
Juiz de Fora – Sem dinheiro e qualquer v�nculo com a nova terra, o grupo de refugiados que desembarcou no Brasil em 1941 enfrentaria outro desafio ao chegar em Juiz de Fora, tendo que fazer um trabalho para o qual n�o tinham a menor aptid�o. Parte dos integrantes da lista de G�rgen era de intelectuais, professores universit�rios, engenheiros e escritores e que n�o estavam acostumados ao trabalho em ind�strias. O pr�prio Hermann G�rgen, formado em hist�ria e filosofia, jamais tinha atuado no servi�o fabril, mesmo assim ficou encarregado de coordenar a produ��o da Ind�strias T�cnicas Ltda. (Intec).
O problema operacional do empreendimento, no entanto, foi considerado pequeno em compara��o com a situa��o vivida por aqueles classificados como “n�o arianos” nos territ�rios dominados pelo regime nazista. O professor alem�o passou pelo menos sete anos de sua vida, entre 1933 e 1940, mudando de cidades e pa�ses para n�o ser preso pela Gestapo (pol�cia secreta alem� de Hitler). Depois de se ver sem op��es de fuga no continente europeu, G�rgen tentou com outros nove pa�ses a libera��o para o seu grupo de perseguidos, mas sempre esbarrou na dificuldade de viabilizar permiss�es para a entrada de judeus. Foi ent�o que elaborou o plano de criar a f�brica, aproveitando informa��es que tinha sobre os projetos de industrializa��o do governo brasileiro.
Uma vez que o presidente Get�lio Vargas adotava postura contr�ria � entrada de judeus, mas, ao mesmo tempo, tinha o objetivo de atrair novas ind�strias, o nome do Brasil ganhou for�a nas tentativas de G�rgen em busca de uma rota de fuga. “Ele conseguiu salvar aquelas pessoas gra�as � promessa de fundar a ind�stria no Brasil. Na busca por lugares vi�veis para salvar refugiados do nazismo, ele tomou conhecimento de que o pa�s sul-americano tinha planos de se industrializar. Passou ent�o a articular isso para conseguir apresentar ao governo brasileiro uma justificativa que liberasse a entrada de seu grupo, formado por pessoas classificadas como ‘n�o arianas’”, explica a pesquisadora alem� Marlen Eckl. A Intec come�ou a funcionar no final de 1941, trabalhando com uma diversidade de produtos: vasos sanit�rios, ornamentos de ferro batido e chapas, mas a falta de qualifica��o dos funcion�rios para uma produ��o industrial ficou clara e o grupo foi se desintegrando logo no primeiro ano. “Eles come�aram a trabalhar no local, e o professor atuou como diretor. Mas ele era um fil�sofo, sem t�cnica ou experi�ncia em servi�os manuais. No grupo havia engenheiros, intelectuais e professores, que, com o tempo, passado o susto e a ang�stia para encontrar um lugar para receb�-los de forma segura, buscaram os pr�prios caminhos. Alguns foram para o Rio de Janeiro, outros para S�o Paulo ou para o Sul”, conta Marlen Eckl.
A partir de agosto de 1942, o cen�rio mudou com a decis�o do governo brasileiro de apoiar os Pa�ses Aliados – Estados Unidos, Fran�a e Inglaterra – e declarar guerra aos regimes fascistas do alem�o Adolf Hitler e do italiano Benito Mussolini. Por�m, para os integrantes do grupo de G�rgen, a troca de lado do Brasil no conflito mudou pouco a situa��o de dificuldade na produ��o da f�brica. Eles passaram a ser considerados inimigos dos Aliados e espi�es de Hitler no Brasil, justamente o regime que os expulsou de sua terra natal.
A f�brica continuou a receber refugiados judeus nos �ltimos anos da Segunda Guerra, mas o funcionamento n�o durou por muito tempo. “Para se ter ideia de como a atmosfera estava tensa naqueles dias, vale lembrar um caso que aconteceu com nosso padeiro. N�s o encorajamos a assar o p�o de centeio, um p�o alem�o escuro. Ele foi acusado de tentar envenenar a popula��o”, lembra a vi�va de G�rgen, Doris Schindel, em depoimento sobre a adapta��o do grupo em Juiz de Fora. Atualmente, no local onde funcionou a fundi��o de Hermann G�rgen existe uma loja de material de constru��o civil e um cinema er�tico voltado ao p�blico homossexual. A Avenida Francisco Bernardino � uma das principais do com�rcio do Centro da cidade e tem tr�nsito intenso.

Para conseguir entrar com seu grupo em Minas Gerais – em per�odo que o governo federal proibia a entrada de judeus no pa�s –, Hermann G�rgen contou com o apoio de comunidades judaicas estabelecidas no Brasil e em Portugal. Alguns integrantes do grupo investiram recursos para garantir um volume de dinheiro que serviria de capital para o funcionamento inicial da f�brica, mas, como v�rios exilados tiveram que deixar todos os seus pertences e recursos para tr�s, foi preciso o aux�lio de outros grupos de judeus para viabilizar a vinda dos protegidos de G�rgen.
Em Minas, eles conseguiram o apoio do ent�o interventor escolhido por Get�lio Vargas para governar o estado, Benedito Valadares. Os pesquisadores sobre a hist�ria dos exilados que viveram no estado, por�m, n�o conseguiram detalhar os motivos para esse apoio formal do Pal�cio da Liberdade. Em cartas deixadas por G�rgen, ele cita um “certo senhor Oskar Schwegler”, su��o residente no Brasil, como um dos respons�veis pelo estabelecimento da f�brica em Juiz de Fora. Um documento oficial do governador Benedito demonstra que existiu uma articula��o para que eles entrassem em territ�rio mineiro com apoio oficial da administra��o estadual.
“O caso do grupo G�rgen � uma exce��o nesse per�odo. Uma exce��o que mostra o lado humanista do Brasil, mas n�o do governo brasileiro. Poucas mobiliza��es conseguiram ser bem-sucedidas na entrada de exilados e refugiados no pa�s. G�rgen encontrou apoio no governo de Minas para esse salvamento. Foram raros os casos bem-sucedidos para o salvamento desses exilados. Em alguns casos, a mobiliza��o partia da pr�pria comunidade judaica no Brasil ou de outros cantos do mundo, uma vez que eles j� conheciam a situa��o terr�vel e as atrocidades enfrentadas nos territ�rios nazistas”, explica a historiadora da USP Maria Luiza Tucci Carneiro.
No documento enviado ao ent�o Ministro das Rela��es Exteriores Osvaldo Aranha, o governador Benedito Valadares pede para que a implanta��o da f�brica de G�rgen seja facilitada, assim como a libera��o permanente para que os exilados conseguissem o direito de viver no Brasil. “A respeito da organiza��o industrial em apre�o, j� tive a ocasi�o de escrever ao prezado amigo, solicitando-lhe provid�ncias para que fosse facilitada a vinda dos maquinismos ao Brasil”, disse Benedito em sua correspond�ncia. (MF)