
No caminho para casa depois do trabalho na noite de quarta (7), o motoboy Jucelio de Sousa Lima, de 39 anos, se pergunta como far� para pagar o aluguel neste m�s.
O local em que vive com a esposa Michele — gr�vida de sete meses — e os tr�s filhos, em Diadema, � a terceira moradia da fam�lia durante a pandemia, mas se n�o conseguirem R$ 600 para pagar o aluguel, poder�o n�o ter para onde ir.
Antes da pandemia, Jucelio e fam�lia moravam em S�o Bernardo do Campo, em um apartamento alugado no Jardim Silvina. Quando a crise gerada pela covid-19 levou os chefes do pai de fam�lia a reduzirem seu sal�rio, ficou imposs�vel pagar o valor do aluguel.
"Ou a gente pagava as contas ou a gente comprava comida", conta ele � BBC News Brasil.
O dono do apartamento pediu o im�vel de volta e a fam�lia ficou sem ter para onde ir. Com o que estava recebendo — menos de R$ 600 — e em meio � pandemia, Jucelio n�o conseguiu alugar outro lugar.
Desesperado, conta ele, pediu a l�deres de uma ocupa��o que tinha visto em Diadema durante uma entrega de moto se poderia ficar no local. A ocupa��o do Jardim Ruyce, que ficava em um terreno vazio pr�ximo � rodovia dos Imigrantes, foi feita por v�rias pessoas que ficaram desempregadas na pandemia.
"Eles arrumaram um espa�o de 9 metros por 5 metros, mas se a gente n�o constru�sse um barraco em uma semana, ia perder mesmo isso", conta ele.
Como ele usava uma moto da empresa no trabalho, Jucelio p�de vender sua moto, que usava para ganhar um dinheiro extra trabalhando ap�s o expediente, para poder construir o barraco e n�o deixar a fam�lia desabrigada. A moto n�o rendeu muito; Jucelio tamb�m teve de pedir dinheiro emprestado ao irm�o e aos chefes para poder comprar material de constru��o.
Ele mesmo construiu o barraco e levou seus m�veis para a ocupa��o com ajuda de amigos. Tinha esperan�a de poder ficar ali por algum tempo, pelo menos at� conseguir pagar as d�vidas e comprar novamente uma moto.
Mas, em menos de 35 dias, Jucelio, Michele e os tr�s filhos foram despejado de novo, ao lado de outras 179 fam�lias, quando o governo do Estado de S�o Paulo e a Ecovias conseguiram na Justi�a ordem para remo��o das fam�lias do local.

Idoso, doente e sem casa na pandemia
A situa��o de Jucelio n�o � nenhuma raridade, explica Talita Gonzales, da campanha Despejo Zero, uma reuni�o de volunt�rios de v�rias �reas e movimentos sociais que lutam nacionalmente para que fam�lias n�o sejam desabrigadas em meio � dif�cil situa��o imposta pela pandemia de covid-19.
"Vivemos, dezenas de fam�lias, na mesma situa��o: indo para a ocupa��o depois de despejadas e sendo despejadas de novo", conta.
Um mapeamento do LabCidade, laborat�rio de urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, mostra que o n�mero de remo��es coletivas aumentou durante a pandemia na regi�o metropolitana de S�o Paulo. Entre abril e junho deste ano, seis remo��es levaram 1300 fam�lias a ficarem desabrigadas — o dobro do trimestre anterior (janeiro a mar�o de 2020). Entre julho e setembro, foram oito novas remo��es coletivas, atingindo 285 fam�lias.
Dados do Secovi (sindicato das empresas de habita��o) mostram que metade dos inquilinos residenciais e comerciais pediram renegocia��o do aluguel durante a pandemia — 54% deles em julho e 50% em agosto. Mas muitos n�o conseguiram renegociar e precisaram sair.
Dados do Tribunal de Justi�a de S�o Paulo indicam que houve um aumento na a��es envolvendo contratos de loca��o durante a pandemia. Em junho foram 1.290, um aumento de 55,8% em rela��o a maio; a maioria (89%) por falta de pagamento. O n�mero inclui tamb�m processos de im�veis comerciais. Em julho, o n�mero aumentou ainda mais, para 1.600 processos.
S�o dados alarmantes, afirma a urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade, e que nem incluem os despejos informais — de pessoas em situa��es mais prec�rias que n�o tem contratos formais.
A situa��o levou a v�rios embates estressantes com imobili�rias, como no caso do aposentado Jorge Torres, um idoso de 79 com dem�ncia vascular.
Sua filha, a designer Renata Tonezi, conta que mesmo durante a pandemia estava pagando os alugu�is em dia, mas que a imobili�ria, esqueceu de renovar o seguro-fian�a no tempo certo e quis que Jorge fizesse um seguro de 30 meses em meio � pandemia — sendo que o contrato terminaria em 12.
A imobili�ria n�o aceitou um seguro de 12 meses nem as alternativas oferecidas pela fam�lia. Desesperada com a possibilidade de um despejo, Renata correu para encontrar um lugar para seu pai.
"Ele nem est� conseguindo entender o que est� acontecendo, por que vai ter que sair da casa, � muito triste", conta ela. "Eu converso com ele, mas no dia seguinte ele esquece", explica Renata, que tem se revezado com o irm�o para dar rem�dio e comida para o pai, que, por causa da doen�a, muitas vezes ele esquece de se alimentar sozinho.

"Ele foi para a casa (no Cursino, em S�o Paulo) justamente porque � perto da casa da minha m�e e do meu irm�o e facilita para cuidarmos. Ele ser obrigado a sair em meio � pandemia � um transtorno muito grande para uma pessoa doente", conta Renata. "A gente tentou resolver de forma amig�vel, mas n�o teve jeito."
"� t�o injusto. Eu chorei de raiva hoje, porque nunca deixamos de pagar, sempre cuidamos da casa" diz Renata.
A BBC News Brasil questionou a imobili�ria sobre o caso por e-mail e por telefone, mas n�o obteve resposta.
Epidemia de despejos
"No observat�rio de remo��es do LabCidade acompanhamos os casos de remo��es coletivas, e, mesmo com dificuldade de conseguir dados, mapeamos muitos casos. Se voc� considerar os despejos individuais e os informais, ent�o � um n�mero enorme, � uma verdadeira epidemia", afirma Rolnik.
"Com a crise econ�mica e agravamento do desemprego, j� est�vamos observando um aumento nas ocupa��es. Na pandemia isso se agravou ainda mais e surgiram muitas novas ocupa��es, de gente que morava pagando aluguel em favelas e n�o conseguem mais pagar, ou seja, s�o despejadas das favelas e acabam em ocupa��es, em situa��o ainda mais prec�ria", diz ela.

O primeiro despejo de Jucelio, quando precisou sair do apartamento em S�o Bernardo, � um desses casos que n�o est�o nas estat�sticas — ele n�o conseguiu pagar, o dono pediu o apartamento e ele devolveu, n�o chegou a haver uma a��o judicial.
A remo��o da ocupa��o, conta, foi ainda mais traum�tica, porque os moradores tinham uma liminar que impedia o Estado de fazer a remo��o, ent�o acharam que n�o iam precisar sair. Mas, de �ltima hora, o governo conseguiu uma decis�o judicial derrubando a liminar.
"A gente n�o sabia, teve gente que foi trabalhar e deixou todas as coisas, perdeu tudo. Eu consegui salvar a geladeira, a TV e a m�quina de lavar, mas perdemos uma c�moda com todas as roupas de beb� que t�nhamos ganhado, uma carteira com parte do pagamento da moto, v�rios documentos. Foi horr�vel, eles chegaram com retroescavadeiras e simplesmente derrubaram tudo", conta Jucelio.
Logo depois da remo��o, um inc�ndio na ocupa��o destruiu pertences que ainda estavam em meio aos escombros. Diversas pessoas ficaram feridas e tiveram que ser levadas ao hospital, segundo relatos das fam�lias.
� �poca, a Ecovias disse em nota que comunicou as fam�lias 15 dias antes, mas reconheceu que a data da reintegra��o de posse n�o estava marcada. A justificativa seria o risco pelo fato da ocupa��o estar pr�xima � rodovia. Nem o governo do Estado, dono do terreno sob concess�o da Ecovias, nem a prefeitura de Diadema, onde ficava a ocupa��o, ofereceram assist�ncia �s fam�lias.
"Discuss�o do risco � muito importante, de fato, tem �reas em que as pessoas est�o sujeitas a riscos como deslizamento e enchente. Mas o problema quando se fala em risco � que ele precisa ser avaliado individualmente, fazer um laudo, examinar em outra escala, n�o em baciada", afirma Raquel Rolnik, da FAU.
"Ningu�m vai se pendurar numa pirambeira numa situa��o vulner�vel se tiver alternativas. Hoje se olha �reas sujeitas a risco e tira-se as pessoas, n�o se atende ningu�m, e muitas vezes as pessoas v�o embora para uma situa��o de risco ainda maior", diz a urbanista.
Jucelio, felizmente, conseguiu ajuda de uma conhecida para alugar informalmente uma casa em Diadema e ajuda das professoras dos tr�s filhos para comprar comida e roupas, mas sua situa��o ainda � de total inseguran�a.
"Estou pagando os empr�stimos que usei para construir, recebi meu sal�rio ontem e tive que pagar tudo para o meu patr�o, que tinha me emprestado. Ou seja, n�o recebi nada. N�o sei como vou fazer. � uma situa��o muito constrangedora, muito humilhante", diz ele, com medo de ter de mudar novamente sem saber para onde.
Mas despejos na pandemia s�o permitidos?
O Conselho Nacional de Justi�a (CNJ) emitiu uma resolu��o aconselhando que os tribunais n�o despejassem pessoas na pandemia, mas � apenas uma orienta��o, n�o uma regra, explica advogado Lincoln Rom�o Leite, especialista em Direito Imobili�rio do escrit�rio Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
Durante a pandemia, o Congresso aprovou uma lei proibindo despejos por decis�es liminares (preliminares e tempor�rias, normalmente dadas com rapidez). A proibi��o foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas passou a valer quando o Congresso derrubou o veto — alguns dias ap�s a remo��o da ocupa��o de Jucelio atrav�s de uma liminar.
No entanto, explica Rom�o Leite, decis�es normais de despejo, que n�o sejam dadas por liminar, continuam valendo.
Boa parte dos casos, no entanto, nem chegam � Justi�a, como o de Jorge Torres.
Sua filha Renata conta que a imobili�ria nem chegou a passar � propriet�ria do im�vel as propostas de outras formas de garantia que a fam�lia ofereceu quando descobriu que a empresa tinha esquecido de renovar o seguro fian�a.
"Eles queriam que fiz�ssemos uma seguro de 30 meses, sendo que o contrato terminava em um ano", conta ela. "N�s oferecemos outras garantias, como cau��o ou outras corretoras de seguro que aceitassem menos meses, mas eles disseram que a propriet�ria n�o topou. Depois conversando com a propriet�ria, descobri que eles nem apresentaram nossa proposta para ela", conta Renata.
"Imagina, um seguro para 30 meses ficaria muito mais caro, a gente n�o tem condi��es", conta Renata. "A gente nem pediu desconto no aluguel na pandemia, s� quer�amos uma solu��o amig�vel para a quest�o da garantia", conta ela.
"A imobili�ria est� querendo cobrar a multa por (encerramento) do contrato, sendo que foram eles que obrigaram meu pai a sair", conta ela, que tentou um acordo com a empresa sem sucesso. A imobili�ria, Dinamar Im�veis, n�o respondeu os contatos feitos pela BBC News Brasil sobre o caso.
No fim, a �nica solu��o encontrada pela fam�lia foi o idoso ir morar com a ex-esposa, m�e de Renata. "Eles estavam separados havia 15 anos, mas ela se sensibilizou", conta a filha.
"Ser desalojado j� � um processo traum�tico e com consequ�ncias grav�ssimas em termos normais. Na pandemia a situa��o � ainda muito mais grave", afirma Rolnik.
"A gente viu situa��es que chama de 'transitoriedade permanente', de pessoas que chegaram a ser removidas 8 vezes. E o principal conselho das autoridades de sa�de � 'fique em casa'. Como promover essa medida se as pessoas est�o sendo desalojadas?"
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O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
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Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.V�deo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronav�rus?
Como se prevenir?
A recomenda��o � evitar aglomera��es, ficar longe de quem apresenta sintomas de infec��o respirat�ria, lavar as m�os com frequ�ncia, tossir com o antebra�o em frente � boca e frequentemente fazer o uso de �gua e sab�o para lavar as m�os ou �lcool em gel ap�s ter contato com superf�cies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.V�deo: Flexibiliza��o do isolamento n�o � 'liberou geral'; saiba por qu�
Quais os sintomas do coronav�rus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
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- Tosse
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Em casos graves, as v�timas apresentam:
- Pneumonia
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Mitos e verdades sobre o v�rus
Nas redes sociais, a propaga��o da COVID-19 espalhou tamb�m boatos sobre como o v�rus Sars-CoV-2 � transmitido. E outras d�vidas foram surgindo: O �lcool em gel � capaz de matar o v�rus? O coronav�rus � letal em um n�vel preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar v�rias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS n�o teria condi��es de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um m�dico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronav�rus.Coronav�rus e atividades ao ar livre: v�deo mostra o que diz a ci�ncia
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