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Estado de Minas

EM resgata hist�ria de alem�o que trouxe 48 perseguidos pelo nazismo para MG

A hist�ria do professor alem�o que montou em Juiz de Fora uma f�brica para trazer para o Brasil e salvar do nazismo 48 judeus e perseguidos pol�ticos durante a Segunda Guerra


postado em 23/11/2014 06:00 / atualizado em 23/11/2014 12:31

(foto: HERMANN MATHIAS GORGEN, Alemanha. s.d. Acervo Tucci/Arqushoah, RG/ARQ 000506 [Doação Dora Schindel])
(foto: HERMANN MATHIAS GORGEN, Alemanha. s.d. Acervo Tucci/Arqushoah, RG/ARQ 000506 [Doa��o Dora Schindel])
Em 27 de abril de 1941, 48 exilados – sendo 30 homens, 15 mulheres e tr�s crian�as – deixaram o porto de Lisboa, em Portugal, no navio espanhol Cabo de Hornos, fugindo da implac�vel persegui��o nazista. N�o havia outra op��o. Era fugir ou morrer nos campos de concentra��o e exterm�nio que j� se espalhavam pelo continente europeu �quela altura da Segunda Guerra Mundial. Formado por “n�o arianos” – segundo a doutrina nazista –, o grupo era constitu�do por judeus e perseguidos pol�ticos de pelo menos tr�s pa�ses (Alemanha, Tchecoslov�quia e Fran�a), que deixaram para tr�s familiares e bens conquistados ao longo de suas vidas. O destino era Juiz de Fora, ent�o uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, da qual nenhum deles tinha ouvido falar. O lugar significava a salva��o para os refugiados e a expectativa de uma nova vida, bem distante do cen�rio de horror arquitetado por Adolf Hitler.

A vida dessas 48 pessoas foi salva pelo historiador e fil�sofo alem�o Hermann Mathias G�rgen. Oposicionista ferrenho do partido nazista, ele foi expulso de sua terra natal e obrigado a procurar um novo lar distante da Europa. Nesse per�odo de busca, percebeu que milhares de pessoas se encontravam na mesma situa��o de risco e se empenhou para dar a algumas delas uma chance de sobreviv�ncia. Depois de fugir por tr�s pa�ses europeus (�ustria, Tchecoslov�quia e Su��a), ele conheceu o c�nsul brasileiro na Su��a, Milton Vieira, que o ajudou a deixar de vez a Europa. A maneira encontrada para alicer�ar a fuga foi a constru��o de uma pequena ind�stria de manufaturados no Brasil. No seu plano, essa f�brica seria operada por m�o de obra qualificada estrangeira, o que seria justificativa para conseguir do governo brasileiro o visto de entrada para os perseguidos. Foi assim que ele montou uma lista com os nomes dos seus 48 “oper�rios” que receberiam a permiss�o para entrar no pa�s – e escapar da morte.

A elabora��o da lista foi semelhante ao plano arquitetado pelo industrial alem�o Oskar Schindler, que conseguiu salvar mais de 1 mil judeus dos campos de concentra��o nazistas durante a Segunda Guerra e se tornou mundialmente conhecido com o filme vencedor do Oscar de 1993 A lista de Schindler, dirigido por Steven Spielberg. Ao contr�rio de Schindler, no entanto, a hist�ria de G�rgen e sua mobiliza��o para salvar a vida de refugiados judeus � quase desconhecida, mesmo no Brasil, e est� restrita aos que conseguiram reconstruir suas vidas no pa�s e �queles que tiveram contato com o professor alem�o e admiraram seu humanismo e coragem. Da lista, poucos hoje est�o vivos, incluindo a pr�pria mulher de G�rgen. Vi�va do professor, morto em 1994, Dora Schindel completou 99 anos na semana passada, em 16 de novembro, e vive hoje em Bonn, a 500 quil�metros de Berlim.

VIDA NOVA
O desembarque de G�rgen e seu grupo no Rio de Janeiro ocorreu depois de 14 dias de viagem, em 11 de maio, em um ambiente de grande tens�o e medo, uma vez que o governo brasileiro havia adotado postura hostil em rela��o � entrada de exilados judeus – o ent�o presidente Get�lio Vargas estava alinhado aos governos fascistas. A chegada do navio Cabo de Hornos no porto fluminense n�o era garantia de que a entrada na terra tupiniquim seria autorizada. Muitas vezes, passageiros eram mandados de volta para sua terra natal ou tinham que tentar uma libera��o para entrar em outros pa�ses da Am�rica do Sul. A lista de G�rgen funcionou como visto de entrada, j� que eles tinham garantia de emprego em Juiz de Fora.

(foto: Deutsches Exilarchiv 1933-1945 der Deutschen Nationalbibliothek )
(foto: Deutsches Exilarchiv 1933-1945 der Deutschen Nationalbibliothek )
Segundo a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de S�o Paulo (USP) e coordenadora do Laborat�rio de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discrimina��o (Leer), o apelo internacional para a libera��o dos refugiados que vinham de uma situa��o ca�tica na Europa n�o comovia o governo brasileiro. “O fluxo de exilados aumenta nos anos seguintes � chegada do partido nazista no poder na Alemanha e, com o in�cio da Segunda Guerra, esse fluxo passa a vir tamb�m de outros pa�ses. O governo de Get�lio Vargas decide n�o receber essas pessoas. A partir de 1937, passa a elaborar circulares secretas para impedir a entrada desses ‘indesejados’ e o estado se torna conivente com o antissemitismo”, afirma Tucci.

Liberados no Rio de Janeiro, os 48 exilados de G�rgen seguiram para Juiz de Fora, onde retomaram a sua vida trabalhando na nova terra. Alguns permaneceram por poucos meses na manufatura e se mudaram para outras cidades. No lugar onde funcionou a pequena f�brica, na Avenida Francisco Bernardino, no Centro da cidade, n�o restam resqu�cios da casa que serviu como posto de trabalho. O mesmo aconteceu na resid�ncia onde viveu G�rgen, na Rua Benjamin Constant, tamb�m no Centro. O local que serviu de moradia para o professor alem�o, e para outros refugiados que chegaram depois de 1941 para trabalhar em sua ind�stria, deu lugar a pr�dios residenciais.

Na cidade existem poucas refer�ncias � hist�ria do professor alem�o e pouqu�ssimas pessoas guardam lembran�as de sua passagem pelo Brasil. “A hist�ria de Hermann G�rgen e seu grupo de sobreviventes, que encontraram em Juiz de Fora um porto seguro durante um per�odo t�o duro na vidas dessas pessoas, foi um exemplo de empenho pelas causas humanistas”, diz a historiadora alem� Marlen Eckl, integrante do grupo de pesquisas sobre rela��es lingu�sticas e liter�rias Brasil-Alemanha.



Em depoimento obtido pela reportagem do Estado de Minas sobre sua passagem por Minas Gerais, Doris Schindel relembrou o clima de tens�o envolvendo a viagem do grupo e o empenho do professor alem�o para ajudar refugiados. “A f�brica era uma atividade muito alheia, j� que ele era um homem dedicado �s letras, sem experi�ncia alguma como diretor de f�brica. Mesmo depois da guerra, G�rgen come�ou a salvar novamente muitas pessoas. Ele sempre recebia cartas dos acampamentos de ‘pessoas sem lugar’, ou pessoas for�adas a fugir de suas p�trias. Todos pediam a ele ajuda para conseguir um visto de entrada e trabalho no Brasil”, lembra a companheira de G�rgen. (Com Daniel Camargos, em Juiz de Fora)

Dori Schindel, viúva de Görgen, ajudou na elaboração do plano de fuga (foto: Divulgacao/Görgen, Hermann. Ein Leben gegen Hitler.Autobiographische Skizzen. 1997)
Dori Schindel, vi�va de G�rgen, ajudou na elabora��o do plano de fuga (foto: Divulgacao/G�rgen, Hermann. Ein Leben gegen Hitler.Autobiographische Skizzen. 1997)
Parceira fiel, da fuga � vida longe da terra natal
O bra�o direito de Hermann G�rgen na sua empreitada que salvou a vida dos 48 exilados que vieram para Juiz de Fora, em 1941, foi sua mulher, Dori Schindel. Nascida em Munique, em 1915, a judia teve que deixar a Alemanha por duas vezes em quatro anos por causa de persegui��es nazistas. Na primeira vez, em 1938, ela se mudou para a Su��a, onde cursou ci�ncias qu�micas e matem�tica. Depois, em 1940, j� durante a Segunda Guerra Mundial, foi para a �ustria, onde conheceu o professor G�rgen. As dificuldades impostas �s pessoas consideradas “n�o arianas” nos pa�ses dominados pela Alemanha fizeram com que ela tivesse que deixar a Europa. Em busca de uma nova rota de fuga, ela ajudou na elabora��o do plano de G�rgen para a viagem ao Brasil.

Hoje, aos 99 anos rec�m-completados em 16 de novembro, ela guarda com carinho as lembran�as da sua passagem pelo interior mineiro. “Ficamos muito felizes por ter escapado com vida e gratos ao Brasil, pa�s que nos recebeu e permitiu que pud�ssemos trabalhar”, afirmou Dori, que assumiu a fun��o de assistente de G�rgen nas Ind�strias T�cnicas Ltda., f�brica fundada pelo marido. Ela se lembra de momentos dif�ceis, mesmo depois que o Brasil declarou guerra aos regimes fascistas. Segundo ela, qualquer imigrante alem�o passou a ser visto com desconfian�a por ser poss�vel espi�o de Hitler e sofria com o preconceito de alguns brasileiros. “Acusaram as ind�strias de fornecer de prop�sito material in�til para o Ex�rcito Brasileiro. Nunca ficamos sabendo quem estava por tr�s dessa den�ncia”, lembra.

AMIZADES
Apesar da constante tens�o em que Dori e os outros refugiados viviam at� o final da guerra, ela se recorda de momentos felizes na vida no interior de Minas. A ex-refugiada ressalta as amizades feitas durante o per�odo. “Uma delas come�ou em
(foto: Divulgaçcao/DeustchWelle/Sociedade Brasil-Alemanha )
(foto: Divulga�cao/DeustchWelle/Sociedade Brasil-Alemanha )
1941. Todos os dias passava em frente de nossa casa uma menina pequena e muito curiosa a caminho da escola. Tinha 12 anos e era filha de um general que morava algumas casas acima da nossa. Ela apareceu um dia e disse que queria aprender a l�ngua alem�. O professor ficou impressionado com o pedido resoluto e n�o conseguiu recus�-lo. Mais tarde, a menina seria professora titular de l�ngua e literatura alem�s na Universidade Federal Fluminense”, contou a vi�va.

Ap�s o fim da Segunda Guerra, Dori continuou como principal parceira de G�rgen na miss�o de ampliar os la�os entre a Alemanha e o Brasil, “como forma de gratid�o”. Eles criaram, em 1960, a Sociedade Brasil-Alemanha (DBG, da sigla alem�), que mant�m contatos entre institui��es e empresas dos dois pa�ses at� hoje.

Um dos atuais diretores da entidade no Rio de Janeiro, Ulrich Spohn, ressalta a paix�o e empenho de Hermann e Dori para a liga��o das duas na��es. “G�rgen dedicou grande parte de sua vida para fortalecer esses la�os. Foi uma pessoa que ao longo da vida conseguiu fazer muitos contatos importantes e que tinha um lado social muito impressionante, com uma paix�o enorme pelo Brasil. A obra que eles deixaram permanece at� hoje”, diz Spohn, que chegou ao Brasil na d�cada de 1970. (MF)


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