
Todos os dias, pelo menos 243 casos de tortura ou agress�o f�sica ou psicol�gica (mais de dez por hora) contra menores de idade s�o notificados no Brasil. Para especialistas, esse n�mero representa apenas a ponta de um problema muito maior. A estimativa � de que para cada registro de viol�ncia desse tipo, outros 20 casos aconte�am - e n�o sejam oficialmente denunciados. Essas agress�es muitas vezes s�o invis�veis, sobretudo quando n�o terminam - ou at� terminarem - em morte. Foi provavelmente o caso do menino Henry Borel, de 4 anos. Ele morreu com les�es que levantaram suspeita de tortura.
A maioria dos casos ocorre dentro da pr�pria casa do menor e tem como autores pessoas do seu c�rculo familiar, sobretudo pai, m�e ou respons�vel. As crian�as s�o ref�ns de seus agressores, sobretudo em uma situa��o de quarentena e fechamento das escolas impostos pela pandemia de covid-19. O levantamento foi feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria, com apoio da ag�ncia 360° CI, junto ao Sistema Nacional de Agravos de Notifica��o (Sinan) do Minist�rio da Sa�de.
Somente no ano de 2019 (dado mais recente dispon�vel), a soma desses tr�s tipos de crime contra crian�as e adolescentes de 0 a 19 anos chegou a 88.572 notifica��es. Desse total de casos, 71% (62.537) foram de viol�ncia f�sica; 27% (23.693) de viol�ncia psicol�gica; e 3% (2.342) de tortura. As agress�es deixam em muitos casos severas sequelas f�sicas, ps�quicas e cognitivas nos menores, interferindo em seu desenvolvimento.
Ao analisar a s�rie hist�rica entre 2010 e 2019, o n�mero total de agress�es chega a 629.526; ou 173 casos por dia. Impressiona que desde a ado��o dessa plataforma os registros tenham crescido de forma consistente. Em 2010, foram 24.040 notifica��es. Em 2019, o n�mero j� havia saltado para 88.572 - um aumento de 268%.
"Durante muito tempo a viol�ncia contra a mulher foi silenciada, normalizada, todo mundo fingia que n�o existia; isso s� come�ou a mudar depois da Lei Maria da Penha", compara a ju�za Andrea Pach�, da 4.ª Vara de �rf�os e Sucess�es do Tribunal de Justi�a do Rio. "O mesmo est� acontecendo agora com a viol�ncia contra as crian�as; quando a viol�ncia vem � tona, as pessoas come�am a ficar mais atentas aos sinais."
Pelos dados do Sinan, � poss�vel observar que as agress�es atingem todas as faixas et�rias da popula��o pedi�trica. Quase 25 mil casos notificados nas unidades de sa�de p�blicas e privadas ao longo da �ltima d�cada eram de beb�s menores de 1 ano. Outros 51,3 mil registros envolviam crian�as de um a quatro anos. "Esses n�meros s�o apenas a ponta de um enorme iceberg", aponta o pediatra Marco Ant�nio Chaves Gama, presidente do Departamento Cient�fico de Seguran�a da SBP. "A subnotifica��o � uma realidade; o total de casos que n�o chega ao atendimento m�dico nem ao conhecimento das autoridades, � significativo. N�s que lidamos com isso todos os dias sabemos muito bem." Segundo ele, os agressores s� levam as v�timas para o m�dico quando a viol�ncia assume propor��es muito graves ou quando h� risco de morte. Por outro lado, diz, crian�as que s�o agredidas desde muito jovens tendem a achar que a viol�ncia � normal e n�o costumam denunciar.
Doen�a. Especialistas lembram que � poss�vel notificar a mera suspeita de viol�ncia ao Conselho Tutelar e ao Minist�rio P�blico para investiga��o posterior por parte das autoridades. Casos mais graves podem ser denunciados � pol�cia, at� de forma an�nima. "A viol�ncia � uma doen�a que n�o v� distin��o de classe social, etnia, religi�o ou grau de escolaridade dos pais e vai se perpetuando nas fam�lias", explica Gama. "Precisamos interferir, interromper esse ciclo, salvar as vidas dessas crian�as e impedir que cres�am com sequelas."
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.