Com base em um artigo cient�fico, publica��es compartilhadas nas redes sociais centenas de vezes desde 4 de mar�o de 2022 afirmam que a Moderna, empresa farmac�utica e fabricante de um dos imunizantes contra a covid-19, criou o SARS-CoV-2, v�rus causador da doen�a.
“Evid�ncias bioqu�micas e estat�sticas oficiais 100% confirmam que a Moderna criou o Covid-19”, l�-se em uma publica��o no Twitter. Alega��es com teor semelhante tamb�m foram compartilhadas no Facebook (1, 2).
Conte�do similar tamb�m circula em ingl�s.
“Surgiram evid�ncias que provam, sem sombra de d�vida, que o v�rus Covid-19 foi criado pela mesma gigante farmac�utica que ganhou bilh�es com a venda de uma inje��o experimental Covid-19; Moderna”, diz o texto ao qual remetem algumas das publica��es, que menciona como fonte o site The Expos�.
Outras mensagens remetem diretamente ao portal brit�nico, que j� difundiu informa��es de sa�de falsas ou imprecisas anteriormente verificadas pela AFP.

Em seu texto, o The Expos� cita um estudo publicado no peri�dico Frontiers in Virology (Fronteiras em Virologia, em portugu�s), revisado por pares acad�micos, que mostra o sequenciamento do v�rus causador da covid-19.
O site afirma que, como o estudo mostra que uma por��o de 19 nucleot�deos do genoma do SARS-CoV-2 seria uma correspond�ncia complementar a uma sequ�ncia patenteada pela Moderna em 2017, dois anos antes do in�cio da pandemia, a empresa teria criado o v�rus que j� causou mais de 6 milh�es de mortes em todo o mundo.
Em 17 de mar�o a Moderna solicitou � ag�ncia de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA, por sua sigla em ingl�s) autoriza��o para o uso emergencial da segunda dose de refor�o do imunizante produzido pela farmac�utica para adultos, e, em 23 de mar�o, anunciou que estava buscando a aprova��o regulat�ria de sua vacina contra a covid-19 para crian�as menores de seis anos.
A AFP entrou em contato com a Moderna, mas n�o obteve retorno at� a publica��o deste artigo.
O principal autor do estudo citado no texto viral, Bala Ambati, disse que a pesquisa tinha como objetivo investigar a causa do surto do v�rus, em meio ao debate sobre a sua origem.
“N�o estamos lan�ando cal�nias sobre qualquer pessoa, empresa ou pa�s, mas levantando a hip�tese de que a recombina��o em uma linhagem de c�lulas humanas com um vazamento de laborat�rio pode ser a origem do SARS-CoV-2”, afirmou Ambati, m�dico oftalmologista e professor na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos.
De acordo com ele, tanto as teorias de vazamento de laborat�rio quanto de contamina��o natural s�o plaus�veis em rela��o � origem do coronav�rus, com base nas evid�ncias dispon�veis.
Embora a origem exata do SARS-CoV-2 permane�a desconhecida, pr�-prints recentes - pesquisas que ainda n�o foram revisados por pares cient�ficos -, sustentam a ideia de que o v�rus foi transmitido de animais para pessoas em um mercado de frutos do mar em Wuhan, na China, em 2019.
Mas a teoria de um acidente de laborat�rio ainda n�o foi descartada.
"O problema com a maioria dessas hip�teses � que elas n�o s�o test�veis prospectivamente. Queremos estimular a discuss�o entre todos os envolvidos em ambos 'lados' da quest�o para tentar produzir experimentos prospectivos que possam provar ou refutar suas hip�teses", disse Ambati.
No entanto, o artigo de Ambati foi recebido com duras cr�ticas por tr�s virologistas nos Estados Unidos.
“Lixo completo”
O professor de imunobiologia da Faculdade de Medicina de Yale, Craig Wilen, contestou a legitimidade do manuscrito publicado na Frontiers in Virology, dizendo: "Esse 'estudo' e 'hip�tese' s�o um lixo completo e mais se parece com uma teoria da conspira��o do que com evid�ncias ou pesquisas".
O genoma do SARS-CoV-2 tem cerca de 30.000 nucleot�deos, por isso Wilen afirmou que “a ideia de que uma sobreposi��o de uma sequ�ncia de 19 nucleot�deos prova qualquer coisa � um completo absurdo”.
O m�dico tamb�m rejeitou a ideia de que uma empresa atualmente pudesse inventar um genoma inteiro, como afirmam os artigos do Expos�. "Os cientistas est�o longe de serem capazes de criar uma nova esp�cie viral do zero, mesmo que esse fosse o objetivo", declarou � AFP.
Scott Kenney, professor de virologia da Faculdade de Medicina Veterin�ria da Universidade Estadual de Ohio, segue o mesmo racioc�nio. Ele disse que as chances de a Moderna ter criado o v�rus s�o "muito menores" do que a probabilidade de a correspond�ncia ocorrer naturalmente.
Sobre a rela��o entre o genoma da covid-19 e a sequ�ncia patenteada da Moderna, ele afirmou: “O esfor�o dos autores para conectar os dois assuntos � bastante duvidoso”.
Tanto Kenney quanto Carlos Romero, professor da Faculdade de Medicina Veterin�ria da Universidade da Fl�rida e pesquisador especializado em v�rus, consideraram que a probabilidade de a correspond�ncia de 19 nucleot�deos ocorrer naturalmente foi mal calculada no estudo.
"N�o considero essa informa��o confi�vel", disse Romero, acrescentando que � um "absurdo" concluir que a farmac�utica fabricou o coronav�rus com base nas evid�ncias apresentadas.
"Isso simplesmente n�o faz sentido", disse ele.
Processo de revis�o por pares
O peri�dico que publicou o artigo, Frontiers in Virology, � uma publica��o revisada por pares. Em seu site descreve que "a revis�o por pares � feita por pesquisadores e acad�micos ativos, cuidadosamente nomeados para nossos Conselhos Editoriais de acordo com rigorosos crit�rios de excel�ncia, e que certificam a precis�o e validade da pesquisa com seus nomes no artigo publicado".
Apenas um cientista, um pesquisador veterin�rio na China, aparece como revisor do manuscrito, um elemento considerado incomum por Wilen. "Quase todos os artigos t�m tr�s revisores, ent�o � estranho se esse artigo realmente possui apenas um", disse ele.
Kenney concorda, afirmando que, embora isso varie de acordo com a publica��o, a maioria dos autores enviam os manuscritos para dois ou tr�s especialistas e "com base em suas revis�es e no julgamento do editor, eles s�o revisados, rejeitados ou aceitos".
Al�m disso, ele contesta as descobertas apontadas pelo estudo: "Para mim, existem lacunas claras e poss�veis vieses nos dados, e as discuss�es e alega��es ligadas � Moderna parecem ser uma tentativa ruim de criar sensacionalismo em rela��o a essa pesquisa duvidosa. Infelizmente, qualquer pesquisa apresentada dessa maneira ser� ainda mais mal interpretada e difundida por meios de m�dia massivos e grupos que t�m outras agendas".
"Como cientistas, temos a obriga��o de estar cientes dos impactos da nossa pesquisa para o p�blico, e n�o ter segundas inten��es ocultas em nossas discuss�es", acrescentou.
Um aviso sobre os erros de refer�ncia e reda��o do manuscrito foi acrescentado e � exibido no in�cio da p�gina onde a pesquisa est� hospedada.
O AFP Checamos j� desmentiu outras publica��es falsas ou enganosas sobre a covid-19 desde o in�cio da pandemia.