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Estado de Minas

Filha de alem�o salvo por professor relembra a inf�ncia em Juiz de Fora

Beatriz Maria de Castro Vocurca conviveu de perto com o grupo salvo pelo professor durante a Segunda Guerra


postado em 26/11/2014 16:23 / atualizado em 26/11/2014 16:42

Beatriz Maria de Castro Vocurca, de 80 anos, filha do alemão Hugo Vocurca Filho, que apoiou o grupo de Görgen em Juiz de Fora:
Beatriz Maria de Castro Vocurca, de 80 anos, filha do alem�o Hugo Vocurca Filho, que apoiou o grupo de G�rgen em Juiz de Fora: "O professor era uma lideran�a importante para aqueles rec�m-chegados. Um homem culto e educado que conseguia cativar as pessoas" (foto: Marcos Vieira/EM/D.A. Press)


A presen�a de um grupo de estrangeiros falando l�nguas diferentes e discutindo a movimenta��o de tropas na Europa � uma das primeiras mem�rias que Beatriz Maria de Castro Vocurca, de 80 anos, tem de sua inf�ncia em Juiz de Fora. Aos 7 anos, mesmo sem entender o que estava se passando durante a Segunda Guerra Mundial, ela acompanhou de perto as reuni�es de seu pai –imigrante alem�o que trabalhava na Prefeitura de Juiz de Fora – com integrantes do grupo do professor Hermann Mathias G�rgen. Historiador e fil�sofo alem�o. G�rgen planejou a vinda de um grupo de 48 judeus e perseguidos pol�ticos do regime nazista para Minas, em 1941.

“Meu pai, Hugo Vocurca Filho veio para o Brasil durante a Primeira Guerra e era o chefe de obras da prefeitura. Na d�cada de 1940, j� bem adaptado por aqui e como era um dos poucos que falavam alem�o, foi escolhido para orientar aquele grupo de refugiados quando eles chegaram no interior mineiro. Eles se reuniam em nossa casa quase toda noite, estudavam mapas da Europa, discutiam muito sobre a guerra e os avan�os de militares, falavam franc�s, alem�o e, �s vezes, portugu�s ”, explica Beatriz, hoje residente na Regi�o da Savassi, em Belo Horizonte. Ela entrou em contato com a reportagem do Estado de Minas depois de ler a s�rie sobre o grupo G�rgen, publicada pelo jornal desde domingo.

Seu pai manteve contato com o professor alem�o ap�s ele retornar para a Alemanha, na d�cada de 1950, e sua fam�lia visitou G�rgen e sua mulher Dori Schindel, em Bonn. “A passagem deles pelo Brasil foi cheia de momentos tensos. Era um sentimento de inseguran�a, tanto pela situa��o pela qual passava a Europa, como pela necessidade de se adaptar em um lugar que eles n�o falavam a l�ngua local e n�o conheciam bem os costumes. Eles tamb�m n�o conseguiam manter contato com parentes que ficaram em seus pa�ses, porque era perigoso. O professor era uma lideran�a importante para aqueles rec�m-chegados. Um homem culto e educado que conseguia cativar as pessoas”, lembra Beatriz. Ela conta que ouviu parte das conversas escondida, j� que as crian�as n�o participavam das reuni�es que despertavam grande curiosidade.

A s�rie de reportagens resgatou a hist�ria do grupo de exilados judeus e perseguidos pol�ticos que contou com a ajuda Hermann G�rgen para escapar da morte quase certa nas m�os do regime nazista. Ele conseguiu montar uma f�brica em Juiz de Fora para receber os integrantes de seu grupo e, assim, conseguir o visto de entrada no Brasil. Estrat�gia semelhante � do industrial Oskar Schindler, conhecido depois que sua fa�anha para salvar mais de 1 mil judeus dos campos de concentra��o chegou aos cinemas no filme A lista de Schindler, dirigido por Steve Spielberg.

Exemplos

Para o coordenador-geral do Museu do Holocausto, em Curitiba, Carlos Reis, a hist�ria de Hermann G�rgen est� entre os grandes exemplos da luta contra o �dio e a intoler�ncia durante a Segunda Guerra. Ele ressalta a import�ncia da busca de casos que personifiquem atos de luta por um mundo mais tolerante. “Nosso museu, o primeiro e �nico no Brasil a resgatar a mem�ria do holocausto, tem como uma das principais linhas a atua��o educativa a ideia de personificar o que por muitos anos se restringiu a n�meros. � preciso contar esses casos, como o do professor G�rgen, que, por meio de relatos, documentos e fotos saem da perspectiva de massificar a hist�ria e mostram pessoas de carne e osso que se arriscaram para conseguir salvar vidas”, avalia Reiss.

O presidente do Instituto Hist�rico Israelita Mineiro, Jacques Levy, aponta que os exilados judeus enfrentaram grandes dificuldades no per�odo p�s-guerra, mas, que houve casos de humanismo em favor de refugiados. “Nesse per�odo em que as posturas anti-semitas ganharam for�a em alguns grupos pol�ticos brasileiros, � importante conhecer os casos que mostram um outro lado da hist�ria. Houve pessoas que n�o concordavam com as ideologias de exclus�o e preconceito, como vimos nesse caso em que o grupo de G�rgen contou com a ajuda de pessoas em Minas”, diz Levy.

Segundo ele, ainda na d�cada de 1950, sua fam�lia teve dificuldade para conseguir a entrada de parentes judeus que queriam morar no Brasil. “Perdi meu av� e minha tia em campos de concentra��o e vi meu pai batalhar muito para trazer um primo para o Brasil, sem obter sucesso. O per�odo de 1940 e 1950 foi muito dif�cil na nossa hist�ria e � fundamental relembrar e entender esses epis�dios para que n�o se repitam”, alerta Levy.

Tr�s perguntas para:

Maria Luiza Tucci Carneiro, historiadora e professora associada do Departamento de Historia da Universidade de S�o Paulo (USP).

O que motivou o governo brasileiro a apresentar tantas dificuldades para a entrada no pa�s de refugiados judeus, v�timas da Segunda Guerra?
A postura anti-semita do governo Vargas tem origem no pensamento racista e anti-semita brasileiro que vem desde os tempos coloniais. Est� na mentalidade do estado, como uma postura pol�tica que n�o foi inven��o de Get�lio Vargas. � uma heran�a colonial, herdada de Portugal e da Espanha desde o s�culo 16. Em Minas Gerais, por exemplo, desde o per�odo colonial, judeus convertidos foram muitos perseguidos por �rg�os da inquisi��o, simplesmente por serem considerados parte de uma ra�a inferior. No s�culo 19, surge um fundamento que se dizia cient�fico, por meio do mito da ra�a ariana. Criou-se uma mentalidade de longa dura��o, em que o judeu era indesejado. Durante o per�odo Vargas, o pensamento de que os n�o arianos eram seres inferiores foi reabilitado pelo nazismo na Alemanha de Hitler e pelo facismo na It�lia de Mussolini. Vargas tinha uma admira��o por esses dois governos europeus. A ideia de uma eugenia (pureza racial) � reabilitada por intelectuais e cientistas. N�o aceitar judeus se baseou no fato de que o governo os considerava cidad�os que n�o serviam para compor a popula��o brasileira. Esta deveria ser branca, limpa de qualquer diferen�a religiosa.

Houve atos de solidariedade por parte da popula��o brasileira. Algum caso, al�m do grupo G�rgen, foi bem-sucedido para salvar exilados?
O caso G�rgen � uma exce��o nesse per�odo. Uma exce��o que mostra o lado humanista do Brasil, mas n�o do governo brasileiro. Poucas mobiliza��es conseguiram ser bem-sucedidas para a entrada de exilados ou refugiados no pa�s. Muitos foram devolvidos ou tiveram que buscar outros pa�ses. G�rgen viu como uma miss�o salvar a vida de mais de 40 pessoas. E encontrou apoio no governo de Minas para esse salvamento. Ele teve uma estrat�gia corajosa e inteligente, com a cria��o dessa ind�stria (Ind�strias T�cnicas Ltda.), que receberia esses funcion�rios de fora. Era uma estrat�gia de sobreviv�ncia desses judeus, que tiveram de investir dinheiro para a viagem e para a montagem da f�brica. Ela representava a sobreviv�ncia deles. Em alguns casos, a mobiliza��o partia da pr�pria comunidade judaica no Brasil ou de outros cantos do mundo que conheciam a situa��o terr�vel enfrentada nos territ�rios nazistas, com relatos de atrocidades. G�rgen e seu grupo receberam tamb�m ajuda importante do c�nsul brasileiro em Genebra, Milton C�sar Vieira, e do n�ncio apost�lico do Vaticano, monsenhor Felippe Bernardini. Vieira foi um dos raros diplomatas que ajudaram no salvamento de vidas. Sem apoio de �rg�os oficiais do governo brasileiro, o resgate de judeus ficou a cargo de pessoas que tiveram um sentimento de humanismo e sensibilidade. O grupo G�rgen teve uma import�ncia cultural muito grande para nosso pa�s, com a presen�a de intelectuais em nossa terra.

Quais eram os maiores obst�culos enfrentados por esses exilados ao desembarcar no Brasil?

A l�ngua foi sem d�vida a maior dificuldade. E a pr�pria condi��o de refugiados impunha uma s�rie de obst�culos na retomada de suas vidas. Eles n�o tinham patrim�nios ao chegar. Conseguiam um visto para se manter vivos em um pa�s diferente, mas enfrentavam duras condi��es ao chegar. Muitos intelectuais n�o podiam chamar aten��o. No caso do grupo de G�rgen, por exemplo, como eles vieram para uma ind�stria, que produzia itens como vasos e ornamentos, eles n�o atuavam em suas �reas. Conseguiram um visto legal, por�m forjado ao declarar que eles trabalhariam nessa f�brica. At� os anos 1950, esses exilados enfrentavam grande dificuldade, passando por um per�odo de reclus�o e sil�ncio, imposto pela pr�pria situa��o hist�rica. Mesmo ao final da Segunda Guerra, com o in�cio da Guerra Fria, muitos desses judeus continuaram sem poder se manifestar intelectualmente. Como muitos eram socialistas, de esquerda, corriam o s�rio risco de serem taxados de comunistas, em um novo per�odo conturbado no Brasil. Al�m de judeus, n�o cat�licos, eles eram de esquerda. A pol�cia pol�tica do Brasil, o Dops e outros �rg�os os consideravam “defensores das ideologias ex�ticas”. Assim como G�rgen, que tamb�m defendia ideias de esquerda e foi muito perseguido por um longo per�odo.


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