As contas trolls, criadas com o objetivo de semear confus�o, deslegitimar ou ridicularizar um movimento social ou pol�tico, s�o uma fonte comum de desinforma��o nas redes sociais.
Embora alguns desses perfis deixem claro o seu status, muitos usu�rios interpretam suas mensagens sem o devido contexto e compartilham como sendo ver�dicos, segundo especialistas consultados pela AFP.
As contas aparentam um m�nimo de credibilidade para confundir o leitor, mas h� pistas para identific�-las: uma foto de perfil falsa, tu�tes de um �nico tema ou data de cria��o recente.
Isso tamb�m acontece fora do Brasil. O presidente do Governo espanhol, Pedro S�nchez, n�o criticou a Semana Santa, nem o jornal El Pa�s publicou um tu�te sobre os 'benef�cios' da lei isl�mica para as mulheres. Todas essas afirma��es surgiram de contas trolls.

"Uma conta troll procura desestabilizar ou confundir a partir do anonimato" , resumiu a equipe do Observat�rio de Conte�dos Audiovisuais da Universidade de Salamanca (OCAUSAL), em resposta enviada � AFP em 30 de mar�o de 2023.
"Uma conta troll � um perfil que se introduz nas conversas para irritar e criar tens�o", disse a pesquisadora Mariluz Congosto, da Universidade Carlos III de Madri, na Espanha, em entrevista � AFP em 29 de mar�o de 2023. "Contas trolls" s�o tamb�m aqueles perfis que se dedicam "a divulgar informa��es maliciosas ", resume Natalia Mel�ndez, professora de Jornalismo da Universidade de M�laga, � AFP no �ltimo dia 3 de abril.
'O que eles est�o tentando fazer � intoxicar o ambiente, tanto na pr�pria rede social do Twitter, por exemplo [onde se concentra a maioria das publica��es analisadas], como a n�vel geral', disse Mel�ndez.
'�s vezes, eles fingem ser uma pessoa ou meio espec�fico, mas na maioria das vezes adotam o perfil de um tipo de pessoa (por exemplo, uma pessoa filiada a um determinado partido) para disseminar determinadas mensagens que podem ser associadas a essa pessoa", disse a equipe da USAL.
Essas contas "n�o buscam necessariamente conte�do falso para se tornar viral ou que uma medida espec�fica do governo falhe", comentaram os professores da USAL. Eles acrescentaram:
'� uma atividade mais latente, para minar gradativamente o debate, para gerar atitudes negativas em rela��o ao grupo ou movimento que est� sendo ridicularizado'.
Como identificar uma conta troll
Na enxurrada de informa��es que qualquer usu�rio recebe diariamente nas redes sociais, os pr�prios especialistas reconhecem que '� dif�cil' saber se uma conta tem o objetivo de confundir. Ainda assim, existem pistas que podem ajudar.
'Tem que olhar a bio [biografia do perfil]', assim como 'a coer�ncia dos tu�tes, se s�o coisas totalmente malucas', disse Mel�ndez, que tamb�m aconselhou ver o nome do usu�rio e a conta. 'Talvez sejam contas criadas recentemente', disse, em linha com o que Congosto comentou.
Mel�ndez lembrou que �s vezes "nos pr�prios coment�rios" dos tu�tes, h� usu�rios que alertam que a conta pode ser "suspeita" .
Outra pista, fornecida pelo observat�rio de Salamanca, � que o discurso "est� muito centrado no mesmo tema" , mas "quase ningu�m � um personagem t�o plano e caricatural como o que costuma ser desenhado nestes perfis" .
Al�m disso, "sua foto de perfil geralmente � de um banco de imagens", algo que a AFP identificou em perfis de trolls como @Valentinavaliente (definido como "ativista feminista, lutadora comunista e ecossexual"), cuja imagem pode ser encontrada no site Alamy. Outro exemplo � o de @trinidadMNovo, cujas fotos correspondem, na verdade, � professora universit�ria cubana Luc�a Arg�elles Cort�s.
J� no caso de @Jenytrans17, a foto de perfil � da cantora norte-americana Ezra Furman, que alertou sobre isso em um tu�te.

�s vezes, os pr�prios usu�rios por tr�s dessas contas alertam em sua biografia sobre ser um troll ou personagem "falso", como � o caso da conta que satiriza o perfil do ex-presidente Jair Bolsonaro. "Muitas contas de trolls adicionam aos seus perfis que s�o 'par�dias' como forma de evitar violar os termos de uso das redes ou para evitar serem penalizados, embora seu objetivo seja outro", explicou a equipe da USAL.
Mas nem todas as contas consideradas trolls fazem tal aviso que, no entanto, n�o aparece ao retuitar suas mensagens ou fazer capturas de tela delas para compartilh�-las em outra rede social. Em outras ocasi�es, os usu�rios usam truques que dificultam sua identifica��o, como o relatado nesta verifica��o: foram adicionadas as palavras 'παρωδια' e '%u932F%u8AA4%u7684' ('par�dia' em grego e 'incorreto' em mandarim, respectivamente).
O risco � que, segundo Mel�ndez, 'quando h� algo, por mais exagerado que seja, que reafirma o que voc� pensa, voc� decide acreditar e divulg�-lo'. Al�m disso, segundo o Observat�rio da USAL, 'o usu�rio n�o presta aten��o e n�o se det�m aos detalhes' antes de compartilhar.
Por exemplo, em uma conta com o nome de Violeta Izquierdo (que combina a cor feminista com a ideologia pol�tica), h� mensagens sobre a figura de Jesus ou sobre uma suposta manipula��o de informa��es, elementos que se encaixam nesse exagero caricato citado pelos especialistas. O referido perfil de @Valentinavaliente, por sua vez, publicou este tu�te para pedir o direito de abortar sem estar gr�vida e descreveu o p�nis como um "instrumento da extrema direita fascista".
Nem toda par�dia � um troll, embora alguns trolls possam parecer uma par�dia
A diferen�a entre uma conta troll e aquela com objetivo par�dico ou sat�rico, segundo os especialistas, pode ser pequena, mas existe. "A conta par�dica n�o pretende confundir e costuma deixar claro que o que busca � s�tira ou par�dia (...) aspira ao humor e seu uso de exageros pode ser muito maior porque n�o busca credibilidade", segundo Observat�rio da USAL.
Em vez disso, 'a conta do troll tenta confundir-se com o perfil que se faz passar (...), o objetivo � confundir e criar instabilidade, e se as mensagens n�o forem minimamente cred�veis, esse objetivo n�o � alcan�ado', disse a equipe de Salamanca.
Mel�ndez observou que existem contas que beiram a par�dia-troll 'de cidad�os comuns que se apresentam, por exemplo, como estere�tipos', como pessoas muito adeptas a uma ideologia ou 'mulheres muito feministas'. "A partir dessas contas, que s�o confusas, eles enviam mensagens que n�o seriam l�gicas em uma pessoa que estava realmente tuitando premissas, por exemplo, da esquerda ou feministas", explicou a professora universit�ria.
A professora Raquel Recuero, diretora do Laborat�rio de M�dia, Discurso e An�lise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), comenta sobre o potencial desinformativo dos perfis de par�dia, mesmo se identificando: 'Eles flertam com o humor, mas muitas pessoas n�o se d�o conta disso'.
'Nem todo mundo entende o humor e que isso � um perfil de par�dia, o que pode ser desinformativo quando as pessoas n�o entendem', acrescenta. S�o casos como o do personagem Coronel Siqueira ou a conta que simula a da jornalista M�nica Bergamo.
Organiza��o e tipos de troll
Embora estes tipos de contas 'se sigam e interajam entre si, isso n�o significa que em todos os casos haja uma organiza��o por tr�s delas', detalhou Congosto. No entanto, ela ressalta: "Em alguns casos, pela data de cria��o dos perfis, pelo estilo com que seus avatares s�o criados e pelo tema que abordam, parece que pode haver alguma coordena��o".
A equipe de Salamanca considerou que esta '� uma atividade mais suja, para ir minando constantemente a credibilidade e a conviv�ncia, e isso pode ser conseguido mesmo sem coordena��o, simplesmente adicionando ru�do'.
Recuero vai pela mesma linha de pensamento e ressalta que os conte�dos desinformativos replicados nas redes sociais n�o s�o produzidos necessariamente por perfis falsos. 'Temos as fazendas de cliques, administradas por uma s� pessoa. Temos tamb�m os perfis imitadores, conhecidos como 'impersonation' [na sigla em ingl�s], que se passam por uma pessoa que eles n�o s�o. Esses perfis t�m v�rios tipos de pap�is: visibilidade, legitimar ou deslegitimar um conte�do ao se passar por uma autoridade ou especialista em determinado assunto', explica.
Mel�ndez citou como exemplo dois perfis: "Aquele que individualmente � um lobo solit�rio" que decide fazer uma conta "para trollar, para defender a ideologia oposta", e "em larga escala os que s�o bot farms [fazenda de cliques], campanhas orquestradas". Dentre essas duas categorias, segundo a equipe da universidade, este segundo caso 'seria o mais problem�tico'.
As "fazendas de cliques" ou trolls, como costumam ser chamadas essas campanhas organizadas, foram desmanteladas na Nicar�gua (em 2021), Cuba e Bol�via (em 2023) e nas tentativas da R�ssia, por exemplo, de influenciar a opini�o p�blica atrav�s de contas falsas. No Brasil, as elei��es de 2018 ficaram conhecidas como as da 'guerra suja nas redes', embora n�o se utilizasse o conceito 'fazendas de bots'.
Fazendas de cliques: um padr�o internacional
Este fen�meno internacional 'n�o � necessariamente coordenado' mas existe um padr�o repetido em v�rios pa�ses, apontou a equipe da USAL.
Mel�ndez, por sua vez, assinalou os Estados Unidos como um lugar onde "algumas coisas come�am a ser testadas, depois s�o imitadas".
Ela relembrou a campanha de Donald Trump em 2016, bem como a do Brexit no Reino Unido, como momentos-chave deste tipo de desinforma��o organizada que, desde 2019, vem se reproduzindo em pelo menos 70 pa�ses.