(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas 'ESTUPRO CULPOSO'

Caso Mariana Ferrer: desmerecer a v�tima � comum em casos de estupro, relatam advogados

Um dos pontos que causaram indigna��o nas redes sociais foi a forma como o advogado do r�u, Andr� Camargo de Aranha tratou Mariana Ferrer durante uma audi�ncia. "Infelizmente � comum se desmerecer a v�tima como tese de defesa em crimes sexuais, mas ao n�vel que chegou esse caso nunca eu nunca presenciei", disse uma ju�za ouvida pela BBC


04/11/2020 00:28 - atualizado 04/11/2020 08:58


Advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho xingou a promoter Mariana Ferrer durante audiência
Advogado Cl�udio Gast�o da Rosa Filho xingou a promoter Mariana Ferrer durante audi�ncia (foto: Reprodu��o/Instagram/Facebook)

O processo criminal envolvendo o empres�rio Andr� Camargo de Aranha e a promoter Mariana Ferrer, no qual ele foi acusado de estupr�-la, causou indigna��o nas redes sociais nessa ter�a-feira (03/11).

Segundo Ferrer, o estupro ocorreu em dezembro de 2018 durante uma festa em um clube de luxo em Florian�polis. Ela diz que havia bebido e que, posteriormente, foi dopada e estuprada por Aranha. Ele nega o crime. O empres�rio foi inocentado pela Justi�a, a pedido do Minist�rio P�blico, �rg�o respons�vel pela acusa��o.

Um dos pontos que causaram indigna��o nas redes sociais foi a forma como Cl�udio Gast�o da Rosa Filho, advogado do empres�rio, tratou Mariana Ferrer durante uma audi�ncia por videoconfer�ncia. O v�deo da reuni�o foi divulgado pelo site The Intercept Brasil.

Em determinado momento, o advogado mostra fotos de Mariana Ferrer, publicadas nas redes sociais antes do caso e que nada t�m a ver com o processo. "Pe�o a Deus que meu filho n�o encontre uma mulher como voc�. Teu showzinho voc� vai l� dar no teu Instagram, para ganhar mais seguidores. Voc� vive disso."

"Tu trabalhava no caf�, perdeu emprego, est� com aluguel atrasado sete meses, era uma desconhecida. � seu ganha-p�o a desgra�a dos outros". Em outro ponto, Rosa Filho mostra outra imagem de Mariana Ferrer. "Essa foto extra�da de um site de um fot�grafo, onde a �nica foto chupando o dedinho � essa aqui, e com posi��es ginecol�gicas."

Em seguida, a promoter come�a a chorar e pede respeito. "O que � isso? Nem acusado de assassinato � tratado como estou sendo tratada, pelo amor de Deus. Nunca cometi crime contra ningu�m", diz.

Para a Juliana S� de Miranda, s�cia do Machado Meyer Advogados, tratamentos como esse t�m sido corriqueiros em casos de viol�ncia sexual em audi�ncias pelo Brasil.

"Em geral, esse � o tipo de tratamento contra a v�tima de estupro e ass�dio. Muitas vezes a v�tima acaba virando a vil�, h� uma desconstru��o da imagem da v�tima. Falam da roupa e do comportamento dela, dando a entender que ela consentiu. (Esse comportamento de advogados) � mais ou menos esperado", diz S� de Miranda.

Mariana Zopelar, advogada criminalista da banca Fenelon Cost�dio Advocacia, afirma que, em muitos casos, h� uma tentativa de julgamento da v�tima a partir de caracter�sticas que nada tem a ver com o processo. "Repudio esse tipo de excesso anti�tico. Muitas vezes, a tentativa � pegar um elemento exterior sobre quem � a v�tima, o que ela fazia, para tentar mostrar que houve consentimento", diz.

"Infelizmente � comum se desmerecer a v�tima como tese de defesa em crimes sexuais", afirma uma ju�za de direito criminal do Estado de SP, que atua h� quase 30 anos na �rea e foi ouvida pela BBC News Brasil. "� comum se tentar inverter o �nus da prova, mas ao n�vel que chegou esse caso nunca eu nunca presenciei", diz a ju�za.

"� uma estrat�gia que existe infelizmente quando a v�tima � vulner�vel", afirma o advogado criminalista, Yuri Carneiro Coelho, professor de direito penal e processo penal da Faculdade Nobre e UNEF. "Nesse caso foi filmado, mas isso �s vezes ocorre sem ser filmado e acaba n�o tendo essa repercuss�o."

No entanto, a professora de direito Ma�ra Zapater diz que n�o � correto afirmar que seja comum o uso dessa estrat�gia sem uma pesquisa sobre isso. "Eu n�o generalizaria sem uma pesquisa em m�os demonstrando esse dado. O advogados de defesa que s�o super s�rios n�o merecem ser colocados nesse balaio", afirma a criminalista.

A reportagem tentou tr�s vezes falar com o advogado Cl�udio Gast�o da Rosa Filho, mas n�o obteve retorno.


André Camargo de Aranha foi acusado de estupro em boate de luxo em Florianópolis
Andr� Camargo de Aranha foi acusado de estupro em boate de luxo em Florian�polis (foto: Reprodu��o/Redes Sociais)

'Advogado n�o poderia ter agido daquele jeito'

O que o advogado Rosa Filho fez na audi�ncia — falando do passado da v�tima e a xingando — n�o deveria ter acontecido, dizem juristas.

"� algo que n�o deveria ter sido permitido porque as coisas que ele estava falando n�o tinham absolutamente nada a ver com o processo", afirma Ma�ra Zapater, professora de direito penal e processo penal da Unifesp.

Para a ju�za criminal ouvida pela BBC News Brasil, a atitude de Rosa Filho extrapolou os limites do permitido em uma audi�ncia.

"Infelizmente, existe essa tese que as defesas levantam que a culpa � da v�tima. Mas nesse caso foram extrapolado todos os limites. (Se voc� humilha a pessoa dessa forma), a atitude do advogado deixa de ser defesa e passa a ser crime de inj�ria e difama��o."

Zapater, que estuda crimes sexuais, explica que em crimes de estupro, a acusa��o precisa demonstrar que aconteceu um ato sexual e que houve dissenso da v�tima, ou seja, que ela n�o queria aquele ato.

"Isso porque o crime de estupro � descrito como 'constranger algu�m, mediante viol�ncia ou grave amea�a, a praticar ato libidinoso'", explica Zapatar.

"E, no estupro de vulner�vel, se equiparam certas condi��es da v�tima � exist�ncia de viol�ncia: ou seja, mesmo que a v�tima diga que queria, se ela foi menor de 14 anos, se estiver embriagada, dormindo ou desacordada, a manifesta��o de vontade dela n�o � juridicamente v�lida", explica.

No caso da acusa��o de estupro feita por Mariana Ferrer, n�o h� controvers�ria de que houve um ato sexual. H� provas para comprovar o ato que ela diz que aconteceu e o laudo pericial mostra que houve penetra��o, ejacula��o e rompimento do h�men.

"A d�vida no caso � se ela consentiu ou n�o", explica Zapater. Mariana diz que estava embriagada e n�o se lembra — ent�o seria o caso de estupro de vulner�vel.

"Porque tudo isso � relevante para entender a conduta do advogado? Porque o que ele fez na audi�ncia n�o tem nada a ver com o processo", afirma Zapater. "O fato de ela tirar fotos e colocar no Instagram, o fato de ela ser virgem ou n�o ser virgem, o fato de ela ter qualquer conduta antes do caso n�o � relevante para essa produ��o de prova (em rela��o a ela ter consentido ou n�o). Aquilo n�o deveria ter sido permitido porque o advogado estava extrapolando o que dizia respeito aos autos, n�o tinha nada a ver com o processo", diz Zapater.

A professora da Unifesp lembra que Mariana Ferrer n�o est� no processo como acusa��o, n�o tem advogado de defesa.

"A gente n�o sabe at� que ponto aquilo estava sendo usado pelo advogado para confirmar preconceitos pr�vios que o promotor tivesse, que o juiz tivesse", diz Zapater.

"Em geral, o Brasil � t�o punitivista, t�o acusat�rio, � um pa�s que prende muito, mas quando se fala de crimes quando a mulher � v�tima, toda essa preocupa��o com a inoc�ncia do acusado aparece. Principalmente quando o que se tem como prova � a palavra da v�tima", afirma Zapater.

A professora de processo penal afirma que tanto o MP quanto a Justi�a desconsideraram que Ferrer disse que estava embriagada e n�o tinha capacidade de consentir. Desconsideraram tamb�m elementos apresentados por ela que corroboram sua vers�o.

"E quando a gente junta isso com a declara��o do advogado, fica uma demonstra��o do quanto ainda existe uma mentalidade machista que julga a conduta de mulheres que s�o v�timas de crimes sexuais", afirma Zapater.

O que o juiz deveria ter feito?

A ju�za criminal ouvida pela BBC News Brasil sob anonimato explica que durante a audi�ncia o juiz exerce poder de pol�cia, ou seja, pode delimitar o que vai ser discutido e a forma que vai tomar aquele processo.

Em tese, explica, o juiz poderia tomar provid�ncias para que a v�tima n�o passasse por humilha��es.

"Aquela audi�ncia ia dar problema, porque se o juiz p�e o advogado para fora depois ele poderia ser ser representado por cerceamento de defesa. Mas em tese ele poderia dizer 'doutor, vamos nos ater aos autos', ele poderia em tese tomar provid�ncias para que a v�tima n�o passasse por tudo aquilo", afirma.

"Caberia tanto ao juiz reprimir quanto ao membro do Minist�rio P�blico pedir para que o juiz tomasse provid�ncias", afirma o criminalista Yuri Carneiro Coelho.

A Corregedoria Nacional de Justi�a instaurou uma apura��o sobre a condu��o do juiz do TJ-SC na audi�ncia, a pedido do conselheiro Henrique �vila, do Conselho Nacional de Justi�a. "O que assistimos foi algo repugnante. � preciso que o �rg�o correcional apure os fatos", afirmou.

O senador Fabiano Contarato (Rede-SC) tamb�m entrou com representa��o contra o promotor do caso no Conselho Nacional do Minist�rio P�blico.

Zapater explica que, embora o advogado de defesa possa fazer perguntas para a v�tima, ela n�o estava ali para ser interrogada nem era acusada de nada.

"O advogado pode ser submetido a um processo disciplinar pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Estado dele ou Ferrer pode entrar com um processo de danos morais contra ele", explica.


Caso aconteceu em boate de luxo na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis
Caso aconteceu em boate de luxo na praia de Jurer� Internacional, em Florian�polis (foto: Getty Images)

"Eu n�o tenho d�vidas que a postura do advogado extrapolou o limite do que se considera aceit�vel para o direito de defesa", afirma Carneiro Coelho. "Nesse caso ele transformou um ato de defesa em um ato do humilha��o p�blica."

'Estupro culposo?'

O juiz Rudson Marcos afirmou na senten�a que n�o havia provas para comprovar que a promoter estava alcoolizada ou que Andr� Camargo de Aranha soubesse da aus�ncia de capacidade de resist�ncia de Ferrer.

O juiz n�o diz que houve "estupro culposo", termo que foi parar entre os assuntos mais comentados no Twitter ap�s a video da audi�ncia ser publicado pelo site The Intercept. Um crime culposo � um crime cometido sem dolo, ou seja, sem inten��o.

O uso do termo "estupro culposo" estava em uma passagem citada pelo juiz para explicar porque para se configurar estupro de vulner�vel "� necess�rio que a v�tima, por qualquer motivo, n�o tenha condi��es f�sicas ou psicol�gicas de oferecer resist�ncia � investida do agente criminoso". O termo faz parte do livro Direito Penal esquematizado, volume 3: parte especial, de Cleber Masson, em que o autor citado pelo juiz teria escrito "como n�o foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulner�vel, o fato � at�pico".

O termo acabou entre os assuntos mais comentados no Twitter porque n�o existe a modalidade de 'estupro culposo' no ordenamento jur�dico brasileiro — ou seja, n�o � poss�vel cometer esse crime sem inten��o. Mas o trecho citado pelo juiz n�o questiona isso, justamente afirma que n�o existe estupro culposo, explicam os juristas.

"O que o juiz alegou � que n�o havia provas de que o r�u soubesse que Ferrer n�o estava em condi��es de resistir ao ato sexual", explica a advogada criminalista Mariana Zopelar, que analisou a senten�a do caso.

Ou seja, o que o juiz afirma � que, ainda que Ferrer estivesse embriagada, n�o era vis�vel e o acusado n�o teria como perceber isso. Por isso, disse o juiz, o caso seria um "erro de tipo", ou seja, que n�o � poss�vel provar que a conduta de Andr� Camargo de Aranha se encaixa nos tipos penais que descrevem estupro e estupro de vulner�vel no c�digo penal.

Como o pr�prio Minist�rio P�blico (que faz a acusa��o) pediu a absolvi��o do r�u, o juiz n�o poderia t�-lo condenado, explica Zapater.

  • J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)