Genesis II, a igreja acusada de vender falsa cura milagrosa para a COVID-19

A Igreja Genesis II de Sa�de e Cura foi criada para "levar sa�de para toda a humanidade". Ao menos, � o que afirmam os seus fundadores.

"Queremos criar um mundo sem doen�as", dizia Jim Humble, em seu site pessoal. O homem, um idoso que j� foi garimpeiro na Am�rica do Sul, � um dos fundadores da igreja.

As autoridades dos Estados Unidos, por�m, t�m uma vis�o muito diferente sobre a finalidade dessa "igreja", da qual Humble afirma ter deixado de fazer parte em 2017.

Dois outros filhos do "arcebispo" Grenon, Jonathan e Jordan, tamb�m foram presos nos Estados Unidos e est�o em pris�o preventiva.

Segundo a acusa��o de promotores da Fl�rida, a fam�lia Grenon supostamente vendia dezenas de milhares de garrafas de uma "Solu��o Mineral Milagrosa", ou MMS (na sigla em ingl�s), como um rem�dio contra todos os tipos de doen�as, incluindo mal�ria e c�ncer, e at� para o autismo.

O MMS � uma solu��o de clorito de s�dio (NaClO2) e �gua destilada. A instru��o � que ele seja misturado com um "ativador", por exemplo, �cido c�trico, para transform�-lo em di�xido de cloro. O produto � considerado t�xico para o consumo humano, segundo especialistas.

Tanto o clorito de s�dio quando o di�xido de cloro s�o ingredientes ativos de alguns desinfetantes, al�m de ter outros usos industriais, como na fabrica��o de papel.

Nenhuma autoridade de sa�de reconhece qualquer poss�vel efeito ben�fico dessas subst�ncias para a sa�de. A Food And Drug Administration (FDA), equivalente norte-americana � Anvisa, alertou que o MMS pode causar v�mitos, diarreia ou reduzir a press�o arterial a n�veis perigosos.

Em meio � crise de sa�de causada pela pandemia do coronav�rus, os Grenons teriam chegado a faturar US$ 120 mil (em torno de R$ 670 mil) por m�s com as vendas de MMS, segundo documentos vistos pela BBC.

Os quatro Grenons s�o acusados de conspira��o para cometer fraude nos Estados Unidos, viola��o da Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosm�ticos, e de n�o colaborar com investiga��es das autoridades.

At� o momento, eles s�o os �nicos r�us no caso. O Minist�rio P�blico se recusou a explicar se h� outras investiga��es em andamento relacionadas ao MMS contra membros da igreja.

A BBC tentou ouvir a vers�o dos Grenons, mas eles n�o t�m advogado at� o momento. Uma pessoa, que disse ser familiar deles, n�o quis comentar o caso.

"Nossos direitos e liberdades simples est�o sob ataque como nunca. Os custos legais est�o aumentando e precisamos de sua ajuda", diz um site criado para apoiar os Grenons.

V�nculos latino-americanos

De acordo com a promotoria colombiana — que n�o quis se manifestar sobre o caso por ser uma apura��o aberta nos Estados Unidos —, os Grenons "tamb�m venderam a 'po��o' na Col�mbia e, de Santa Marta, coordenaram os embarques para pa�ses africanos".

Em Santa Marta, na Col�mbia — onde foram presos —, os Grenons tamb�m operavam um "centro de recupera��o" focado no MMS, de acordo com os documentos que sustentaram o pedido de pris�o.

As rela��es internacionais da Igreja Genesis II tamb�m incluem seguidores em outros pa�ses latino-americanos.

A sede foi, por um tempo, na Rep�blica Dominicana, onde a igreja organizou semin�rios com inscri��es que custavam U$ 1 mil (cerca de R$ 5,6 mil), sem incluir alimenta��o ou hospedagem.

A Genesis II tem mais de 200 ministros e dois bispos no Chile. Eyre Pacheco, uma integrante da igreja, disse � BBC News Mundo, o servi�o em espanhol da BBC, que alcan�ou o posto de ministra em 2013 e hoje � bispa "encarregada da filial 227 da G�nesis".

Os "m�dicos" e "ministros" do MMS s�o treinados em semin�rios de 10 dias. Cada estudante recebe um certificado em que obt�m a permiss�o para abrir uma miss�o ou igreja local, explicou Humble, em publica��o de 2011.

No "Livro para recuperar a sa�de com o MMS", de publica��o independente, Humble assegura que a igreja contava, em outubro de 2016, com mais de 1,7 mil ministros de sa�de treinados em mais de 120 pa�ses.

Ainda em 2016, Humble — que se intitula o "descobridor" da Solu��o Mineral Milagrosa — foi localizado no M�xico pela rede de televis�o ABC.

Em seu site, ele afirma que se retirou da igreja — embora n�o do "ramo" do MMS — em 2017, para se concentrar nas pesquisas para escrever livros.

'N�o era nada religioso'

"Fui treinada por Jim Humble em 2013 para usar o MMS. Queria aprender a us�-lo para ajudar meu sobrinho com c�ncer no c�rebro", diz Eyre Pacheco � BBC News Mundo.

"Voc� vai entender que � uma experi�ncia pessoal, que marca profundamente uma pessoa. Por isso, me comprometi com a causa de igreja e ajudei milhares de pessoas ao longo do caminho", disse.

A BBC News Mundo contatou pessoas de diferentes pa�ses que aparecem associadas � Genesis II, em reportagens ou em p�ginas de redes sociais. Um deles foi Juli�n P�rez, que aparece na internet como presidente de um centro de sa�de naturista na Espanha, do qual disse estar aposentado.

Na p�gina, � poss�vel ver o certificado dele de "bispo" da G�nesis II, datado de 2013. Apesar disso, ele disse que nunca teve contato pr�ximo com a congrega��o e que os l�deres da igreja ignoraram os e-mails enviados por ele.

"Estava fazendo um estudo sobre a terapia eletrol�tica (...) e me deparei, por acaso, com o resultado do que Jim Humble havia encontrado", relatou P�rez.

"Em algumas minas, os trabalhadores estavam morrendo e ele deu o produto (MMS) para purificar a �gua deles (...) e descobriu que poderia at� curar a mal�ria", disse P�rez � BBC.

Nem a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) ou qualquer ag�ncia de medicamentos reconhece esse tipo de tratamento como capaz de curar qualquer doen�a.

Segundo P�rez — que disse ter feito sua tese de doutorado por uma universidade "alternativa" —, a Genesis II foi fundada "n�o com uma vis�o religiosa, com conhecimentos morais, mas para ensinar as pessoas a viver com sa�de e dignidade".

Segundo os promotores dos Estados Unidos, os Grenons vendem MMS "sob o disfarce de Igreja de Sa�de e Cura de Genesis II, uma entidade que eles supostamente criaram em uma tentativa de evitar a regulamenta��o do governo".

O pr�prio Grenon explicou o racioc�nio em uma entrevista, em fevereiro deste ano, citada nos documentos oficiais.

"Eles n�o podem nos prender por fazer um de nossos sacramentos e eu sabia disso. Por isso, disse para criarmos uma igreja. Poder�amos ter feito um templo. Poder�amos ter feito uma sinagoga. Poder�amos ter feito uma mesquita", disse, na �poca.

"Ent�o [a cria��o da Genesis] n�o foi realmente sobre religi�o? Foi para, de alguma forma, legalizar o uso do MMS?", questionou o entrevistador.

"Isso mesmo. N�o foi por motivos religiosos, de jeito nenhum", respondeu o "arcebispo" da G�nesis II.

O coronav�rus

A gravidade da crise do coronav�rus trouxe � tona uma s�rie de supostas solu��es milagrosas, que n�o s�o confirmadas pela ci�ncia, entre elas o MMS.

Catherine Hermsen, comiss�ria assistente do Escrit�rio de Investiga��es Criminais da FDA, afirmou que "a Igreja de Sa�de e Cura Genesis II colocou os consumidores em risco ativa e deliberadamente."

"Continuamos protegendo a popula��o de condutas criminosas que se aproveitam da pandemia de covid-19", declarou Ariana Fajardo Orshan, advogada da Fl�rida.

Eyre Pacheco, por�m, acredita na inoc�ncia dos Grenons e diz que "eles logo ser�o liberados". "Esta n�o � uma pris�o por crime, porque ningu�m foi ferido, mas por 'violar' uma regra imposta sem fundamento. � uma ofensa", declarou.

"O FDA n�o tem argumentos bem fundamentados para emitir os alertas sobre o MMS (...). Tudo o que eles falam sobre os efeitos colaterais do uso do MMS n�o tem fundamento", disse a mulher � BBC News Mundo.

As autoridades, no entanto, refor�am a ilegalidade das a��es praticadas pela igreja. A batalha legal para conter as vendas do MMS na Genesis II n�o acontece apenas nos Estados Unidos.

No Peru, a Dire��o Geral de Medicamentos, Insumos e Drogas emitiu um alerta em novembro de 2019 contra os produtos que cont�m di�xido de cloro ou clorito de s�dio, entre eles o MMS. A entidade pediu que esses produtos n�o devem ser consumidos, porque causam "graves danos � sa�de",

Na Austr�lia, uma �rea do Minist�rio da Sa�de local multou uma empresa que comercializava MMS em U$ 150 mil por anunciar ilegalmente a subst�ncia e abriu um procedimento para apurar poss�vel publicidade ilegal.

"Acredito que se [o di�xido de cloro] for dissolvido, provavelmente o risco ser� baixo. Mas os consumidores tendem a pensar 'se um pouco � bom, mais deve ser ainda melhor'. E esse � o perigo", disse Keenneth Harvey, especialista australiano em sa�de p�blica e estudioso sobre publicidade enganosa.

H� ainda um perigo maior, conhecido como dano indireto. "Se as pessoas pensam que � uma forma eficaz de tratar uma condi��o espec�fica, elas podem ignorar outros tratamentos baseados em evid�ncias cient�ficas", assegurou Harvey.

De acordo com o especialista, a crise do coronav�rus foi um "alerta" de que as autoridades "n�o podem deixar essas coisas passarem".

"O dano potencial n�o � tanto as consequ�ncias diretas � sa�de. Mas as pessoas que o tomam podem pensar: eu sou imune, n�o precisamos de distanciamento social, nem de usar m�scaras, porque estou protegido por esse produto m�gico".

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