problema mais persistente enfrentado pela Argentina.

Embora o pa�s j� tivesse tido aumentos de pre�os antes, esclareceu, a partir desse momento eles subiram para al�m de 20% pela primeira vez.

E por que a infla��o come�ou a subir?

“Porque os gastos aumentaram muito”, explicou o economista, que destacou que “a Argentina tinha gastos p�blicos de 8,5% do PIB e na segunda metade da d�cada de 1940 e isso aumentou para 12%”.

No entanto, Spotorno esclareceu que muitos dos problemas que Per�n enfrentou surgiram antes da sua chegada e foram agravados pelo contexto internacional desfavor�vel que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe.

Os pa�ses europeus para os quais a Argentina exportava produtos de sua agricultura atrasaram pagamentos, afirmou. E o pa�s, que durante d�cadas teve um super�vit prim�rio - isto �, mais receitas do que despesas - "come�ou a ter um deficit na d�cada de 1940".

Este rombo n�o poderia ser resolvido – como fizeram os governos anteriores – com empr�stimos externos, tamb�m por causa da guerra, disse o especialista.

Mas estas limita��es n�o frearam Per�n, que, apesar do contexto, aumentou drasticamente os gastos sociais.

“A Argentina aumentou as despesas sem poder financi�-las”, disse Spotorno.

“Per�n nacionalizou o Banco Central para poder imprimir dinheiro, o que desencadeou a infla��o.”


Impressão de notas de 500 pesos na Casa da Moeda argentina
Segundo economistas ortodoxos, o persistente problema de infla��o da Argentina est� relacionado com a emiss�o de notas para cobrir o deficit fiscal. (foto: getty images)

Esse problema (gastar mais do que se tem) foi piorando a cada governo posterior, explicou o economista.

E as solu��es adotadas por todos - seja emitindo mais dinheiro ou solicitando mais empr�stimos - foram o que levou a Argentina a se tornar um dos pa�ses com mais infla��o e mais incumprimentos (ou cessa��o de pagamentos de d�vidas - os famosos calotes) do mundo.

Os militares

Mas muitos tamb�m dizem que seria injusto dizer que a Argentina “perdeu o rumo” por causa do peronismo.

Afinal, as pot�ncias com as quais o pa�s conviveu no in�cio do s�culo se beneficiaram pelo Plano Marshall, que depois da Segunda Guerra lhes permitiu regressar ao caminho do desenvolvimento.

Em contraposi��o, a Argentina, que demorou a declarar guerra � Alemanha e ao Jap�o, foi exclu�da dos mercados europeus.

Quanto � infla��o, economistas lembram que Per�n conseguiu reduzi-la para menos de 4% antes de ser derrubado por um golpe de Estado em 1955.

E observam que, depois desse acontecimento, o peronismo foi banido por mais de 18 anos.

Acad�micos como Eugenio D�az Bonilla, economista e professor da Universidade George Washington, destacam que se compararmos a trajet�ria econ�mica da Argentina com a da Austr�lia - que sofreu os mesmos ataques internacionais e n�o foi inclu�da no Plano Marshall - pode-se perceber que o verdadeiro colapso do pa�s sul-americano n�o teria ocorrido com a ascens�o do peronismo, mas d�cadas depois, com a chegada do �ltimo regime militar, que aplicou pol�ticas neoliberais.

“Se compararmos os dois pa�ses tomando como refer�ncia a dist�ncia em rela��o � renda per capita dos Estados Unidos, vemos que a rela��o permanece entre 1900 e 1975. A mudan�a ocorreu com o golpe de 1976”, disse D�az Bonilla � BBC Mundo ap�s a pol�mica gerada pela revista The Economist.


Emilio Massera (esq), Jorge Rafael Videla e Orlando Ramon Agosti, líderes da Junta militar que tomou o poder argentino em 24 de março de 1976
Muitos acad�micos sustentam que o verdadeiro desastre econ�mico ocorreu com o regime militar, h� 40 anos. (foto: getty images)

O historiador argentino Ezequiel Adamovsky concluiu o mesmo.

“Nos trinta anos ap�s 1945, a Argentina dobrou sua renda per capita e expandiu seu PIB a taxas superiores �s dos Estados Unidos e tamb�m �s do Reino Unido, Austr�lia ou Nova Zel�ndia (embora tenha sido superada pelos de alguns pa�ses europeus)", observou numa coluna de opini�o no jornal El Diario AR.

“Com todos os seus problemas, a economia argentina crescia a um ritmo mais r�pido do que o das principais pot�ncias ocidentais”, observou.

“S� em 1975 � que a economia local sofreu um decl�nio abrupto e perdeu terreno em compara��o n�o s� com os pa�ses mais avan�ados, mas praticamente com o mundo inteiro. Desde 1975, sim, pode-se dizer que o pa�s sofreu um decl�nio”, escreveu ele, em refer�ncia a um per�odo marcado pela crise de hiperinfla��o.

Um problema de base

Mas h� algo com que analistas de v�rias ideologias concordam: para al�m das falhas de governos espec�ficos, o problema subjacente que afetou a Argentina � uma instabilidade institucional que levou a seis golpes de Estado no s�culo XX.

Neste ano, o pa�s est� comemorando, pela primeira vez, 40 anos ininterruptos de democracia.

Uma pesquisa conduzida pelo professor de economia da Universidade de Liubliana, Rok Spruk, destacou que esta fraqueza existe desde o in�cio.

“Em compara��o com EUA, Canad� e Austr�lia, a Argentina nunca completou a transi��o para uma democracia aberta sustentada pelo Estado Democr�tico de Direito”, escreveu Rok num artigo intitulado “The Rise and Fall of Argentina” (A ascens�o e queda da Argentina, em tradu��o direta), publicado em 2019 na revista Latin American Economic Review.

“Quando os militares quebraram formalmente a ordem constitucional em 1930, a Argentina embarcou no caminho do desenvolvimento institucional inst�vel e das frequentes transi��es de idas e vindas entre ditadura e democracia.”

“Em vez de embarcar no caminho do desenvolvimento institucional sustentado, a Argentina sofreu uma fraude eleitoral tumultuada com uma quase eros�o do sistema de freios e contrapesos que precipitou a ascens�o de l�deres populistas”.


Um quebra-cabeça da Argentina com peças separadas
A fraqueza institucional da democracia argentina causou muitas rupturas durante o s�culo passado (foto: getty images)

Spotorno diz que esta instabilidade democr�tica fez com que a Argentina perdesse a atratividade que tinha no final do s�culo XIX e in�cio do XX.

“Se h� um golpe de Estado volta e meia e as institui��es s�o violadas, obviamente os investimentos come�am a bambear”, disse ele.

Para o economista, a Argentina come�ou a sofrer um decl�nio “quando duas coisas deixaram de ser respeitadas: as institui��es e a rela��o b�sica entre receitas e despesas do Estado”.

“A falta de institui��es permitiu que os governos procurassem sempre atalhos, em vez de fazerem as coisas direito, e isso culminou em sucessivas crises fiscais.”

“O pa�s viveu um momento de ordem, entre 1860 e 1930, onde todos estavam concentrados no mesmo lado”, resume. "Depois disso, tudo se resumia a encontrar atalhos e gastos excessivos."

Como um p�ndulo

H� outro fator que v�rios especialistas destacam e que ajuda a compreender a dificuldade que a Argentina teve em decolar economicamente no �ltimo s�culo.

O pa�s n�o tem sido apenas um p�ndulo pol�tico, oscilando entre democracias e governos autorit�rios.

Tamb�m tem ido e vindo com as suas pol�ticas econ�micas, saltando - sem parar - do nacionalismo ao neoliberalismo, do proteccionismo ao mercado livre, da ortodoxia � heterodoxia... em um vaiv�m intermin�vel que ocorreu mesmo em diferentes governos do mesmo partido.

As pesquisadoras Valeria Arza e Wendy Brau, do Centro de Pesquisas da Transforma��o (Cenit), analisaram em 2021 “o p�ndulo argentino em n�meros” – ou seja, quantas vezes a pol�tica econ�mica oscilou – e constataram que nas seis d�cadas entre 1955 e 2018 houve houve mais de 30 mudan�as de rumo, das quais 16 foram “mudan�as radicais”.

Tamb�m revelaram outras evid�ncias da falta de continuidade da pol�tica econ�mica argentina: “em m�dia, os ministros da economia duraram 13 meses no cargo” durante esse per�odo.

“A caracter�stica dominante da pol�tica econ�mica � a oscila��o extrema”, resumiu Adamovsky na revista Anfibia.

Poucos exemplos desta caracter�stica podem ser t�o claros quanto as diferentes no��es sobre o papel do Estado na economia que defendem os tr�s candidatos com mais chances de vit�ria no pr�ximo domingo.

Sergio Massa, terceiro ministro da Economia do atual governo peronista, concorre � presid�ncia com promessas de manter um Estado forte, enquanto Patricia Bullrich promete encolh�-lo e Javier Milei amea�a destru�-lo.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)