
A mesma l�gica pode valer do ponto de vista psicol�gico, contra outra "epidemia" atual — a de desinforma��o, manipula��o de informa��es e dissemina��o de fake news.
Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, est�o testando o quanto pequenas doses preventivas e "atenuadas" de t�cnicas de desinforma��o podem nos inocular contra o ambiente de not�cias falsas ou distorcidas na internet, particularmente em tempos de covid-19.
"(O objetivo) � criar uma esp�cie de resist�ncia psicol�gica contra a persuas�o, para que, no futuro, quando voc� estiver exposto � desinforma��o, ela seja menos convincente, porque voc� ter� 'anticorpos'", explica � BBC News Brasil Jon Roozenbeek, pesquisador do Laborat�rio de Tomada de Decis�es Sociais do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge.
"Em outras palavras, se voc� conhece as t�cnicas e os truques usados para enganar as pessoas ou persuadi-las, voc� ter� menos probabilidade de cair neles."
Uma dessas vacinas em teste � um jogo online chamado Go Viral! ("Viralize", em tradu��o livre, e dispon�vel em portugu�s aqui), com dura��o de pouco mais de cinco minutos.
Nele, o jogador assume o personagem de algu�m que quer viralizar na internet a qualquer custo. Nesse papel, ele coloca em pr�tica as t�ticas mais usadas para disseminar desinforma��o e not�cias falsas, e essas t�ticas podem ser resumidas em tr�s pontos:
1) Explorar as emo��es do espectador. Not�cias falsas costumam ser redigidas ou manipuladas de forma a nos causarem raiva, indigna��o, medo, ang�stia e, por consequ�ncia, provocar o �mpeto de rapidamente compartilharmos aquele conte�do. � assim que esse conte�do desinformativo vai ganhando mais alcance.

2) Inventar especialistas quaisquer para sustentar alega��es, quaisquer que elas sejam, dando a elas um falso lastro, ou uma falsa aura de import�ncia.
3) Alimentar teorias da conspira��o, as quais fornecem a seus seguidores explica��es coerentes (mesmo que falsas) e bodes expiat�rios ideais para complexos problemas globais. Atraentes, essas teorias costumam gerar bastante engajamento na internet.
"Especialmente em tempos de crise, as pessoas procuram uma hist�ria coerente por tr�s da loucura. Os seus seguidores est�o contando com voc� para fornecer isso. Talvez seja hora de criar sua pr�pria teoria", sugere o Go Viral! j� na etapa final de "imuniza��o" do jogo.
Em estudo publicado em maio no peri�dico Big Data & Society, Roozenbeek e seus colegas submeteram usu�rios do Go Viral! a question�rios e identificaram que, de modo geral, os jogadores aumentaram a percep��o a respeito de o que � ou n�o manipula��o no notici�rio da pandemia de covid-19.
Os jogadores tamb�m ganharam mais confian�a em sua habilidade de identificar conte�do manipulador — e, por consequ�ncia, muitos deixaram de compartilhar essas fake news com outras pessoas.
Agora, os pesquisadores querem entender quanto tempo dura essa inocula��o, ou seja, por quanto tempo o entendimento dessas t�cnicas de manipula��o permanece "fresco" na mente dos jogadores.

"O tempo m�nimo (da inocula��o) parece ser de ao menos uma semana e o tempo m�ximo n�o � conhecido, mas sabemos que os efeitos se reduzem ao longo do tempo, a n�o ser que as pessoas recebam uma dose extra (de inocula��o), assim como nas vacinas contra a covid-19", prossegue Roozenbeek.
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Outros estudos a respeito de educa��o midi�tica em geral tamb�m apontam que a��es constantes de combate � desinforma��o t�m mais chances de sucesso do que interven��es meramente pontuais.
Uma das apostas � que, como qualquer outro tipo de conhecimento, coloc�-lo em pr�tica ajuda a mant�-lo vivo. Segundo a pesquisa de Cambridge, o mero ato de ranquear posts nas redes sociais com base em sua aparente confiabilidade j� fez os participantes do estudo manterem sua "imunidade psicol�gica" em n�veis mais altos.
'Imunidade de rebanho'?
A estrat�gia de inocula��o preventiva � chamada tamb�m de "prebunking", palavra derivada de debunking que significa desmascarar em ingl�s. A ideia � que, al�m de checar e apontar falsidades em conte�dos ou falas de pol�ticos (a��o que tamb�m � importante, por sinal), seja poss�vel ensinar aos usu�rios de internet a se prevenir deles.
Desse modo, em vez de se concentrar apenas em determinado post ou teoria conspirat�ria, foca-se no funcionamento das estrat�gias por tr�s delas — o que permite, em tese, aumentar a escala da inocula��o.
Mas ser� que existe uma imunidade de rebanho psicol�gica?
"Teoricamente sim. Na pr�tica, tenho minhas d�vidas", responde Roozenbeek.
"Fisicamente, a imunidade de rebanho reduz a praticamente nada a chance de circula��o de um v�rus. Imunidade de rebanho contra sarampo significa que ningu�m tem sarampo. Contra a desinforma��o n�o funcionaria dessa forma — seria inating�vel, com qualquer interven��o que seja", diz ele.
"Mas o que � teoricamente alcan��vel, e fizemos algumas modelagens disso, � reduzir a suscetibilidade � desinforma��o, n�o necessariamente no n�vel individual, mas no de rede. Presumindo que certa porcentagem de pessoas dessa rede estaria inoculada, reduz-se a quantidade de desinforma��o que � consumida e compartilhada."

Ainda � preciso descobrir se essa modelagem poder� ser replicada na vida real, diz o pesquisador, "principalmente diante de efeitos como o das 'bolhas de internet' (grupos de pessoas de vis�es de mundo parecidas, cujo consumo de informa��es refor�a essa vis�o de mundo), como o das comunidades antivacina".
"Esses grupos s�o menos suscet�veis a interven��es e a mudar de ideia. N�o � realista achar que um jogo vai mudar isso", assinala Roozenbeek. "Em vez disso, queremos prevenir que algumas pessoas iniciem esse tipo de comportamento indesejado."
Al�m do Go Viral!, outros jogos, v�deos e interven��es est�o sendo testados por Roozenbeek e seus colegas.
Aqui, uma ressalva: "N�o queremos uma interven��o que diga 'acredite apenas em verdades e n�o em mentiras'. N�o seria realista. Nem queremos dizer 'eu, pesquisador acad�mico, tenho a verdade e voc� deve acreditar em mim'.
Isso seria errado e com grande chance de n�o funcionar. Ent�o nosso objetivo com esses jogos � mostrar �s pessoas como elas podem ser manipuladas na internet, e n�o cabe a n�s (determinar) o que elas v�o fazer com essa informa��o. O que nos cabe � fazer a interven��o mais precisa na hora de diferenciar informa��o da desinforma��o."
A desinforma��o na pandemia
A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) definiu a pandemia de covid-19 como a "primeira da hist�ria em que a tecnologia e as redes sociais s�o usadas em escala massiva", tanto ajudando a levar dados cient�ficos e preventivos importantes � popula��o em geral, quanto disseminando um volume sem precedentes de informa��es falsas ou cientificamente contest�veis na �rea da sa�de.
No Brasil, um exemplo vem do pr�prio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que constantemente fez defesas, em a��es governamentais e lives na internet, do chamado "tratamento precoce", apesar de sucessivas ag�ncias de sa�de e estudos cient�ficos terem conclu�do que os medicamentos desse kit demonstraram n�o ter poder de prevenir a covid-19.
"A desinforma��o custa vidas", afirmou a OMS em setembro passado, em comunicado conjunto com outras ag�ncias da ONU a respeito da crise de not�cias falsas na pandemia. "Sem a confian�a adequada e a informa��o correta, testes diagn�sticos acabam inutilizados, campanhas de imuniza��o (ou de promo��o de vacinas) n�o alcan�ar�o seus objetivos, e o v�rus continuar� a avan�ar."
Roozenbeek, de Cambridge, concorda a respeito do efeito nocivo da desinforma��o. Ao mesmo tempo, tem uma abordagem cautelosa sobre o alcance desse problema.
"Nem todo mundo acredita em tudo", argumenta. "Claramente observamos o efeito negativo de se espalhar desinforma��o; sabemos que pessoas n�o tomam vacinas por acreditarem em inverdades (...), sabemos que essas cren�as t�m o poder de afetar comportamentos. Mas tamb�m � verdade que a exposi��o � desinforma��o e a cren�a nela s�o assim�tricos: a vasta maioria exposta n�o acaba acreditando."
"Para mim, o importante � sabermos mais sobre os motivadores da suscetibilidade � desinforma��o, desde sua distribui��o geogr�fica, por grupos de redes sociais, etc. E projetar preven��es com isso em mente."
Por fim, diz o pesquisador, h� aspectos desse fen�meno que v�o al�m da psicologia e da ci�ncia comportamental, por n�o serem individuais, e sim estruturais - relacionados, por exemplo, aos algoritmos que regem as redes sociais e que t�m o poder de estimular o consumo de not�cias falsas como uma forma de ampliar o engajamento dos usu�rios e o tempo que eles passam conectados.
Por isso, "� ben�fico olhar para o problema de modo hol�stico", defende Roozenbeek. "Uma discuss�o cient�fica sobre isso n�o deve focar exclusivamente na psicologia ou em qualquer outra quest�o isoladamente."
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