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Estado de Minas PRESIDENTE CONTESTADO

Crise da pandemia no Brasil est� mais profunda por causa de Bolsonaro, diz Jeffrey Sachs

Para economista americano, considerado um dos pensadores mais influentes do mundo, postura do presidente brasileiro agrava a crise que o pa�s j� vivia antes da pandemia


postado em 24/05/2020 06:25 / atualizado em 24/05/2020 10:43


Para economista americano, postura do presidente brasileiro agrava a crise que o país já vivia antes da pandemia(foto: Getty Images)
Para economista americano, postura do presidente brasileiro agrava a crise que o pa�s j� vivia antes da pandemia (foto: Getty Images)

Quando Jeffrey Sachs publicou em 2005 seu livro O Fim da Pobreza, alguns o consideraram muito otimista por crer ser poss�vel erradicar a indig�ncia da face da Terra.

Mas agora, no meio de uma das piores pandemias e crises econ�micas globais em v�rias d�cadas, o otimismo desse renomado especialista em desenvolvimento sustent�vel da Universidade de Columbia (EUA) e da ONU � dif�cil de perceber.

"Esta pandemia � extraordinariamente grave", disse Sachs em uma entrevista exclusiva � BBC News Mundo, o servi�o em espanhol da BBC.

"Ela vai empurrar centenas de milh�es de pessoas para a pobreza."

Para ele, agora provavelmente "est� perdido" o objetivo de eliminar a pobreza extrema global at� 2030, estabelecida nos Objetivos de Desenvolvimento Sustent�vel da ONU, que ele pr�prio estimulou.

Sachs, que tem sido apontado por diferentes publica��es como um dos l�deres ou economistas mais influentes do mundo, critica a resposta do presidente dos EUA, Donald Trump, � crise da covid-19 e o que v� como uma tentativa de criar uma Guerra Fria com a China.

Mas tamb�m critica as pol�ticas de presidentes latino-americanos, como o mexicano Andr�s Manuel L�pez Obrador ou o brasileiro Jair Bolsonaro, considera prov�vel que a Argentina descumpra o pagamento de sua d�vida e descreve "o pior cen�rio que veremos na regi�o em muito tempo".

O que segue � uma s�ntese do di�logo por Zoom com Sachs, que apoiou a pr�-candidatura presidencial — hoje abandonada — do senador Bernie Sanders nos EUA e se prepara para publicar um novo livro sobre "As eras de globaliza��o".

BBC - Qual a sua maior preocupa��o neste momento em termos econ�micos?

Jeffrey Sachs - Agora, economia � sa�de p�blica. Se se controla esta pandemia, se restaura a vida cotidiana e econ�mica.

Se a pandemia n�o for controlada e seguimos propagando o v�rus ao redor do mundo, isso afetar� muito os pa�ses pobres e os pa�ses de rendas m�dias, os impactos econ�micos durar�o anos e ser�o muito graves.

Se esses impactos econ�micos muito graves conduzem a uma crise financeira, o que � uma possibilidade real porque muitos pa�ses correm o risco de n�o poder pagar suas d�vidas internacionais ou enfrentam uma desestabiliza��o financeira muito importante em suas economias, isso multiplicar� os efeitos.

Se temos uma crise financeira, uma crise de sa�de p�blica e uma crise geopol�tica, teremos outra era de Grande Depress�o.

Muitas coisas podem ficar ruins neste momento.


Sachs critica a postura de lideranças latino-americanas como Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador, presidente do México, diante da pandemia(foto: Getty Images)
Sachs critica a postura de lideran�as latino-americanas como Bolsonaro e Andr�s Manuel L�pez Obrador, presidente do M�xico, diante da pandemia (foto: Getty Images)

H� uma maneira de fazer com que as coisas melhores, mas n�o estamos seguindo essa trajet�ria porque a qualidade da lideran�a em muitos pa�ses, come�ando pelos EUA, � t�o ruim que estamos tendo resultados muito ruins quando poder�amos estar muito melhores.

E, lamentavelmente, a perspectiva � de resultados ainda piores no futuro. Temos uma lideran�a terr�vel nos EUA, uma lideran�a miser�vel no Brasil, uma lideran�a ruim para esta crise no M�xico. Muitas economias emergentes est�o come�ando a se ver muito afetadas, e tudo isso poderia levar a um desastre crescente.

No curto prazo, h� muita dor econ�mica junto com as mortes e os confinamentos.

Mas estamos bem no momento em que ou fazemos uma boa sa�de p�blica ou enfrentaremos transtornos econ�micos que durar�o anos. E temo que estejamos indo mais na dire��o do �ltimo.

BBC - A pandemia est� aumentando a diferen�a entre ricos e pobres em um mundo que j� era bastante desigual?

Sachs - Temos de estar muito preparados para o grande aumento da fome nos pa�ses pobres.

O sistema internacional n�o � muito generoso nem voltado a grandes resgates, embora tenham sido dados alguns passos not�veis recentemente, como a morat�ria no servi�o de d�vida dos pa�ses pobres com credores oficiais no Clube de Paris. Isso foi muito bom.

Para os pa�ses pobres, crise significa indig�ncia. Para pa�ses de rendas m�dias ou ricos, significa dor. Inclusive nos EUA, pela debilidade da nossa rede de seguran�a social, ser� desesperador para muita gente.

Nossa taxa de desemprego � de 20%, mais ou menos. S� metade da popula��o adulta tem um emprego neste momento, � absolutamente impactante. Ent�o, h� dor inclusive nos pa�ses ricos. Mas, nos pa�ses pobres, a margem pode ser tornar rapidamente desesperadora.


Apesar do crescimento exponencial de casos de covid-19 no México, país se prepara para relaxar medidas de confinamento(foto: Getty Images)
Apesar do crescimento exponencial de casos de covid-19 no M�xico, pa�s se prepara para relaxar medidas de confinamento (foto: Getty Images)

Ainda n�o vimos exatamente isso, mas estamos na etapa inicial desta epidemia. Tamb�m temos muitos pa�ses em desenvolvimento onde a doen�a est� surgindo. O Brasil � um, o Equador, outro, M�xico, provavelmente outro.

Os dados s�o terr�veis. Os dados oficiais deixam entrever apenas uma pequena parte da realidade neste momento. Os informes recentes sobre o excesso de mortes mostram que, em alguns pa�ses, as mortes oficiais registradas por covid-19 s�o talvez uma d�cima parte ou um quarto do que aparece como excesso de mortalidade.

Ent�o, estamos n�o s� numa fase inicial e dram�tica, mas tamb�m estamos vendo com precis�o o panorama do que ocorre nesta etapa.

BBC - A Am�rica Latina avan�ou na redu��o da pobreza nos primeiros anos deste s�culo, mas a tend�ncia se reverteu com o fim do boom das mat�rias primas, e agora a regi�o enfrenta esta crise. H� um risco de que desapare�a a nova classe m�dia que surgiu na Am�rica Latina?

Sachs - A �nica not�cia positiva para grande parte da Am�rica Latina � que ela tem regi�es produtoras de alimentos. Portanto, deveria haver comida em muitos pa�ses e na regi�o.

Mas pense em quantos pa�ses est�o muito afetados neste momento.

O Brasil est� t�o desastrosamente governado que j� estava em crise, mas com Bolsonaro est� se transformando numa crise ainda mais profunda porque o governo federal �, como nos EUA, incoerente e d� pouca ajuda para deter a epidemia al�m do que fazem os governadores estaduais.

Sabemos que o Equador e o Peru enfrentam um forte impacto da epidemia.

� prov�vel que no M�xico aconte�a o mesmo porque AMLO (como � conhecido o presidente Andr�s Manuel L�pez Obrador) tem estado basicamente em nega��o, como Trump e Bolsonaro.


Economista vê semelhanças entre o cenário atual e o da década de 1930, quando o mundo viveu um grande período de crise(foto: Getty Images)
Economista v� semelhan�as entre o cen�rio atual e o da d�cada de 1930, quando o mundo viveu um grande per�odo de crise (foto: Getty Images)

O M�xico j� se encontra numa crise terr�vel porque o presidente depositou de maneira inexplic�vel e incompetente todas as fichas na Pemex (Petr�leos Mexicanos, uma empresa estatal), justo quando o mercado petroleiro desaba.

E o M�xico n�o tinha por que decidir dobrar os investimentos da Pemex. Foi um desperd�cio completo de recursos nacionais.

A Argentina tem estado em crise, claro. � prov�vel que se produza um descumprimento dos pagamentos (de d�vida) porque, se bem que na minha opini�o ela fez uma oferta muito profissional e acertada aos credores sobre como evitar o default, os credores n�o s�o muito inteligentes para evitar sua pr�pria quebra. Portanto, � prov�vel que vejamos um descumprimento de pagamentos.

E embora isso talvez seja o melhor que a Argentina possa fazer por ela mesma, n�o � um bom panorama.

A Venezuela tem estado sob agress�o total dos EUA, ao ponto de terem sido enviados mercen�rios para matar ou sequestrar o presidente.

O Chile, o lugar mais est�vel e mais bem governado da regi�o, se incendiou no ano passado com os protestos por causa da crescente desigualdade. Isso foi antes da covid-19.

� o pior cen�rio que vimos na regi�o em muito tempo.

E, dada a completa falta de coopera��o internacional e a incapacidade absoluta do governo Trump de fazer algo construtivo em qualquer frente, quer seja a dom�stica ou a internacional, n�o se pode ser demasiado otimista sobre o cen�rio latino-americano neste momento.

� em quase todas as partes um panorama bastante sombrio de uma regi�o muito afetada, onde a crise se aprofundar�. Quisera eu poder ser mais otimista, mas neste momento � dif�cil ver pontos positivos.

BBC - E o que diz do fato de que haja talvez milh�es de pessoas passando fome no pa�s mais rico do mundo, ou que os latinos e afroamericanos sejam os mais afetados pela covid-19?

Sachs - A primeira regra � n�o ter um psicopata como presidente. Temos o pior presidente da hist�ria dos EUA.

Isso j� era �bvio para os que observam de perto nos �ltimos tr�s anos. Mas este homem � absolutamente venal, narcisista, ignorante e infelizmente se colocou no caminho da m�nima sanidade na resposta a esta crise.

Por isso, os EUA t�m mais de 80 mil mortos, um colapso completo dos nossos sistemas de sa�de p�blica e uma incapacidade absoluta neste pa�s rico e poderoso, cheio de talento, para fazer o m�nimo: obter m�scaras faciais, rastrear contatos (de pessoas infectadas). N�o fazemos o b�sico nos EUA.


Coletivas de imprensa do presidente americano têm sido fontes constantes de polêmicas(foto: Getty Images)
Coletivas de imprensa do presidente americano t�m sido fontes constantes de pol�micas (foto: Getty Images)

E, depois, (houve) a ideia brilhante deste homem foi deixar de financiar a OMS no meio de uma pandemia global: absolutamente destrutivo.

Est� mentalmente transtornado. Passa cada dia na sua conta no Twitter atacando pessoas aqui e ali, acusando o ex-presidente (Barack Obama) de grandes crimes, acusando a China de crimes terr�veis.

Os EUA perderam por completo o rumo ao ter esse homem como presidente.

Acho que durante um tempo as elites poderosas o viram como uma esp�cie de idiota �til: reduziu seus impostos, aumentou a oferta de dinheiro, o mercado de a��es estava em alta...

Mas n�o se pode ter esta combina��o de narcisismo maligno e ignor�ncia no meio da pior crise da hist�ria moderna. E � isso o que temos, infelizmente.

BBC - Ao que parece, os EUA est�o se retirando de seu papel de l�der mundial e cada pa�s tem sua pr�pria estrat�gia contra esta pandemia. � poss�vel alcan�ar uma agenda global construtiva neste contexto?

Sachs - Os EUA se eximiram da agenda internacional por muitos anos. E, claro, isso ficou mais extremo com Trump.

A atitude de Trump � tratar de romper o sistema internacional em sua medula, romper a Organiza��o Mundial do Com�rcio, retirar-se de qualquer tratado, encerrar os acordos de armas, gastar bilh�es ou mais numa nova gera��o de armas nucleares.

Agora tudo isso est� no contexto da mais profunda crise econ�mica desde a Grande Depress�o e uma crise de sa�de global que n�o tem precedentes, pelo menos desde a epidemia de gripe de 1918. E o que ele quer � usar isso, e est� tendo algum efeito na opini�o p�blica, como uma ocasi�o para instigar uma nova Guerra Fria com a China.


Sachs critica postura de Trump em relação à China(foto: Getty Images)
Sachs critica postura de Trump em rela��o � China (foto: Getty Images)

Os EUA t�m muito poder atrav�s do d�lar e dos sistemas de armas. Diria que essas s�o as duas fontes reais de poder dos EUA, mas s�o muito poderosas. Viajo por todo o mundo. Ningu�m respeita Trump, quase todo mundo sabe que � um louco. Mas o poder do d�lar, a amea�a de san��es e a conten��o do sistema de armas fazem com que outros sigam a corrente.

Claro que cada vez que h� grandes rivalidades de poder, os pa�ses escolhem bandos pensando que tamb�m obter�o algum benef�cio. Digo isso tudo porque o prop�sito dos EUA neste momento � usar inclusive esta crise para criar uma nova Guerra Fria intencionalmente, n�o por acidente, por destino ou por resigna��o � realidade, mas por inten��o.

Porque a China estava se tornando muito poderosa aos olhos desses nacionalistas e neoconservadores. Ent�o estamos provando de novo o livro de jogos de 1947: como contivemos a Uni�o Sovi�tica, vamos conter a China.

Acho perigoso e rid�culo, mas especialmente perigoso.

BBC - Perigoso em que termos? O qu�o ruim pode ser a escalada?

Sachs - H� um princ�pio geral nas crises econ�micas globais: sem coopera��o, uma crise como essa pode criar uma sombra de depress�o muito grande.

E uma ideia que considero cr�vel � que a profundidade da Grande Depress�o em si mesma foi um reflexo da falta de lideran�a global na d�cada de 1930.

A Gr� Bretanha era muito fr�gil para liderar, os EUA n�o estavam interessados em liderar, (a chamada republica de) Weimar estava em recuo, Hitler chegou ao poder em janeiro de 1933 e a Grande Depress�o se aprofundou porque n�o houve coopera��o.

Aqui temos um choque de igual magnitude, embora em uma etapa muito inicial: � poss�vel se recuperar r�pido.

A recupera��o principal teria de come�ar pela sa�de p�blica. E depois pela limpeza financeira, porque haver� muitos pa�ses em descumprimento efetivo de pagamentos, ou em uma crise financeira. Desse jeito, poder�amos nos recuperar desta crise muito r�pido, ter algum rebote em 12 ou 18 meses.

Acho que isso � muito improv�vel agora. E atribuiria isso � pol�tica, mais que � natureza intr�nseca de qualquer crise.

Porque crises como estas se resolvem ou se alimentam de si mesmas. S�o processos din�micos, e dessa maneira v�o de mal a bem ou de mal a pior. E esta est� na dire��o de ir de mal a pior.

BBC - H� algo no mundo que lhe provoque esperan�a neste momento?

Sachs - Sim. �s vezes me consideram muito otimista porque creio estar bem treinado para ver as possibilidades do que se pode conquistar.

Quando falei sobre o fim da pobreza, n�o foi uma previs�o que inevitavelmente aconteceria. Foi uma declara��o do que poderia acontecer e aqui est�o as coisas necess�rias para acontecer. E de fato houve progresso.

Muitas coisas que enfatizo, em especial como a tecnologia e a converg�ncia podem ajudar os pa�ses a se desenvolver, est�o acontecendo durante esta crise. Temos exemplos diante de n�s de como resolver esse problema. E o lado mais promissor do mundo s�o os 15 pa�ses da Associa��o Econ�mica Integral Regional (RCEP na sigla em ingl�s) - Jap�o, China, Coreia, os dez pa�ses da ASEAN, Austr�lia e Nova Zel�ndia. Esse grupo de pa�ses soma ao redor de 2 bilh�es de pessoas. E se observamos os 15 pa�ses, creio que todos eles com exce��o da Indon�sia t�m a epidemia ao menos sob controle provis�rio neste momento.

� uma regi�o que n�o s� poderia mostrar ao resto do mundo como faz�-lo, mas tamb�m proporcionar uma grande quantidade de equipamento e orienta��o.

Espero e defendo cada dia que a regi�o mire a si mesma e diga: "Estamos fazendo". E se una.

Mas essa vis�o talvez seja o maior pesadelo dos encarregados de formular pol�ticas nos EUA. A ideia de que o Jap�o e a China cooperem � um terror para os nacionalistas americanos. Ent�o os EUA est�o ali todos os dias tratando de separar, em lugar de dizer: "Trabalhem juntos, para que possamos resolver tudo isso."

Voc� me perguntou por algo otimista e n�o terminarei com uma nota pessimista. S� direi que h� 2 bilh�es de pessoas dos 7,7 bilh�es que est�o no caminho certo.

Se aprendermos com eles, os emularmos, nos associarmos, cooperarmos com eles, faremos o trabalho sem uma Grande Depress�o. Esse � o otimismo.


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