Como obesidade pode ter impulsionado gravidade e morte de jovens por COVID-19

"Conclu�mos que, em popula��es com grande preval�ncia da obesidade, a covid-19 afetar� mais as popula��es mais jovens", afirmaram em maio tr�s pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em texto publicado na revista m�dica Lancet.

Na ocasi�o, os autores apresentaram os resultados preliminares de uma pesquisa que buscou confirmar, com dados, algo que estava sendo observado na pr�tica no hospital universit�rio da Johns Hopkins: pacientes jovens que chegavam �s unidades de terapia intensiva (UTI) tendiam a ser obesos.

Os cientistas reuniram ent�o dados de 265 pacientes internados em seis hospitais universit�rios americanos e conclu�ram que, sim, havia uma correla��o inversa entre idade e �ndice de Massa Corporal (IMC): pessoas mais novas internadas por covid-19 tinham maior probabilidade de ter IMC alto, na faixa da obesidade.

Quase tr�s meses depois, novos relatos em hospitais e pesquisas cient�ficas se somaram a este achado.

"Nossa correspond�ncia (tipo de texto em um peri�dico cient�fico, normalmente com etapas menos estritas que um artigo padr�o) foi uma das primeiras, mas desde ent�o j� foram publicados 400 estudos — e este n�mero continua aumentando — debatendo a conex�o entre obesidade e os efeitos da covid-19 em uma pessoa infectada", explicou por e-mail � BBC News Brasil David A. Kass, cardiologista, professor da Universidade Johns Hopkins e um dos autores do trabalho.

"Existem hoje muitas pesquisas demonstrando que, se voc� considera os riscos que a obesidade sozinha produz para quadros piores de covid-19 (risco de hospitaliza��o; de interna��o em UTI; ou de morrer), eles s�o consideravelmente aumentados em indiv�duos com idade menor que 50-60 anos. Em pessoas mais idosas, digamos com mais de 65 anos, a obesidade sozinha se torna um risco menos proeminente."

"Presumo que seja porque em idades mais avan�adas, existem muitas outras comorbidades — o envelhecimento e vulnerabilidades em si, hist�rico de c�ncer, doen�as card�acas, doen�as imunol�gicas, doen�as pulmonares — e que se tornam mais significativas nessa faixa et�ria".

EUA e Brasil: l�deres em covid-19 e popula��o com alto percentual de obesos

Os autores da carta no Lancet tamb�m escreveram que, ao chegar aos EUA, o coronav�rus tinha feito m�dicos e cientistas ficarem em alerta sobretudo para a popula��o idosa — que se mostrou particularmente vulner�vel na China e It�lia, por onde a doen�a passou e deixou v�timas primeiro.

Mas, nos EUA, a alta preval�ncia da obesidade — 36% da popula��o adulta, segundo dados globais de 2016 — explicitou este novo e relevante risco.

Professor de medicina da Universidade de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, Licio Augusto Velloso avalia que, neste infeliz encontro entre as duas doen�as, o Brasil tem mostrado caracter�sticas semelhantes aos EUA. Aqui, 22% da popula��o adulta foi considerada obesa no levantamento de 2016, enquanto China e It�lia aparecem respectivamente com 6% e 19,9%.

"Um outro fator importante na It�lia � que a popula��o � bem mais velha, ent�o o principal fator da alta mortalidade l� parece ter sido a idade. Nos EUA, t�m se destacado a obesidade e a diabetes."

Com altos percentuais de obesos, diz Velloso, as evid�ncias t�m confirmado a conclus�o dos pesquisadores da Johns Hopkins de que popula��es com estas caracter�sticas colocam faixas et�rias mais jovens em maior risco.

"J� h� muitos estudos mostrando que, nos EUA, h� uma mortalidade significativa nas faixas et�rias intermedi�rias. O Brasil vai no caminho dos EUA, porque a nossa taxa de obesidade est� muito alta — n�o tanto quanto nos EUA, mas tamb�m assustadoramente alta", aponta o m�dico, acrescentando que, no Hospital de Cl�nicas da Unicamp, � sabido pela equipe, por observa��o, que os jovens mais gravemente afetados pela covid-19 s�o na maioria obesos.

E, mesmo que pa�ses como o Brasil tenham uma popula��o mais nova em geral, ele acredita que a relev�ncia da covid-19 em faixas et�rias mais baixas "certamente � mais porque estamos com jovens muito obesos, do que porque temos muitos jovens".

De acordo com dados do Minist�rio da Sa�de, at� o in�cio de agosto a distribui��o de pessoas hospitalizadas por covid-19 no Brasil por faixa et�ria foi maior nas idades de 60 a 69 anos (20%); 50 a 59 anos (18%); 70 a 79 anos (17%); 40 a 49 anos (14%); 80 a 89 anos (10%); 30 a 39 anos (10%); 20 a 29 (3.9%).

Combina��o com hipertens�o e diabetes

"Em fevereiro, os primeiros estudos publicados na China j� deixavam claro que pacientes com obesidade, diabetes, hipertens�o evolu�am de forma mais grave", apontou Licio Velloso, da Unicamp, em entrevista por telefone.

De antes da pandemia, a associa��o entre obesidade, diabetes e hipertens�o j� � bastante conhecida.

"Aproximadamente 60 a 70% das pessoas que s�o obesas acabam desenvolvendo tanto diabetes como hipertens�o. Essas condi��es come�am normalmente porque j� h� a obesidade de base", explica Velloso.

Por isso, explica o pesquisador, para os mais jovens a obesidade pode ser um fator mais relevante para a covid-19, pois normalmente — mas nem sempre — precede o desenvolvimento da diabetes e hipertens�o.

Ele e David Kass destacaram que a produ��o cient�fica se encaminha para, agora, responder mais precisamente como cada um desses fatores — obesidade, diabetes e hipertens�o — influencia no desenrolar da covid-19, em diferentes idades.

Fatores da obesidade que aumentam a vulnerabilidade � covid-19

Enquanto mais estudos s�o produzidos, na linha de frente profissionais como Peterson Lodi, que trabalhou no Hospital de Campanha do Leblon, no Rio, observaram caracter�sticas da covid-19 em jovens obesos que podem ajudar a entender a associa��o entre as doen�as.

"Era n�tida a tend�ncia de pacientes jovens e obesos ficarem mais graves. Era rotineiro", lembra Lodi, tamb�m residente em medicina de emerg�ncia no Hospital Quinta D'Or.

"Observ�vamos nos jovens obesos muita falta de ar. Era mais comum e frequente um jovem obeso com insufici�ncia respirat�ria aguda, precisando de oxig�nio, de broncodilatador", conta, relatando tamb�m nestes pacientes atendidos no Rio maior frequ�ncia do aparecimento da chamada ferida de dec�bito (uma ferida causada pela press�o do peso em algum ponto do corpo) e uma demora na resposta � prona��o (um procedimento de virar a barriga para baixo, ajudando na oxigena��o).

Licio Velloso aponta pelo menos tr�s explica��es para a gravidade da covid-19 em pessoas obesas, n�o apenas as mais jovens. A primeira � que obesos, assim como diab�ticos, s�o naturalmente imunodeficientes, com uma resposta imunol�gica menos eficiente em doen�as mais conhecidas, como pneumonia, infec��es renais e �lceras na pele, por exemplo.

A segunda: tanto obesos como diab�ticos e hipertensos t�m uma quantidade grande da prote�na que o coronav�rus usa como receptor — a enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2): "� como se a prote�na fosse uma porta para o v�rus entrar na c�lula. Todo mundo tem essa prote�na, mas pessoas com hipertens�o, diabetes e obesidade t�m uma quantidade maior. � como se o v�rus tivesse mais portas para entrar."

A terceira explica��o foi detalhada em um artigo publicado por ele e colegas brasileiros no peri�dico Cell Metabolism, em julho. No trabalho, os autores mostraram que a glicose alta em pessoas diab�ticas promove desajuste em c�lulas do sistema imune, o que atrapalha na defesa contra o coronav�rus.

Presidente da Associa��o Brasileira para o Estudo da Obesidade e da S�ndrome Metab�lica (Abeso), o endocrinologista Mario Kedhi Carra acrescenta que a obesidade leva a condi��es do corpo, como a compress�o do diafragma, que dificultam o combate a doen�as respirat�rias; e tamb�m a um estado naturalmente "inflamado" — com maior circula��o no corpo das chamadas citocinas pr�-inflamat�rias (subst�ncias produzidas pelo sistema de defesa), por exemplo.

Carra explica que, para al�m da medida do IMC — que a partir do valor 30 indica obesidade —, esta doen�a � definida principalmente pelo excesso de massa gordurosa em rela��o � magra. Isto pode ser constatado com exames como medida da circunfer�ncia abdominal, tomografia ou densitometria de corpo inteiro.

Perguntado sobre os riscos para pessoas obesas que t�m h�bitos saud�veis, como praticar exerc�cios, o endocrinologista respondeu que, existindo excesso de tecido gorduroso, isto j� traz problemas para a sa�de. Assim, mesmo o sobrepeso j� � capaz de levar a alguns dist�rbios metab�licos prejudiciais.

Para pessoas com sobrepeso e obesas, vale o refor�o de medidas aconselhadas � popula��o em geral para se proteger da covid-19.

"A recomenda��o � se resguardar: usar m�scaras, lav�-las, evitar aglomera��o. Muito cuidado tamb�m com a alimenta��o: de todos, os mais negativos s�o bebidas alco�licas e alimentos com a��car e gordura."

Ele acrescenta ainda que, mesmo a curto prazo, certas mudan�as de h�bitos j� podem fortalecer o organismo em geral.

"Qualquer quantidade de quilos diminu�da j� traz melhorias enormes na sa�de", diz, mencionando altera��es r�pidas j� pass�veis de serem observadas, como na press�o arterial, falta de ar e resposta inflamat�ria.

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