
O diretor-geral da Organiza��o Mundial de Com�rcio (OMC), o diplomata brasileiro Roberto Azev�do, diz que a pandemia de coronav�rus pode levar os pa�ses � "tenta��o" de buscar autossufici�ncia em setores considerados essenciais em um primeiro momento. Depois, no entanto, ele diz que a redu��o das trocas internacionais n�o ser� vista como uma boa resposta.
"A pandemia deixar� suas cicatrizes. Num primeiro momento, pode haver a tenta��o de se fechar. Alguns governos poder�o buscar a autossufici�ncia em setores considerados essenciais. Mas logo ficar� claro que essa n�o � uma resposta sustent�vel, poderia expor a economia a novos choques de oferta e de pre�o", disse, em entrevista � BBC News Brasil.
O �rg�o, que tem entre seus prop�sitos atuar como mediador em negocia��es comerciais multilaterais e resolver disputas comerciais internacionais, vem sofrendo com bloqueios de nomea��es e amea�as de corte de verbas e abandono por parte de Washington.
Questionado sobre as cr�ticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Azev�do respondeu que � "leg�timo o desejo de que a organiza��o evolua."
"Desde que assumi como diretor-geral, antes mesmo da administra��o Trump, tenho defendido reformas na OMC. Acho leg�timo o desejo de que a organiza��o evolua. Ela precisa ser mais �gil e responsiva �s necessidades dos membros e �s profundas transforma��es por que passa a economia global. Dito isso, vale lembrar que esse processo j� est� em curso."
Azev�do anunciou neste m�s que deixar� o cargo em 31 de agosto, quando completar� sete anos no posto. A sa�da, no entanto, ocorrer� um ano antes da data prevista para o fim do segundo mandato do diplomata brasileiro como diretor-geral da OMC.
Leia, a seguir, a entrevista concedida por Azev�do por escrito � BBC News Brasil:
BBC News Brasil - Com a pandemia de coronav�rus, temos assistido a uma disputa por equipamentos e suprimentos m�dicos. Uma autoridade alem� chegou a acusar os Estados Unidos de pirataria moderna. A OMC v� algum risco nesse tipo de situa��o?
Roberto Azev�do - Esta crise � antes de tudo uma crise de sa�de p�blica, que est� for�ando os governos a tomarem medidas sem precedentes para proteger a vida de seus cidad�os. Dito isso, ainda que em um primeiro momento a introspec��o seja natural, isso logo se mostra contraproducente. Nenhum pa�s � autossuficiente na produ��o dos bens essenciais para o combate � pandemia. A integra��o e a coopera��o internacional s�o a �nica resposta vi�vel e sustent�vel. Quanto antes isso ficar claro, melhores nossas perspectivas nesse tipo de situa��o.

BBC News Brasil - A OMC divulgou que o com�rcio mundial deve cair at� 32% neste ano devido ao coronav�rus. O que h� de relevante na maneira como essa queda se distribui em diferentes partes do mundo ou em diferentes setores da economia? Quem s�o os mais afetados?
Azev�do - A queda de 32% corresponde �s proje��es em um cen�rio pessimista. No cen�rio otimista, a queda no com�rcio seria de 13%. Isso vai depender da dura��o da pandemia e da efetividade das pol�ticas econ�mico-comerciais adotadas. Em todo caso, o impacto ser� fortemente sentido em todas as regi�es.
As Am�ricas do Norte e do Sul e a Europa dever�o sofrer as maiores quedas. Os setores com cadeias de valor complexas, como produtos eletr�nicos e automotivos, ser�o mais prejudicados. O com�rcio de servi�os tamb�m ser� muito afetado, em especial os setores de turismo e de log�stica e transporte.
BBC News Brasil - Quando olhamos para o m�dio prazo, a crise gerada pela pandemia tende a favorecer o protecionismo ou o livre com�rcio internacional?
Azev�do - A pandemia deixar� suas cicatrizes. Num primeiro momento, pode haver a tenta��o de se fechar. Alguns governos poder�o buscar a autossufici�ncia em setores considerados essenciais. Mas logo ficar� claro que essa n�o � uma resposta sustent�vel; poderia expor a economia a novos choques de oferta e de pre�o. O com�rcio internacional � vital para garantir escala de produ��o e o abastecimento de bens essenciais, a pre�os acess�veis. E para isso, os mercados precisam estar abertos e conectados.
BBC News Brasil - Pa�ses como o Brasil t�m como ver nesse cen�rio algum tipo de oportunidade? De qu�?
Azev�do - Toda crise gera oportunidades. Aqui n�o seria diferente. Em algumas �reas, inclusive, isso j� come�a a aparecer. Tomemos a economia digital, por exemplo. Alguns analistas avaliam que o Brasil avan�ou cinco anos em cinco semanas. H� tamb�m um enorme potencial para alavancar uma maior integra��o da economia brasileira no mercado mundial. Com a crise, empresas buscar�o diversificar suas cadeias de produ��o e suprimento. O Brasil pode se colocar como alternativa. O pa�s conta com um parque industrial e um agroneg�cio suficientemente sofisticados para isso. Mas � preciso se preparar para aproveitar a janela de oportunidade.
BBC News Brasil - O presidente dos EUA, Donald Trump, j� vinha pressionando e criticando a OMC sob o argumento de que seria injusta com os EUA e que oferecia vantagens � China. O senhor considera leg�tima alguma dessas cr�ticas? Existe uma oportunidade de transforma��o na OMC? Em que sentido?
Azev�do - Desde que assumi como diretor-geral, antes mesmo da administra��o Trump, tenho defendido reformas na OMC. Acho leg�timo o desejo de que a organiza��o evolua. Ela precisa ser mais �gil e responsiva �s necessidades dos membros e �s profundas transforma��es por que passa a economia global. Dito isso, vale lembrar que esse processo j� est� em curso. Tem sido objeto de propostas, iniciativas e debates entre os membros.
Temos mesmo alguns frutos importantes como o Acordo de Facilita��o de Com�rcio, o fim dos subs�dios �s exporta��es de produtos agr�colas, a expans�o do Acordo sobre Tecnologia da Informa��o, as discuss�es e negocia��es de grupos de membros sobre com�rcio eletr�nico, facilita��o do investimento, regula��o dom�stica e servi�os, e micro, pequenas e m�dias empresas. E h� muitos outros temas sobre a mesa. Precisamos seguir avan�ando.

BBC News Brasil - Especialistas evidenciam os benef�cios trazidos pela globaliza��o, mas alguns apontam que ela � respons�vel por disseminar crises com maior velocidade - como nesta pandemia, pela interliga��o entre os pa�ses. O sr. acha que o modelo atual deve ser revisto para incorporar elementos de prote��o que poderiam ser acionados no eventos de nova crise? Quais elementos seriam esses?
Azev�do -O principal elemento que necessita ser aprimorado � a coordena��o. Desafios globais exigem solu��es globais, coordenadas. Os fundamentos econ�micos que levaram � globaliza��o das cadeias produtivas e de abastecimento n�o mudaram. A autossufici�ncia, quando vi�vel, tem um custo enorme para a sociedade. Novas crises vir�o. Precisamos nos equipar com instrumentos de concerta��o objetivos e pragm�ticos, que nos permitam respostas �geis, autom�ticas e eficazes. � com coopera��o e solidariedade que melhoraremos nossas perspectivas em crises como esta.
BBC News Brasil - Muitos t�m dito que a recess�o que o mundo enfrentar� s� encontra paralelo em magnitude no que ocorreu na Grande Depress�o. Que li��es a OMC pode tirar do que ocorreu antes e depois da Grande Depress�o que talvez sejam relevantes hoje no pensamento em torno da recupera��o global? Quais devem ser os pap�is do Estado e da iniciativa privada nesse processo?
Azev�do - O choque econ�mico causado pela pandemia do covid-19 convida, realmente, a compara��es com crises anteriores, como a Grande Depress�o dos anos 1930. Mas se essas crises s�o semelhantes em certos aspectos, elas tamb�m s�o muito diferentes em outros.
A crise atual, por exemplo, n�o decorre de desalinhamentos ou vulnerabilidades nos fundamentos - ou no motor - da economia global. Ela �, na verdade, fruto de um corte repentino da gasolina que alimenta esse motor. Enfrentamos choques de ofertas e demanda, mas o motor econ�mico estava funcionando razoavelmente bem.
Dois fatores determinar�o a velocidade e o dinamismo da recupera��o aqui. O primeiro, � o tempo que esse motor ficar� sem gasolina, ou seja, o tempo que durar� essa pandemia.
O segundo s�o as pol�ticas de est�mulo econ�mico e comercial adotadas pelos governos - em casa e coletivamente. E, sobre isso, aprendemos no passado sobre a import�ncia de que essas pol�ticas sejam concertadas e apontem na mesma dire��o. A inciativa privada certamente precisa participar desse debate. Os empres�rios est�o bem posicionados para apontar gargalos, indicar rupturas nas cadeias e propor solu��es.
BBC News Brasil - O sr. disse que a decis�o de deixar o cargo um ano antes do previsto � pessoal, mas mencionou que ela atende aos interesses da OMC. Quanto os bloqueios de nomea��es e amea�as de corte de verbas � organiza��o pesaram na sua decis�o?
Azev�do - Minha decis�o levou em considera��o uma s�rie de vari�veis. N�o � uma reflex�o trivial. Foi uma decis�o pessoal, discutida com minha fam�lia, e que, a meu ver, serve aos interesses sist�micos da organiza��o.
Vivemos um momento decisivo na OMC. A Organiza��o precisa se modernizar e estar apta para responder �s demandas e aos desafios do novo modelo econ�mico que se desenha. E agora, as consequ�ncias dessas mudan�as se tornam ainda mais complexas com o impacto socioecon�mico da pandemia.
Um dos marcos cr�ticos nesse processo de renova��o da OMC � a pr�xima confer�ncia ministerial da organiza��o - inicialmente prevista para junho agora, mas postergada provavelmente para meados de 2021. Se eu continuasse no cargo, o processo para escolha do pr�ximo diretor-geral coincidiria com a prepara��o da ministerial - certamente sufocando os avan�os necess�rios. Com a minha sa�da, o sistema poder� come�ar 2021 numa nova p�gina, conduzida por um novo l�der - que ter� a chance de preparar uma boa ministerial. Ent�o, na minha avalia��o, o melhor a fazer era fechar esse ciclo importante, onde plantamos as sementes para a OMC 2.0, abrindo o caminho para o futuro.
BBC News Brasil - Quais s�o os planos profissionais do sr. a partir de setembro, quando ter� deixado a OMC?
Azev�do - Ainda n�o sei ao certo o que farei. Sei o que n�o est� nos meus planos imediatos, como, por exemplo, pretens�es pol�ticas. Estou pronto para novos projetos e desafios. Veremos.