Circula nas redes sociais a alega��o de que o governo do Reino Unido divulgou um relat�rio afirmando que pessoas totalmente vacinadas representam 9 em cada 10 mortes por covid-19 na Inglaterra atualmente.
Especialistas apontaram � AFP que, sem considerar o contexto das mortes, as cifras podem desinformar, mesmo que sejam reais.
“Enquanto voc� se distrai com a invas�o da R�ssia, o governo do Reino Unido divulgou um relat�rio confirmando que os totalmente vacinados agora representam 9 em cada 10 mortes por Covid-19 na Inglaterra”, diz uma das publica��es compartilhadas no Twitter.
Conte�do similar circula no Telegram, no Instagram e no Facebook, somando mais de 60 mil intera��es.

Algumas mensagens s�o acompanhadas por um gr�fico que mostraria o n�mero de �bitos por covid-19 segundo o status vacinal na Inglaterra. Uma busca por palavras-chave em ingl�s com o site marcado no canto inferior esquerdo desse quadro, “TheExpose.uk”, levou a um artigo publicado em 1º de mar�o de 2022. A AFP j� verificou conte�dos divulgados nesse portal em outras ocasi�es.
Em tradu��o livre do ingl�s, o texto tem como t�tulo: “Enquanto voc� esteve distra�do com a invas�o da R�ssia, o governo do Reino Unido divulgou um relat�rio confirmando que totalmente vacinados agora correspondem a 9 em cada 10 mortes por covid-19 na Inglaterra”. O artigo compartilha dados sobre vacinados e n�o vacinados na Inglaterra e cita como fonte um relat�rio de vigil�ncia do governo brit�nico publicado em 24 de fevereiro de 2022.
O link para esse artigo foi compartilhado centenas de vezes em idiomas como ingl�s, espanhol, franc�s e italiano, segundo mostra uma pesquisa na ferramenta CrowdTangle.
Relat�rio oficial
Uma nova busca por palavra-chave no Google com os termos “uk report vaccines week 8”, mencionados no artigo, permitiu encontrar o documento oficial e identificar a tabela que serviu como base para as publica��es viralizadas.
Nela, s�o descritas as mortes por covid-19 por status de vacina��o e por faixa et�ria na Inglaterra, 28 dias depois de um teste positivo para a doen�a, entre 30 de janeiro e 20 de fevereiro de 2022.
H�, no total, 4.883 �bitos registrados nesse per�odo. Excluindo as mortes listadas como “unlinked”, correspondentes a indiv�duos cujo n�mero de cadastro no sistema p�blico de sa�de n�o est� dispon�vel, chega-se � cifra total compartilhada por usu�rios: 4.861.
Desses, 3.120 equivalem a indiv�duos que receberam tr�s doses da vacina, ao que o Expos� UK destaca: “Isso confirma mais uma vez que a grande maioria [de mortes] foi registrada entre a popula��o triplamente vacinada”.
Contudo, ao contr�rio do que afirmam as publica��es, essa popula��o “totalmente vacinada” representa 6,4 em cada 10 mortes por covid-19 na Inglaterra, e n�o 9. O grupo correspondente a essa m�trica (9 em cada 10) � o que soma vacinados com uma, duas e tr�s doses.
Al�m disso, o portal n�o inclui em sua representa��o visual a ressalva contida no relat�rio, que destaca que os dados “devem ser interpretados com cuidado”. Na nota de rodap� da tabela, o governo brit�nico ressalta:
“No contexto de uma cobertura vacinal muita alta na popula��o, mesmo com uma vacina altamente efetiva, � esperado que uma grande propor��o de casos, hospitaliza��es e mortes ocorra em indiv�duos vacinados, simplesmente porque uma propor��o maior da popula��o est� vacinada, em vez de n�o vacinada, e nenhuma vacina � 100% efetiva”.
E finaliza sua observa��o: “Isso � especialmente verdade porque a vacina��o foi priorizada em indiv�duos que s�o mais suscet�veis ou enfrentam maior risco de desenvolver a doen�a grave”.
A imagem abaixo mostra essas notas sobre a interpreta��o dos dados:

Entre as pessoas mais suscet�veis a desenvolverem a forma grave da doen�a que tiveram a vacina��o priorizada, e portanto t�m altas taxas de vacina��o, inclusive com tr�s doses, est� o grupo de imunossuprimidos.
Essa popula��o, que “n�o tem o sistema imunol�gico funcionando em sua perfeita normalidade”, como explicou ao Checamos o imunologista e pesquisador de vacinas na Universidade de S�o Paulo (USP) Gustavo Cabral em outubro de 2021, atingiu a marca de 87,5% de vacinados na Inglaterra em fevereiro de 2022, segundo mostra a tabela 5 do mesmo relat�rio.
Assim como a imunossupress�o, idade e outras comorbidades tamb�m s�o fatores de risco que devem ser considerados ao analisar dados de �bitos por covid-19, acrescentou Mauro Sanchez, epidemiologista da Universidade de Bras�lia (UnB) e pesquisador do Cidacs/Fiocruz.
“O sistema imunol�gico do idoso n�o tem a mesma capacidade de resposta que o de uma pessoa de 30, 40 anos. As comorbidades tamb�m geram um risco aumentado”, afirmou Sanchez � AFP em 16 de fevereiro de 2022, ressaltando, contudo, que isso n�o tira a validade e import�ncia da vacina contra o SARS-CoV-2, que impede que o n�mero de mortes por covid-19 seja maior.
Fal�cia da taxa base
Um artigo publicado em 23 de novembro de 2021 na plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, explica por que n�o se deve olhar para n�meros absolutos de mortes entre pessoas vacinadas e n�o vacinadas, e, em vez disso, analisar taxas de �bitos por status vacinal.
“Compara��es entre n�meros absolutos, como algumas manchetes fazem, s�o um erro conhecido em estat�stica como ‘fal�cia da taxa base’: ignora-se o fato de que um grupo � muito maior que o outro”.
O texto ressalta a necessidade de considerar que, em um n�mero cada vez maior de pa�ses, o contingente de indiv�duos vacinados � muito maior do que o de n�o vacinados.
� o que tamb�m disse ao Checamos o cientista de dados Marcelo Oliveira, integrante do Infovid, grupo interdisciplinar dedicado � divulga��o de informa��es cient�ficas sobre a covid-19.
“A taxa base corresponde a quanto algo � esperado em determinada popula��o”, explicou, usando uma analogia para elucidar como ocorre a fal�cia da taxa base: “Seria o mesmo que olhar se os que morreram eram canhotos ou destros, ver que destros s�o 90% dos �bitos e dizer que ser destro � comorbidade. A popula��o no geral � 90% destra”.
O m�dico Marc Rumilly abordou o mesmo fen�meno em sua conta no Twitter, com um diagrama comparando hospitaliza��es por covid-19 entre grupos de n�o vacinados e de vacinados:
Apparently this picture I made that was part of a post 4 months ago recently went viral. Here's a new & improved version that includes the explanation in the image. Feel free to use/share it! pic.twitter.com/JoqWF8uyXS
— Marc Rumilly (@MarcRummy) November 26, 2021
De acordo com um painel oficial atualizado em 8 de mar�o de 2022, 91,6% da popula��o da Inglaterra havia recebido uma dose da vacina; 85,3%, duas doses; e 66,1%, tr�s doses.
�bitos por 100 mil habitantes
Em outro trecho do relat�rio brit�nico, h� uma tabela que informa sobre taxas de infec��o, hospitaliza��o e mortes por covid-19 entre indiv�duos vacinados com pelo menos tr�s doses e n�o vacinados.
Uma compara��o entre as taxas de �bito por 100 mil habitantes entre essas pessoas nos mesmos 28 dias ap�s o teste positivo para covid-19 mostra que, quando a taxa � ajustada ao tamanho da popula��o, a incid�ncia de mortes entre os vacinados � menor.

Portanto, ainda que as cifras apresentadas nas mensagens virais correspondam �s mortes de vacinados com uma, duas e tr�s doses, elas n�o equivalem aos “totalmente vacinados” e desinformam, j� que n�o levam em conta as vari�veis inerentes aos dados. “N�o adianta comparar n�meros absolutos sem o devido contexto”, concluiu Oliveira.
Esta verifica��o foi realizada com base em informa��es cient�ficas e oficiais sobre o novo coronav�rus dispon�veis na data desta publica��o.