
Quando a t�cnica de contabilidade Ana Cl�udia Concei��o, de 49 anos, conseguiu, com muito esfor�o, fazer um plano de sa�de familiar, achou que as dificuldades que passava no acesso ao atendimento de sa�de seriam coisa do passado.
No entanto, mesmo tendo plano h� anos, Ana Cl�udia tenta h� dois meses fazer uma mamografia sem sucesso. "Achava que com o plano n�o ia mais ter esse tipo de problema (de atraso na realiza��o de exames)", conta ela.
Moradora do bairro do Jurunas, em Bel�m (PA), Ana Cl�udia tinha o procedimento pedido pelo m�dico marcado para 28 de julho. Mas quando chegou no hospital do plano Hapvida, informaram que o �nico aparelho de mamografia estava quebrado e que ela teria de voltar outro dia.
Quando tentou remarcar, no entanto, disseram que a senha estava vencida e que ela precisaria ir pessoalmente pegar uma senha nova, conta ela. "Estou muito triste e frustrada, porque j� voltei a trabalhar pessoalmente e � muito dif�cil ir buscar a senha pessoalmente, ainda mais durante a pandemia. Para ir ao m�dico eu tive que pegar folga com atestado", conta ela.
Depois de a reportagem entrar em contato com a Hapvida, em menos de uma hora o plano ligou para Ana Cl�udia — e depois de uma espera de dois meses — seu exame foi marcado para primeiro de outubro.
Ana Cl�udia � uma das muitas mulheres que tiveram os exames diagn�sticos de c�ncer de mama e procedimentos relativos � doen�a atrasados durante a pandemia de coronav�rus.
Queda acentuada
Dados da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) nos meses de abril e maio mostram que nos grandes centros hospitalares de oncologia — p�blicos e privados — houve uma queda de 75% no movimento cir�rgico em compara��o ao mesmo per�odo de 2019.
J� a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncol�gica (SBCO) indica que 70% dos procedimentos para retirada de tumores malignos em geral deixaram de acontecer em abril.
Dados do DataSus mostram que houve redu��o de procedimentos em pacientes oncol�gicos neste ano. Entre janeiro e julho, foram realizadas 80.235 cirurgias em oncologia. No mesmo per�odo do ano passado, foram 91.153 registros.
"� muito grave que exames e procedimentos tenham atrasado ainda mais, principalmente porque a gente j� tinha uma situa��o complicada pr�via � pandemia; os casos de c�ncer no Brasil j� s�o descobertos em fase mais avan�ada", afirma Holtz, do Instituto Oncoguia.

Uma auditoria do Tribunal de Contas da Uni�o mostrou que mesmo antes da pandemia, em 2019, j� havia espera no SUS de at� 200 dias para o diagn�stico de c�ncer.
Consequ�ncias do atraso
A carioca Miriam*, de 31 anos, conta que vive momentos de apreens�o. Moradora da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, ela aguarda na fila para fazer uma bi�psia pelo SUS (Sistema �nico de Sa�de) desde julho, quando um exame de ultrassom veio inconclusivo e o m�dico pediu a bi�psia do n�dulo que ela encontrou no seio.
"Ainda nem tive coragem de contar para o meu marido que encontrei (o n�dulo) e que existe essa possibilidade (de ser um tumor maligno)", diz ela.

Mesmo jovem e sem hist�rico de c�ncer de mama na fam�lia, Miriam diz que ter que esperar pelo diagn�stico � "praticamente uma tortura". "Estou morrendo de medo. N�o tenho conseguido dormir, fico imaginando o que vai ser da minha fam�lia se eu morrer", diz ela, que tem duas filhas.
Ela diz que est� tentando juntar o dinheiro para pagar uma bi�psia particular, mas est� com dificuldades financeiras. Miriam � aut�noma e ficou meses sem receber trabalhos por causa da pandemia.
Prestes a iniciar as campanhas do outubro rosa — de conscientiza��o sobre c�ncer de mama — m�dicos alertam que as consequ�ncias do atraso na realiza��o de exames diagn�sticos e procedimentos oncol�gicos s�o muito graves.
Uma delas � o agravamento da doen�a e consequentemente o aumento da agressividade do tratamento.
Quanto mais cedo um c�ncer de mama � descoberto, menos agressivo � o tratamento, explica a mastologista Maira Caleffi, presidente volunt�ria da Federa��o Brasileira de Institui��es Filantr�picas de Apoio � Sa�de da Mama (Femama).
"Se o tumor � descoberto pequenininho atrav�s da mamografia, voc� consegue evitar a mastectomia total, consegue evitar a quimioterapia, consegue fazer um tratamento muito mais conservador", explica a m�dica.

No entanto, se o tumor � diagnosticado j� em est�gios avan�ados, muitas vezes o tratamento � mais agressivo. "Pode ser mais agressivo na mama, na axila, pode precisar de quimio, que vai gerar queda de cabelo", afirma Caleffi.
"Mil�metros fazem diferen�a entre indicar ou n�o quimio, (o crescimento) pode acontecer em meses", afirma o m�dico Bruno Ferrari, fundador e presidente do Conselho de Administra��o do Grupo Oncocl�nicas.
E n�o s� isso: as chances de sobreviv�ncia tamb�m s�o menores, diz Ferrari. "(O atraso em exames por causa da pandemia) vai impactar na sobrevida dos pacientes e isso � pior que a pr�pria pandemia."
"Alguns tumores t�m uma agressividade celular muito grande mesmo 30 dias ap�s a cirurgia. Se retardar o in�cio do tratamento, j� � delet�rio em termos de sobrevida, imagina a mulher que nem operou. � muito maior a chance de disseminar micromet�stase (quando as c�lulas de c�ncer se espalham) e diminui as taxas de cura", diz ele.
H� tamb�m uma consequ�ncia em termos de sa�de p�blica, explica Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. Com mais diagn�sticos sendo feito tardiamente e ao mesmo tempo, "na pr�tica que o que vai acontecer � que a gente vai enfrentar filas e mais filas (para o tratamento)", afirma Holtz.
Al�m disso, o diagn�stico e tratamento precoce s�o mais baratos — o que � ben�fico tanto para o SUS quanto para os planos.
A ocorr�ncia de c�ncer de mama no Brasil � de cerca de 66 casos a cada 100 mil mulheres, segundo o Inca (Instituto Nacional do C�ncer), uma das cinco maior taxas do mundo, com uma mortalidade de cerca de 16,4%.
Medo da pandemia
Al�m dos casos de mulheres que n�o conseguiram fazer os exames nas redes p�blicas e particulares, tamb�m h� casos de pessoas que adiaram por vontade pr�pria por causa da pandemia.
"Hoje a gente tem visto um grande n�mero de pacientes que nos procuram porque sentiram um n�dulo. Quando j� d� para sentir, j� est� maior, o ideal � descobrir antes com a mamografia", afirma Bruno Ferrari.

A mamografia � um exame de raio-x onde a mama � comprimida. � o principal exame feito para diagnosticar c�ncer de mama e pode detectar tumores que n�o seriam percept�veis com o autoexame.
� indicado pelo Inca como exame de rotina a cada dois anos em mulheres entre 50 e 69 anos, e em casos de suspeita ou hist�rico de c�ncer em outras faixas et�rias.
Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, diz que as mulheres que t�m acesso a exames devem faz�-lo, porque as cl�nicas est�o tomando todas as precau��es contra o coronav�rus e o risco de n�o ter um tumor diagnosticado � maior do que o representado pela COVID-19.
"E quem est� tendo dificuldade precisa exigir seus direitos, procurar entidades ou at� mesmo a defensoria p�blica", diz Caleffi, da Femama, que inicia a partir da quinta-feira (01/09) uma campanha para conscientizar al�m das pr�prias mulheres, amigos e familiares, sobre o c�ncer de mama.
Miriam n�o sabia, at� conversar com a reportagem, da exist�ncia da Lei dos 30 Dias — que determina que os exames necess�rios para a confirma��o do diagn�stico de c�ncer aconte�am em at� 30 dias no SUS.
A lei entrou em vigor em abril de 2020, em meio � pandemia, e foi uma complementa��o da Lei dos 60 Dias (Lei nº 12.732/2012), que estabelece prazo de 60 dias para in�cio do tratamento de c�ncer no SUS.
Exames como a mamografia tamb�m s�o de cobertura obrigat�ria dos planos pelas regras da ANS (Ag�ncia Nacional de Sa�de), e caso n�o estejam dispon�veis na rede prestadora de servi�os, o plano tem a obriga��o de disponibiliz�-lo na localidade mais pr�xima.
*O nome da paciente foi trocado nesta reportagem para preservar a privacidade
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