
“Cofundador e diretor geral da Netflix preso por posse de material pornogr�fico infantil. Reed Hastings preso por agentes do FBI em sua casa na Calif�rnia”, asseguram publica��es compartidas dezenas de vezes em redes sociais, mencionando a suposta not�cia de 12 de setembro de 2020.
No entanto, esta informa��o foi publicada originalmente por apenas um site, que logo deletou o artigo. N�o h� qualquer outro registro da suposta pris�o. A alega��o surge em meio a uma campanha de boicote contra a Netflix devido ao lan�amento do filme franc�s “Mignonnes” (“Cuties”, em ingl�s).
A suposta not�cia foi publicada no Facebook (1, 2, 3), Twitter e Instagram. Algumas das postagens incluem um link para um artigo em ingl�s publicado em 12 de setembro no site Toronto Today, do j� qual foi deletado, mas que ainda pode ser acessado em sua vers�o arquivada.
“Cofundador e diretor geral da Netflix preso por posse de material pornogr�fico infantil. Reed Hastings preso por agentes do FBI em sua casa na Calif�rnia, 13.000 ficheiros encontrados no seu Notebook e casa. Hastings enfrenta 11 acusa��es”, come�am as publica��es.
Mensagens semelhantes circulam em espanhol, ingl�s, alem�o e italiano.
O site Toronto Today, que come�ou a operar em 7 de julho de 2020, se descreve como um portal que “conta aquilo que os ve�culos parciais e corporativos n�o contam”.
Buscas no Google e em redes sociais com a ferramenta CrowdTangle n�o localizam qualquer outra fonte que tenha reportado a suposta pris�o.
Uma pesquisa no Google por palavras-chave presentes no texto do artigo original revela que v�rios detalhes, incluindo os “mais de 13.000 arquivos” de pornografia infantil, dos quais 279 retratavam v�timas identificadas pelo Centro Nacional para Crian�as Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos, s�o id�nticos aos de uma reportagem sobre a pris�o de um empres�rio de Utah, nos Estados Unidos, em dezembro do ano passado.
Por outro lado, n�o existem registros de fontes oficiais sobre a alegada deten��o de Hastings. O FBI n�o publicou qualquer comunicado sobre a suposta pris�o, como faz frequentemente ap�s a deten��o de figuras conhecidas.
A equipe de checagem da AFP entrou em contato com o FBI e com a assessoria de imprensa da Netflix para obter mais detalhes, mas n�o obteve resposta at� a publica��o deste artigo.
O Centro Nacional para Crian�as Desaparecidas e Exploradas citado nas postagens � uma organiza��o sem fins lucrativos norte-americana cuja miss�o � ajudar a encontrar crian�as desaparecidas e acabar com a explora��o sexual infantil. A alega��o viralizada garante que a pol�cia enviou os arquivos encontrados com Hastings a essa institui��o.
No entanto, buscas pelas palavras-chave “Netflix” e “Hastings” dentro do site do centro n�o leva a qualquer resultado sobre a suposta pris�o do fundador da plataforma.
Outra institui��o norte-americana mencionada no artigo original � a For�a Tarefa de Crimes contra Crian�as na Internet (ICAC, na sigla em ingl�s), criada para ajudar as ag�ncias de seguran�a federais, estatais e locais a responder melhor em casos de explora��o sexual de menores por meio da Internet. O texto afirma que esta organiza��o “ajudou a executar a busca” dos arquivos de pornografia infantil que estariam sob posse de Hastings.
No entanto, buscas pelas mesmas palavras no site da ICAC (1, 2) tamb�m n�o levam a qualquer resultado.
Boicote � Netflix
No �ltimo dia 10 de setembro, milhares de internautas usaram as redes sociais para pedir um boicote � Netflix, acusada de promover a sexualiza��o de menores de idade por ter decidido difundir em sua plataforma o filme franc�s “Mignonnes” (“Cuties”, no Brasil).
Mais de 200 mil tu�tes foram publicados com a hashtag #CancelNetflix (Cancelem a Netflix), levando a campanha aos assuntos mais comentados do mundo no Twitter. Neste contexto, alguns usu�rios chegaram a pedir a deten��o do CEO da companhia.
As rea��es vieram de todas as tend�ncias pol�ticas nos Estados Unidos, mas especialmente de representantes republicanos. O senador Ted Cruz enviou uma carta ao Departamento de Justi�a solicitando que o �rg�o investigue se “a Netflix, seus executivos ou os criadores do filme ‘Cuties’ violaram leis federais contra a produ��o e distribui��o de pornografia infantil”.
O senador pelo estado de Missouri Josh Hawly pediu, por sua vez, explica��es sobre o filme e sua remo��o da plataforma em uma carta dirigida a Hastings.
Deeply disturbing: Netflix aggressively promoting new movie sexualizing children. Hollywood should not be celebrating & making $$ off of the sexual abuse of 11-year-old girls. This is not OK. https://t.co/GYZMVvKBO4
— Ted Cruz (@tedcruz) September 11, 2020
O filme estreou em cinemas franceses em meados de agosto. Durante a divulga��o de seu lan�amento na Netflix, a companhia recebeu a primeira onda de cr�ticas que a obrigou a alterar o p�ster do longa metragem. A plataforma tamb�m pediu desculpas por empregar uma imagem de divulga��o “inapropriada”.
Em 12 de setembro, dia da suposta pris�o de Hastings, o empres�rio estava ativo no Twitter, onde publicou um artigo do portal especializado em tecnologia e cultura The Verge sobre como a campanha de marketing da Netflix para este filme levou a “uma teoria conspirat�ria e a uma campanha de ass�dio do QAnon”, em refer�ncia ao movimento nascido em c�rculos de partid�rios do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 2017.
A teoria QAnon afirma que o mundo � dirigido por for�as ocultas, envolvidas em redes ped�filas internacionais e que buscam estabelecer uma “nova ordem mundial”. Seu nome vem de Q, um misterioso funcion�rio que estaria tentando frustrar esse compl�.
As publica��es virais sobre o diretor executivo da Netflix foram compartilhadas por m�ltiplos perfis associados ao QAnon (1, 2, 3). Diversas destas publica��es incluem a hashtag #SaveTheChildren (Salvem as crian�as), amplamente utilizada, entre outros, pelos seguidores da teoria QAnon.
“O que o QAnon fez foi agrupar v�rias formas de teorias conspirat�rias antiped�filas que existiam antes na Internet para racionaliz�-las para um p�blico conservador mais amplo”, explicou Brian Friedberg, pesquisador do Centro Shorenstein de Harvard sobre M�dia, Pol�tica e Pol�ticas P�blicas, consultado pela AFP para outra verifica��o sobre teorias impulsionadas pelo QAnon.
A vers�o falsa sobre a suposta pris�o de Hastings tamb�m foi verificada em ingl�s pela equipe do Snopes.
Em resumo, o diretor executivo da Netflix, Reed Hastings, n�o foi preso por posse de pornografia infantil. A suposta not�cia foi publicada por apenas um site, que logo deletou a alega��o. N�o h� qualquer outro registro de que uma pris�o tenha ocorrido. A desinforma��o surge em meio a uma campanha de boicote � Netflix, devido � divulga��o do filme franc�s “Mignonnes”, acusado de sexualizar crian�as e de promover a pedofilia.