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Estado de Minas

Trabalho infantil nas �reas portu�rias desafia o poder do Estado

Por terem movimento intenso de pessoas 24 horas por dia, �reas portu�rias exploram abertamente meninos e meninas


postado em 15/04/2014 08:43 / atualizado em 15/04/2014 09:41

Movimentação dos barcos nos portos chama a atenção dos jovens(foto: MONIQUE RENNE/CB/D.A Press)
Movimenta��o dos barcos nos portos chama a aten��o dos jovens (foto: MONIQUE RENNE/CB/D.A Press)
A grande movimenta��o de cargas e passageiros nos portos brasileiros atrai trabalhadores interessados em lucrar com o fluxo de mercadorias e de visitantes. Feiras instalam-se nas proximidades e ambulantes montam barracas para criar um com�rcio paralelo, que se alimenta da for�a do trabalho de pessoas de qualquer idade. A s�rie “Cais do abandono” revela hoje den�ncias da explora��o do trabalho infantil em zonas portu�rias. A presen�a de crian�as em atividades insalubres � tratada com normalidade e parece n�o chocar turistas ou nativos, que se beneficiam de servi�os baratos, prestados por jovens carregadores de bagagem e vendedores de �gua e de alimentos. Com a proximidade da Copa do Mundo, aumenta o risco da explora��o do trabalho de meninas e meninos em atividades como com�rcio ambulante ou o recolhimento de material recicl�vel.

Desde 2007, os fiscais do trabalho flagraram 46,1 mil crian�as em trabalho irregular no Brasil. No ano passado, foram 7,4 mil casos, n�mero 15% superior aos flagrantes registrados no ano anterior. De acordo com estimativas da �ltima Pesquisa Nacional de Dados por Amostra de Domic�lios (Pnad), h�, no Brasil, hoje, 3,5 milh�es crian�as e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos em situa��o de trabalho irregular. N�o h� estat�sticas focadas nas �reas portu�rias, mas � f�cil constatar que essa � a viola��o de direitos humanos mais recorrente nos terminais mar�timos e fluviais.

Pensar em uma profiss�o � refletir sobre o imposs�vel aos olhos de Jap�o, de 17 anos. Sem identidade ou CPF, o adolescente n�o existe para o governo, n�o frequenta escola nem se beneficia de pol�ticas p�blicas. Nas ruas de Salvador, o semblante vazio de expectativas se mistura a outros tantos, sem endere�o fixo ou nome do pai na certid�o de nascimento. O garoto recebeu esse apelido gra�as aos tra�os orientais. Desde os 7 anos, Jap�o ignora o nome dado a ele pela m�e. Foi nessa idade que a viu pela �ltima vez, quando a casa onde moravam desabou e n�o p�de ser reconstru�da por falta de dinheiro. M�e e filho foram encaminhados para abrigos diferentes.

Jap�o fugiu do local onde dividia quarto com uma dezena de meninos. “O tipo de coisa que rola no abrigo n�o d� para suportar. Melhor ficar na rua, que � mais seguro”, justificou. Devido ao grande movimento de pessoas, escolheu a �rea do Porto de Salvador para vigiar carros, carregar bagagens de turistas e fazer papel de avi�ozinho, ao entregar as encomendas de drogas feitas pelos visitantes. Este ano, completou uma d�cada em situa��o de rua. Debaixo das marquises dos com�rcios, experimentou crack, maconha, cola, lol�, coca�na e o que mais lhe oferecessem. “Comer eu como do lixo. Droga a gente usa o que tiver. N�o d� para escolher”, relata.

Trocar o dia pela noite virou rotina. Quando escurece, ele n�o consegue dormir tranquilo, com medo de abusos, assalto e de morrer queimado. Passa as noites acordado, na companhia do cachimbo de crack. No in�cio da manh�, descansa coberto por um peda�o de papel�o. “J� vi muita gente virar homem-tocha e n�o quero isso. A pol�cia bota fogo, sabia? Os comerciantes fazem tamb�m o mesmo, porque acham ruim a gente morar na frente das lojas”, diz o adolescente.

F�bio Gomes tem 32 anos e trabalha desde os 7 como flanelinha no cais de Salvador. Ao contr�rio da maioria, diz nunca ter usado drogas e, por essa raz�o, conseguiu juntar o suficiente para comprar uma casa e sustent�-la. N�o permite que nenhum dos tr�s filhos siga o mesmo caminho. “Meus meninos estudam porque espero alguma coisa melhor para eles do que isso daqui. Nunca deixo os garotos me acompanharem. Trabalhar nunca me fez mal, mas n�o quero isso para eles”, explica.

CARGA E DESCARGA Uniformizado, o garoto que n�o aparenta ter mais de 12 anos organiza o bolo de dinheiro no bolso. Faz as contas do faturamento do dia, no fim de um cansativo expediente, que durou das 8h �s 18h. Enquanto isso, uma mulher, respons�vel pelo garoto, conversa e bebe cerveja. Na barraca vizinha, uma menina ainda mais nova circula o dia todo com sacolas de feira � venda, sozinha. Outra garota oferece refrigerante, �gua e bebida alco�lica a quem passa.

A explora��o do trabalho infantil ocorre sem qualquer interfer�ncia, tanto na feira Manaus Moderna, no porto da capital amazonense, quanto nas bancas de rua armadas em frente ao terminal. O mau cheiro toma conta do ambiente, h� peixes expostos sem conserva��o e lixo por todos os lados, enquanto crian�as e adolescentes gastam a voz para conquistar clientes na base do grito. Alguns deles descansam sob o sol, em barcos ancorados no porto do Rio Negro, durante alguns minutos, para continuar o servi�o em seguida. Dentro dos barcos ancorados no terminal, tamb�m � poss�vel flagrar adolescentes durante o trabalho de carga e descarga de mercadorias.

 

Agenda de converg�ncia

O trabalho infantil � caracterizado pelo uso da m�o de obra de adolescentes com menos de 16 anos. No caso de trabalho noturno, perigoso, insalubre, penoso, ou em hor�rios e locais que n�o permitam a frequ�ncia � escola, a proibi��o estende-se at� os 18 anos. O procurador do Trabalho Rafael Marques, chefe da Coordena��o Nacional de Combate � Explora��o do Trabalho da Crian�a e do Adolescente, explica que as �reas portu�rias s�o, por natureza, regi�es de maior incid�ncia do problema. “Os portos t�m grande circula��o de pessoas e de mercadorias e, por isso, exercem atra��o populacional. Isso cria um ambiente para a viola��o de direitos de crian�as e adolescentes”, explica o procurador.

O Minist�rio P�blico do Trabalho faz parte do grupo que elabora a agenda de converg�ncia para defesa dos direitos da inf�ncia durante os megaeventos. “O enfrentamento ao trabalho infantil tem que ser feito por meio de uma rede. Uma �nica institui��o n�o d� conta. O Minist�rio P�blico atua na promo��o dessa articula��o, focando no resgate e no atendimento das crian�as e suas fam�lias, na assist�ncia social, mas tamb�m na �rea repressiva, responsabilizando os que exploram o trabalho dessas crian�as”, explica Rafael Marques. A explora��o do trabalho infantil n�o caracteriza crime. A responsabiliza��o � administrativa, com multas impostas por auditores fiscais do trabalho. O valor varia de acordo com a capacidade financeira de quem se beneficia do servi�o. Tamb�m � poss�vel entrar com a��es c�veis por danos materiais e morais, individuais ou coletivos. S� h� processo criminal se o trabalho infantil estiver associado a maus-tratos ou tr�fico de pessoas, por exemplo.

A secret�ria-executiva do F�rum Nacional de Preven��o e Erradica��o do Trabalho Infantil, Isa Oliveira, afirma que os grandes eventos esportivos e as festas populares s�o espa�os que incentivam a explora��o da for�a de trabalho de crian�as e adolescentes. “O problema ocorre principalmente com rela��o ao com�rcio ambulante e � coleta de material recicl�vel. Na Copa das Confedera��es, o trabalho infantil foi a viola��o mais recorrente de direitos da crian�a, o que aumenta a preocupa��o com rela��o � Copa do Mundo.” Em nota, o Minist�rio do Trabalho e Emprego informou que desenvolve um trabalho permanente de combate ao trabalho infantil, “com a realiza��o de a��es fiscais, al�m da articula��o interinstitucional com os demais atores sociais que comp�em a rede de prote��o � crian�a e ao adolescente”.


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