
Ao cruzar o port�o das docas, os visitantes enxergam um lado nada festivo de Manaus. A feira, a poucos metros do desembarque, apresenta uma capital que rifa a inf�ncia de suas meninas. Garotas entre 10 e 17 anos, com o corpo � mostra, passeiam em meio �s barracas com blocos de papel nas m�os ou nos bolsos. De acordo com o Conselho Tutelar de Manaus, meninas s�o usadas como iscas por comerciantes, �s vezes os pr�prios pais, para atrair fregueses. Quando homens aproximam-se, al�m de oferecer os produtos, elas vendem um bilhete por R$ 5. Quem compra tem o nome inclu�do em uma lista. Se for sorteado, o "pr�mio" � uma noite de sexo com uma das participantes do esquema.
Enquanto metade do grupo trabalha com a venda da rifa, o restante atende os sorteados da semana anterior. O dinheiro arrecadado � dividido igualmente entre elas. O Conselho Tutelar de Manaus recebeu den�ncias sobre a exist�ncia do esquema criminoso de venda de rifas sexuais. Conselheiros constataram a exist�ncia do jogo de azar que tem meninas como pr�mio. "O falso pr�mio � um eletrodom�stico. Isso serve apenas como disfarce para o esquema. Apreendemos o caderno com a lista de clientes e eram somente homens adultos. O sexo aqui � vendido por R$ 5. Fazendo rifa, elas descobriram uma maneira de ganhar mais", afirma Clodoaldo Santos, conselheiro tutelar em Manaus.
O conselho entregou documentos e relat�rios da investiga��o para a Delegacia da Crian�a e do Adolescente (DCA) da capital amazonense e comunicou o crime � Vara da Inf�ncia, no fim de 2013. "N�o conseguimos fazer flagrantes, mas a apura��o continua", disse a delegada Linda Gl�ucia de Moraes.
O Minist�rio P�blico do Amazonas confirmou a investiga��o do esquema, mas informou que o processo est� em segredo de Justi�a, por envolver crian�as. O conselheiro Clodoaldo Santos reclama da falta de condi��o para trabalhar. "S� temos um carro e somos tr�s conselheiros nessa regi�o do porto. Nossa extens�o de rios � enorme e n�o conseguimos fiscaliz�-los sem meios de transporte adequados."
Quando Lu�sa*, de 12 anos, uma das meninas envolvidas no esquema da rifa, se apresentou ao conselho tutelar, foi atendida pela conselheira Dalva Guimar�es. "Desde que me entendo por gente comecei a sofrer", contou. A explora��o sexual tornou-se um problema heredit�rio em Manaus. "J� � uma cultura. A av� dela foi explorada, a m�e dela tamb�m e agora Lu�sa vive dessa forma. Enquanto o Estado n�o perceber que o sistema de atendimento n�o funciona, a gente enxugar� gelo", avalia Dalva.
NA RUA A Bahia � o terceiro estado brasileiro em n�mero de den�ncias de viola��es de direitos da inf�ncia: foram 10,9 mil no ano passado. Apenas Rio de Janeiro e S�o Paulo est�o � frente, de acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presid�ncia da Rep�blica. Em Salvador, o investimento em melhorias no porto da cidade chegou a R$ 40,7 milh�es, com a justificativa de atender aos turistas. A riqueza que circula no porto n�o se reflete nos arredores. Al�m da explora��o sexual, � comum flagrar casos de trabalho infantil e uso abusivo de drogas por crian�as. (HM e LM)
* Todos os nomes usados na s�rie s�o fict�cios, em respeito ao Estatuto da Crian�a e do Adolescente
Den�ncias em smartphones
A Secretaria de Direitos Humanos da Presid�ncia da Rep�blica, em parceria com o Unicef e com o Centro de Defesa da Crian�a e do Adolescente da Bahia, desenvolveu um aplicativo chamado Proteja Brasil, que servir� para fazer den�ncias de viola��es de direitos da inf�ncia, especialmente nos megaeventos. A partir da localiza��o do autor da den�ncia, � poss�vel encontrar os telefones de entidades como conselhos tutelares e ONGs que ajudam no combate � viol�ncia contra a crian�a. As den�ncias podem ser an�nimas. � poss�vel baixar o aplicativo gratuitamente em smartphones Android e IOS.
Em troca de uma por��o de drogas
Vulner�vel � abordagem de aliciadores, Ana*, de 12 anos, vive nas ruas da capital cearense desde os 4. A m�e � dependente qu�mica, tamb�m sem endere�o fixo. A certid�o de nascimento n�o traz o nome do pai. Esse vazio deve se repetir na vida do filho que a crian�a carrega na barriga. H� quatro meses, ela, que ainda n�o aprendeu a cuidar de si mesma, gera outra vida. Com pouco menos de 1,50m de altura e 36kg, a menina faz parte de uma rede de explora��o sexual. Atende liga��es de um homem, que empresta o apartamento onde vive para que turistas mantenham rela��es sexuais com a garota em troca de R$ 20 ou uma por��o de drogas. Ela recebe propostas nas praias da cidade, uma delas bem ao lado do Porto do Mucuripe.
Ana nasceu em Caridade, no interior do Cear�, mas lembra pouco da inf�ncia recente. Sabe que viajou para a capital em uma carro�a, com a m�e e o padrasto. "Foram cinco dias e cinco noites de estrada", diz. Em v�rios momentos, ela faz lembrar que tem apenas 12 anos, como quando pede para segurarem a sua m�o na hora de tomar vacinas, durante o pr�-natal. Nessas horas, conta com apoio de Jo�o*, de 14, o namorado que promete assumir a paternidade do beb�. "Ele me protege e me ajuda a achar coisa para comer, quando acordo com fome e o beb� mexe muito", relata Ana.
Durante uma consulta m�dica em um posto de sa�de da cidade, a crian�a que espera um beb� perguntou � m�dica se era poss�vel parir vestida. "N�o quero tirar a roupa na frente de gente que n�o conhe�o", justificou. Foram educadores da Rede Aquarela, projeto social mantido com apoio da Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Fortaleza, os respons�veis por convenc�-la a cuidar da gesta��o. A mesma equipe dever� encaminh�-la a um abrigo, quando o nen�m nascer.
A regi�o do Porto do Mucuripe, pr�xima � Avenida Beira Mar, � cercada de favelas. Em bairros como o Servluz e o Alto da Paz, as casas n�o t�m banheiros, apenas buracos abertos no ch�o. Tamb�m n�o h� energia el�trica regularizada ou sistema adequado de coleta de lixo. O porto recebeu R$ 202 milh�es em verba federal para expandir o terminal de passageiros e construir novos espa�os para retirada de bagagem, alimenta��o e lazer. (LM e HM)