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Estado de Minas CONSCI�NCIA NEGRA

Homic�dio no Carrefour: apesar do negacionismo do Planalto, estat�sticas escancaram racismo estrutural no Brasil

Na v�spera do Dia da Consci�ncia Negra, Jo�o Alberto Silveira Freitas, um homem negro, foi espancado e asfixiado at� a morte por dois homens brancos em um supermercado de Porto Alegre


21/11/2020 06:00 - atualizado 21/11/2020 07:22

'Fogo nos racistas': verso do rapper mineiro Djonga citado em manifestação em Belo Horizonte, em junho deste ano(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
'Fogo nos racistas': verso do rapper mineiro Djonga citado em manifesta��o em Belo Horizonte, em junho deste ano (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Nunca ser� demais repetir que o racismo n�o acontece apenas quando um negro � ofendido verbalmente. O racismo, nas palavras da autora Djamila Ribeiro, em ‘Pequeno Manual Antirracista’, de 2019, � “um sistema de opress�o que nega direitos, e n�o um simples ato da vontade de um indiv�duo”.

Um dos direitos subtra�dos por esse sistema � o direito � vida, como ocorreu com Jo�o Alberto Silveira Freitas, um homem negro, de 40 anos, espancado e asfixiado at� a morte por dois homens brancos dentro de uma unidade do supermercado Carrefour, em Porto Alegre. O caso aconteceu nessa quinta-feira, v�spera do Dia da Consci�ncia Negra.

O PM Giovane Gaspar da Silva, de 24 anos, e o seguran�a Magno Braz Borges, de 30, autores das agress�es registradas pela c�mera de um celular – apesar de uma funcion�ria do supermercado ter tentado impedir a grava��o – foram presos preventivamente ainda na noite de quinta e devem responder por homic�dio triplamente qualificado: por motivo f�til, com emprego de asfixia e pela utiliza��o de recurso que impossibilitou a defesa da v�tima.

O laudo pericial realizado pela pol�cia de Porto Alegre confirmou que Jo�o foi morto por asfixia. O caso � semelhante ao do negro americano George Floyd, assassinado em julho, em Minnesota, depois que um policial branco permaneceu mais de nove minutos com o joelho sobre seu pesco�o. Na ocasi�o, que tamb�m foi filmada, Floyd repetiu por mais de 20 vezes a frase: “I can’t breath (Eu n�o consigo respirar)”.

Casos como o de Jo�o Alberto s� alcan�am grande repercuss�o porque s�o gravados. Longe das c�meras, negros (soma de pretos e pardos, de acordo com a classifica��o adotada pelo IBGE) representam 75,7% das v�timas de homic�dios no Brasil. Os dados s�o do Atlas da Viol�ncia 2020, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea), com base em dados coletados entre 2008 e 2018.

Significa que para cada ‘n�o negro’ (brancos, amarelos e ind�genas) assassinado, s�o mortos 2,7 negros – quase o triplo. As negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2. Quase o dobro quando comparada � de mulheres n�o negras.

Outro dado que chama a aten��o � que, no per�odo pesquisado, os homic�dios contra negros subiram 11,5%, enquanto os assassinatos de pessoas de outras etnias ca�ram 12,9%.

Ainda de acordo com o Atlas, apenas em um dos 27 estados do Brasil, negros s�o menos assassinados do que pessoas das demais ra�as. Com exce��o do Paran�, em todas as unidades da federa��o, um negro tem mais chances de ser morto do que um ‘n�o negro’. 

Em Minas Gerais, a taxa de assassinatos por 100 mil habitantes � de 19,9 para negros e 9,9 para n�o negros.

A maior disparidade est� em Alagoas. L�, a quantidade de homic�dios de � 17,2 vezes maior do que a de n�o negros.

Existe racismo no Brasil

Jo�o Batista Rodrigues Freitas, de 65 anos, pai da v�tima estava em um culto evang�lico quando recebeu a not�cia de que seu filho tinha sido espancado e morto. “Foi uma coisa horr�vel. Espero que ningu�m passe por isso. Perder o filho daquela maneira, sendo agredido bruscamente por fac�noras. Chamar aquilo de seguran�a � desmerecer os verdadeiros seguran�as. Eu n�o sei o que levam as pessoas a agir desta forma. Para mim este crime teve um grau de racismo. N�o � poss�vel, uma pessoa ter tanta f�ria de outra pessoa. Espero que a Justi�a seja feita”, disse o sr. Jo�o em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo nesta sexta.

Distante fisicamente – e, aparentemente tamb�m com distanciamento sentimental – do epis�dio, o vice-presidente Hamilton Mour�o discordou da fala do pai da v�tima e afirmou, por mais de uma vez, que n�o existe racismo no Brasil.

Para mim, no Brasil n�o existe racismo. Isso � uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso n�o existe aqui. Eu digo para voc� com toda a tranquilidade: n�o tem racismo aqui. Eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem l�. Na escola em que eu morei l�, o ‘pessoal de cor’ andava separado”, disse o vice-presidente nesta sexta, em Bras�lia.

O pensamento negacionista de Mour�o converge com o do presidente da Rep�blica, Jair Bolsonaro, que frequentemente tenta minimizar a exist�ncia do racismo no Brasil

“Essa coisa do racismo, no Brasil, � coisa rara. O tempo todo jogar negro contra branco, homo contra h�tero, desculpa a linguagem, mas j� encheu o saco esse assunto”, declarou o presidente em maio do ano passado, em entrevista � RedeTV.

Contra as falas de Bolsonaro e Mour�o, as estat�sticas. Em 2008, foram registrados 32.702 homic�dios de negros no Brasil. Em 2018, esse n�mero subiu para 43.890, segundo o Atlas da Viol�ncia. Significa que 120 pessoas negras s�o mortas por dia no pa�s.

“Quando o assunto � vulnerabilidade � viol�ncia, negros e n�o negros vivem realidades completamente distintas e opostas dentro de um mesmo territ�rio”, diz o documento.

O estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Ra�a no Brasil, publicado em 2019 pelo do IBGE, mostra que no mercado de trabalho, 68,6% dos cargos de ger�ncia s�o ocupados por brancos, contra 29,9% de pretos e pardos.

Na distribui��o de renda, o mesmo levantamento aponta que, entre as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza (com menos de 5,50 d�lares, ou R$29,59 por dia), 15,4% s�o brancos e 32,9% s�o negros.

A taxa de analfabetismo (de pessoas com mais de 15 anos) entre brancos � de 3,9%, enquanto a de negros � de 9,1%.

Entre os deputados federais eleitos em 2018, 75,6% se autodeclaram brancos e 24% se consideram pretos e pardos.

Repercuss�o

A morte de Jo�o Alberto causou como��o e gerou uma onda de protestos pelo Brasil. No Centro de BH, dezenas de pessoas protestaram em frente a uma loja do Carrefour. O estabelecimento teve que fechar as portas, ap�s manifestantes se concentrarem em frente � unidade, aos gritos de “assassinos” e “fogo nos racistas”, citando a letra de uma das m�sicas do rapper belo-horizontino Djonga.

O pr�prio m�sico compareceu ao ato e relatou a dor sentida com a morte de Jo�o Alberto. “A gente tem acordado com not�cias tristes como essa durante todos os dias e meses deste ano. Nosso pa�s mata negros ‘a rodo’. Infelizmente, hoje, que era um dia para celebrar a luta da popula��o preta do nosso pa�s e do mundo — e dever�amos celebrar todos os dias — acordamos com uma not�cia como essa.”, desabafou.
Os protestos se repetiram no Rio de Janeiro, Bras�lia, e Porto Alegre. Em S�o Paulo, manifestantes atiraram pedras na fachada de dos supermercados do Carrefour. O estabelecimento chegou a ser invadido e depredado.

Nas redes sociais, as hashtags #Justi�aporBeto e #VidasPretasImportam, al�m das palavras “Carrefour” e “Racismo” ficaram entre as mais publicadas.

V�rias autoridades tamb�m se manifestaram sobre a morte de Jo�o Alberto. Pelo Twitter, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, prestou solidariedade � fam�lia da v�tima e disse que � preciso combater o racismo estrutural.

“Na v�spera do Dia da Consci�ncia Negra, marcado pelo preconceito racial, o b�rbaro homic�dio praticado no Carrefour escancara a obriga��o de sermos implac�veis no combate ao racismo estrutural, uma das piores chagas da sociedade. Minha solidariedade � fam�lia de Jo�o Alberto”, disse Moraes.

O presidente do STF, Luiz Fux, disse que “independentemente de vers�es, toda viol�ncia � desmedida e deve ser banida da sociedade”. E completou. “Triste epis�dio. No momento em que comemoramos o Dia da Consci�ncia Negra, que n�s fa�amos um minuto de sil�ncio em homenagem a esse jovem que foi brutalmente morto ontem e que era afrodescendente, negro.”
 
Outro membro da corte a se manifestar foi Gilmar Mendes, que repudiou o ato de racismo: “O Dia da Consci�ncia Negra amanheceu com a escandalosa not�cia do assassinato b�rbaro de um homem negro espancado em um supermercado. O epis�dio s� demonstra que a luta contra o racismo e contra a barb�rie est� longe de acabar. Racismo � crime! #VidasNegrasImportam”.

Assim como Lu�s Roberto Barroso: “Afrodescendentes ajudaram a construir o Brasil. Temos dever de reparar a chaga moral da escravid�o, enfrentar o racismo estrutural (estere�tipos e subalternidade) e dar oportunidades de acesso a posi��es de destaque no setor p�blico e privado. Fazer um pa�s para todos”.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, prometeu puni��o aos homens filmados espancando e asfixiando Jo�o Alberto. “Infelizmente nesse dia que n�s dever�amos estar celebrando essas pol�ticas p�blicas nos deparamos com cenas que deixam todos indignados pelo excesso de viol�ncia, que levou a morte de um cidad�o negro, em um supermercado da capital ga�cha. Todas as circunst�ncias em que esse crime aconteceu est�o sendo apuradas, para que sejam punidos os respons�veis”.

Os presidentes da C�mara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, tamb�m prestaram solidariedade � fam�lia da v�tima e destacaram a necessidade de combater o racismo estrutural.

Sem citar a cor de Jo�o Alberto, Damares Alves, ministra da Mulher, Fami%u0301lia e Direitos Humanos, se pronunciou, dizendo que “a vida de mais um brasileiro foi brutalmente ceifada no estacionamento de um supermercado”. A ministra disse, ainda, que as imagens s�o chocantes, que se solidariza com a fam�lia do homem assassinado e colocou o Minist�rio � “disposi��o para prestar toda assist�ncia necess�ria.”

Curiosamente, o presidente Jair Bolsonaro, que sempre chama a aten��o em eventos e nas redes sociais por causa de suas opini�es sobre os mais diversos assuntos, n�o se pronunciou sobre a morte de Jo�o Alberto.

�s 23h09 da sexta-feira, Bolsonaro fez uma s�rie de publica��es em seu Twitter. Sem citar o assassinato ocorrido no Carrefour, nem fazer alus�o ao dia da Consci�ncia Negra, o presidente alegou que “problemas como o da viol�ncia s�o vivenciados por todos”, ignorando todas as estat�sticas sobre as mazelas sofridas pela popula��o negra.

E finalizou, em tom acusat�rio: “Aqueles que instigam o povo � disc�rdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam n�o somente contra a Na��o, mas contra nossa pr�pria hist�ria. Quem prega isso, est� no lugar errado. Seu lugar � no lixo!”




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