Publica��es compartilhando a captura de tela do t�tulo de uma mat�ria datada de 27 de dezembro de 2021 indicam que a Pfizer teria admitido que a cada um milh�o de crian�as vacinadas com seu imunizante contra a covid-19 apenas duas seriam salvas e 179 teriam chance de ter miocardite.
“Pfizer admite: a cada 1 milh�o de crian�as vacinadas, s� 2 ser�o salvas e 179 podem ter miocardite”, assinala o t�tulo do artigo publicado pelo site Brasil Sem Medo em 27 de dezembro de 2021, agora j� apagado.
No subt�tulo era assinalado: “Apesar do baixo custo benef�cio e dos constantes alertas, o experimento em crian�as com a vacina da Pfizer foi autorizado no Brasil pela Anvisa, que tem minimizado os riscos”.
O link e a captura de tela da mat�ria foram circularam amplamente no Facebook (1, 2), Instagram (1), Twitter (1) e Telegram (1).

Anteriormente j� havia sido compartilhado nas redes sociais uma tabela, ou um link, com a alega��o de que um “estudo da Pfizer, submetido ao FDA, estima q p/cada 1 milh�o de doses aplicadas,em crian�as de 05 a 11 anos,ser� evitado 01 morte. Neste mesmo universo,a cada milh�o de doses da Pfizer aplicadas, teremos 179 casos miocardites”.
O arquivo de onde os dados foram retirados � um documento informativo da FDA sobre o pedido de autoriza��o da Pfizer-BioNTech para administrar sua vacina contra a covid-19 em crian�as de 5 a 11 anos nos Estados Unidos.
Com data de 26 de outubro de 2021, ele re�ne os dados de seguran�a e efic�cia da vacina apresentados pela farmac�utica e as principais exig�ncias do �rg�o para aprovar o pedido - o que ocorreu em 29 de outubro.
A partir da p�gina 32 do documento, � detalhada uma an�lise de risco-benef�cio conduzida pela FDA ao avaliar a solicita��o da Pfizer. Nessa se��o, constam os n�meros citados nas redes em seu contexto original.
A an�lise da FDA
A FDA montou um modelo de previs�es para estimar quantas infec��es, hospitaliza��es, interna��es em UTI e mortes por covid-19 seriam evitadas a cada um milh�o de crian�as de 5 a 11 anos totalmente vacinadas contra o coronav�rus nos Estados Unidos.
O modelo tamb�m tinha como objetivo prever quantos casos de miocardite, hospitaliza��es, interna��es em UTI e �bitos atribu�dos � condi��o card�aca poderiam ser gerados ap�s a vacina��o, considerando a mesma quantidade de crian�as imunizadas.
O risco de miocardite foi avaliado uma vez que casos muito raros dessa inflama��o do m�sculo card�aco t�m sido reportados ap�s a segunda dose de vacinas de RNA mensageiro, como � o caso do imunizante da Pfizer. At� janeiro de 2022, as autoridades de sa�de seguiam investigando a poss�vel rela��o entre esse efeito e a vacina��o.
Para calcular a probabilidade desses riscos e benef�cios, a FDA estipulou seis cen�rios, com diferentes taxas de incid�ncia de covid-19 na popula��o, diferentes taxas de efic�cia da vacina, diferentes taxas de mortalidade e de casos de miocardite entre crian�as de 5 a 11 anos.
Para cada um desses cen�rios, foram estimadas quantas infec��es, hospitaliza��es, interna��es em UTI e mortes por covid-19 poderiam ser evitadas e quantos casos, hospitaliza��es, interna��es em UTI e mortes atribu�das � miocardite poderiam ser gerados. Os resultados foram reunidos nesta tabela:

Nas redes sociais, indica-se que apenas duas crian�as seriam “salvas” pela vacina da Pfizer. Esse n�mero pode ser visto na tabela 14 nos cen�rios 2 e 4, quando considerada apenas a imuniza��o de meninas. Em rela��o aos 179 casos de miocardite, essa cifra consta nos cen�rios de 1 a 5, ao levar em conta somente a vacina��o de meninos - g�nero mais afetado por essa condi��o card�aca.
As publica��es n�o mencionam, no entanto, que os dois cen�rios de imuniza��o de um milh�o meninas de 5 a 11 anos evitaria entre 54.345 e 57.938 novas infec��es por covid-19, enquanto a incid�ncia de miocardite seria de 32 casos.
Nas circunst�ncias que levam em considera��o a vacina��o de um milh�o de meninos de 5 a 11 anos, a vacina��o evitaria entre 44.790 e 57.857 novas infec��es por covid-19 - n�mero mais de 250 vezes superior aos 179 casos de miocardite previstos.
Ou seja, as postagens viralizadas comparam dados diferentes dentro de um mesmo estudo, j� que a preven��o de duas mortes em decorr�ncia do coronav�rus � vista no g�nero feminino, e os 179 casos de miocardite, no masculino.
Al�m disso, levando em considera��o os dois g�neros, o n�mero de hospitaliza��es por covid-19 que poderiam ser evitadas (entre 21 e 254) � consideravelmente maior do que o n�mero de hospitaliza��es por miocardite que poderiam ser geradas (9 e 98). De maneira semelhante, o modelo da FDA previu mais interna��es em UTI por covid-19 evitadas (entre 7 e 83) do que geradas por miocardite (5 e 57).
A FDA n�o previu, por fim, nenhuma morte por miocardite associada � vacina��o desta faixa et�ria em qualquer um dos cen�rios avaliados.
A ag�ncia norte-americana concluiu que, “no geral, os benef�cios da vacina superam seus riscos em crian�as de 5 a 11 anos de idade”.
Vacina��o no Brasil
No Brasil, a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) autorizou em 16 de dezembro de 2021 a vacina��o com o imunizante da Pfizer para crian�as entre 5 e 11 anos com “dosagem e composi��o diferentes daquela utilizada para os maiores de 12 anos”.
Dados divulgados pela imprensa, pelo Minist�rio da Sa�de e por organismos de sa�de (1, 2, 3) mostram que as crian�as, de fato, t�m sido afetadas pelo novo coronav�rus.
A Organiza��o Mundial da Sa�de constatou em um comunicado de 24 de novembro de 2021 que, “no geral, h� proporcionalmente menos infec��es sintom�ticas e casos com doen�a grave e mortes por covid-19 em crian�as e adolescentes, em compara��o com grupos de idade mais avan�ada”. Contudo, esse grupo pode apresentar sintomas prolongados e at� mesmo sequelas agudas ap�s a infec��o, e que tais condi��es ainda est�o sob investiga��o.
Para o infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento Cient�fico de Imuniza��es da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), “os dados americanos, que s�o mais conservadores que os nossos - porque aqui se hospitaliza e se morre muito mais -, apontam para uma rela��o muito favor�vel de risco-benef�cio. Um benef�cio muito grande”, indicou � AFP.
“Quando se introduz uma vacina, n�o se introduz somente para prevenir morte. Muitas das vacinas do calend�rio infantil - catapora, caxumba, rub�ola, febre amarela, gripe - s�o [para] doen�as que matavam muito menos antes da introdu��o da vacina do que a covid-19 mata. E nem por isso a gente deixou de introduzir a vacina ou deixa de recomendar”, continuou o especialista.
“Voc� vacina para prevenir hospitaliza��o, sequela, sofrimento, dor, transmiss�o, uso de antibi�tico, ocupa��o de leito hospitalar. A carga da doen�a � muito grande”, acrescentou.

Estimativa “pr�-vida real”
Os 179 casos de miocardite citados nas redes s�o, al�m disso, uma “estimativa pr�-vida real”, destacou � AFP o pediatra e infectologista Marcio Nehab, do Instituto Nacional de Sa�de da Mulher, da Crian�a e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz).
“A FDA, quando aprovou, fez uma estimativa que n�o foi o que aconteceu na vida real. Esses dados n�o se comprovaram”, disse Nehab, encaminhando um documento dos Centros para o Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos de 13 de dezembro de 2021.
O arquivo re�ne os efeitos adversos reportados em crian�as de 5 a 11 anos desde o in�cio da vacina��o desta faixa et�ria nos Estados Unidos. Com mais de 7 milh�es de doses pedi�tricas aplicadas (5.126.642 primeiras doses e 2.014.786 segundas), foram reportados 14 casos de miocardite.
Desses, somente oito atenderam � defini��o de “caso de miocardite” dos CDC. Em seis dos casos com desfecho monitorado, cinco j� se recuperaram dos sintomas.
“A maior parte dos pacientes com miocardite ou pericardite que recebeu tratamento respondeu bem aos rem�dios e ao repouso e se recuperou rapidamente”, resumiram os CDC na se��o de seu site sobre esse poss�vel efeito adverso raro da vacina.
Mesmo que esses n�meros tivessem se confirmado, destacou Marcio Nehab, isso n�o quer dizer que eles seriam compat�veis com o cen�rio brasileiro.
“Para dizer isso voc� tem que fazer uma an�lise multifatorial. Ver como � o acesso � sa�de naquele pa�s - que � o maior problema nesse pa�s que a gente mora, diferente do deles -, quais s�o as condi��es sociais, raciais, de mobilidade urbana, de utiliza��o de medidas n�o farmacol�gicas - como utiliza��o de m�scaras, de lockdown, de distanciamento social -, ajuda econ�mica que voc� vai dar para a popula��o. Ent�o existem dezenas de fatores que enviesam a an�lise da FDA, nos Estados Unidos, para o Brasil”, explicou o pediatra e infectologista.
Os especialistas apontaram, ainda, que a chance de desenvolver miocardite � maior se a crian�a contrair a covid-19. “Lembrando que com a covid-19, o risco de miocardite � muito maior do que com a vacina”, comentou Renato Kfouri.
“Ent�o todos os pa�ses do mundo, mesmo conhecendo o risco desse evento rar�ssimo, mant�m a vacina��o entendendo que o n�mero de casos, hospitaliza��es, transmiss�o, s�ndrome inflamat�ria evitadas com a vacina��o supera de longe esse rar�ssimo evento adverso. [...] Sem d�vida, nenhum pa�s do mundo estaria vacinando suas crian�as se o risco fosse maior que o benef�cio”, concluiu.
O Checamos j� verificou outras alega��es (1, 2) sobre a vacina��o em crian�as contra a covid-19.