
Entre os 14 nomes que comp�em o Superior Tribunal Militar (STM), apenas um � feminino. Maria Elizabeth Guimar�es Teixeira Rocha � a �nica mulher da Corte. A ministra sabe bem o porqu�: “Preconceitos sexistas e mis�ginos perpassam o Poder Judici�rio em todas as suas inst�ncias. O Brasil � um pa�s onde o patriarcalismo ainda predomina. Para mim a forma adequada para lidar com estigmatiza��es � uma s�: enfrent�-las”.
Maria Elizabeth se declara feminista e sabe que vencer o p�riplo para chegar aos tribunais superiores requer muito mais do que ser uma boa julgadora. “O merecimento, uma forma autorizada de ‘coopta��o’ de Cortes predominantemente masculinas, promove homens em sua maioria. Aquelas que superam tais restri��es destacam-se para al�m das capacidades exigidas de maneira geral”, garante.
Afirma, ainda, que o maior desafio das mulheres que chegaram a inst�ncias de poder � claro: “Todas aquelas que romperam paradigmas possuem uma concreta responsabilidade em auxiliar as demais. N�o podem se furtar de fazer valer o significado de sua condi��o no interior de uma cultura sexista e patriarcal. A sororidade deve prevalecer”.
Sobre a pandemia, a ministra defende o papel do STF, que determinou instala��o da CPI da Covid: “O STF, como de resto todo o Poder Judici�rio, n�o pode se furtar da imposterg�vel incumb�ncia de assumir parcela da responsabilidade social que lhe � devida na fiscaliza��o do atuar p�blico”.
E n�o deixa de criticar a atua��o do governo. Para ela, muitas vidas perdidas poderiam ter sido salvas n�o fosse a inefici�ncia na compra das vacinas, “postergada pelo Minist�rio da Sa�de ou em virtude de uma diplomacia que envergonhou a Na��o e humilhou o Itamaraty”. Credita tamb�m responsabilidade ao presidente da Rep�blica, que equiparou a covid-19 a uma ‘gripezinha’, ao negacionismo e ao menosprezo � ci�ncia essa grande trag�dia humanit�ria. “Foram tantos os equ�vocos que hoje s� nos resta chorar pelos mais de 480 mil mortos”, lamenta Maria Elizabeth. Leia, a seguir, os principais trechos desta entrevista ao Correio.
Como encara a sua presen�a solit�ria, como mulher, no STM? A discrimina��o de g�nero � uma realidade ainda hoje nos tribunais? Qual � a forma adequada de lidar com preconceitos sexistas no dia a dia dentro e fora dos tribunais?
Ser a �nica mulher no Superior Tribunal Militar me estimula. Minha presen�a representa a possibilidade de acesso das mulheres a todos os lugares que, at� bem pouco tempo, constitu�am redutos de masculinidade. Tenho plena consci�ncia da responsabilidade de abrir caminhos para as novas gera��es, por isso redobro meus esfor�os e estudos para desempenhar bem a judicatura. Por certo, preconceitos sexistas e mis�ginos perpassam o Poder Judici�rio em todas as suas inst�ncias. O Brasil � um pa�s onde o patriarcalismo ainda predomina, e essa cultura imp�e uma mudan�a de mentalidades que se descontr�i a longo prazo, com a educa��o. Para mim, a forma adequada para lidar com estigmatiza��es � uma s�: enfrent�-las. N�o h� outro caminho poss�vel! A hist�ria das mulheres � uma hist�ria de lutas e resist�ncias na qual desistir n�o �, nem nunca foi, uma op��o.
Pela primeira vez na hist�ria do pa�s, o presidente recebeu uma lista tr�plice para o TSE apenas com mulheres. Isso � um avan�o?
Com certeza! E eu atribuo esta mudan�a de cen�rio a um c�mbio de posicionamento mundial que reivindica o reconhecimento e a amplia��o dos direitos da popula��o feminina: civis, pol�ticos, sociais e culturais, que v�o ao encontro de garantias jur�dicas fundamentais que privilegiam modos de ser e de viver distintos dos padr�es androc�ntricos.
A que atribui o reduzido n�mero de mulheres nas altas cortes? Na primeira inst�ncia j� somos maioria, por que isso acontece? H� blindagem nas indica��es pol�ticas?
Sem d�vidas! Atualmente, as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de gradua��o, conforme Censo da Educa��o Superior de 2016 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep), a demonstrar o acesso crescente das mulheres ao ensino superior. O reflexo � a Justi�a Comum de 1ª inst�ncia contar com ju�zas que giram em torno de 40% gra�as � aprova��o em concurso p�blico. Todavia, o p�riplo para chegarem aos Tribunais ad quem e, sobretudo, superiores, mostra-se mais �rduo. Para tanto, n�o basta ser uma boa julgadora, sequer, excelente. O acesso atrelado ao bin�mio antiguidade e merecimento, para a mulher, parece centrar-se na exig�ncia da idade no exerc�cio da fun��o. O merecimento, uma forma autorizada de “coopta��o” de Cortes predominantemente masculinas, promove homens em sua maioria. Aquelas que superam tais restri��es destacam-se para al�m das capacidades exigidas de maneira geral.
Trata-se de uma contrassenso, para dizer o m�nimo.
� evid�ncia, inexiste base ou referencial cient�fico a indicar que alguma caracter�stica fisiol�gica ou psicol�gica feminina desqualifique as mulheres na tarefa de julgar monocraticamente ou em um colegiado, tampouco, que as credenciem como menos eficientes ou equilibradas. O problema n�o � o modo como elas exercem o poder, mas o caminho que devem percorrer e os obst�culos que devem enfrentar para obter as devidas promo��es.
Quais fatores contribuem mais para impedir a ascens�o das mulheres?
Em 2014 as ju�zas correspondiam a 35,9% do universo de magistrados, conforme Censo do Poder Judici�rio realizado pelo CNJ. A pesquisa identificou que, quanto mais elevada a posi��o na carreira, menor � a presen�a feminina, correspondendo em termos percentuais a 44% dos ju�zes substitutos, 39% dos ju�zes titulares, 23% dos desembargadores e apenas 16% dos ministros de tribunais superiores. Esta situa��o decorre de, nas inst�ncias superiores de maneira geral, os cargos serem providos por indica��o pol�tica, pelo que diminuta a participa��o da mulher devido �s dificuldades de ela transitar em espa�os historicamente ocupados por homens. Acres�a-se que neste ponto da disputa, a meritocracia n�o mais predomina, momento no qual a ascens�o feminina � dificultada ou mesmo obstaculizada. A escolha de mulheres, portanto, passa a ser uma possibilidade menor, uma vez que � da natureza humana indicar os semelhantes.
H� dados concretos desta discrimina��o?
Prova disto foi o Conselho Nacional de Justi�a, avaliando os dados sobre a representatividade de g�nero, constatar as flagrantes assimetrias entre os sexos na ocupa��o de cargos, raz�o pela qual editou a Resolu��o CNJ nº 255, de 4 de setembro de 2018, que instituiu a Pol�tica Nacional de Incentivo � Participa��o Institucional Feminina no Poder Judici�rio para eliminar todas as formas de discrimina��o contra a mulher. Esta pol�tica nacional disp�e que todos os ramos e unidades do Judici�rio dever�o adotar medidas assecurat�rias em favor da igualdade no ambiente institucional, propondo diretrizes e mecanismos que orientem os �rg�os judiciais a incentivar a participa��o feminina nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais. Ainda nesse contexto, em 2019, o Conselho Nacional de Justi�a publicou o Relat�rio de Diagn�stico da Participa��o Feminina no Poder Judici�rio, analisando as informa��es sobre magistradas e magistrados que atuaram nos 68 Tribunais pesquisados, nos �ltimos 10 anos (2008-2018), incluindo aposentados e afastados da jurisdi��o. A an�lise concluiu que a Judicatura P�tria � composta, majoritariamente, por homens, com apenas 38,8% de mulheres em atividade.
Nas inst�ncias superiores, as estat�sticas s�o mais desfavor�veis?
O percentual de magistradas nos cargos de desembargadoras, corregedoras, vice-presidentes e presidentes aumentou nos �ltimos 10 anos. Entretanto, permanece no patamar de 25% a 30%. Nos tribunais superiores, ele caiu de 23,6%, nos �ltimos 10 anos, para 19,6%, se se considerar somente as que est�o na ativa. Mais: em m�dia, as mulheres preencheram somente de 15% a 23% dos cargos de presidente, vice-presidente, corregedora ou ouvidora na �ltima d�cada. Dessa forma, � flagrante ser a participa��o feminina no Judici�rio Nacional extremamente baixa.
E no STM?
No Judici�rio Federal Castrense Federal, ramo especializado da Justi�a que eu integro, o acesso � ainda mais dif�cil, principalmente, no �mbito do STM, o �rg�o de c�pula desta Justi�a Especializada, que conta s� comigo, como a primeira e �nica mulher a ocupar a vaga de ministro civil reservada � advocacia. Isso porque as vagas destinadas aos ministros militares, 10 ao todo, por imposi��o constitucional, devem ser ocupadas por generais, almirantes e brigadeiros do �ltimo posto e patente do oficialato. Da� se faz necess�ria a integra��o plena da mulher nas For�as Armadas, para que ela possa ascender ao generalato de 4 estrelas e, consequentemente, ser indicada para compor a Corte Superior Castrense.
Qual o impacto de uma presen�a maior de mulheres nos tribunais?
� importante frisar que a presen�a de mulheres de g�neros e etnias variados no Poder Judici�rio n�o � concebida para que as magistradas julguem suas “iguais”, mas para que a Justi�a se torne um �rg�o plural e inclusivo, al�m, � claro, de significar chances id�nticas de acesso. Por isso, a nomea��o de mais ju�zas ter� um impacto positivo na presta��o jurisdicional e no desenvolvimento da lei substantiva, uma vez que o feminino v� o mundo sob uma perspectiva diversa do masculino. Nada mais saud�vel para a democracia, sabido que a alteridade perspectiva uma humanidade mais fraterna, libert�ria e, sobretudo, fil�gina!
Ao tomar posse a senhora disse em discurso: “Uma democracia sem mulheres � uma democracia incompleta”. As coisas mudaram de l� pra c�? Quando seremos uma democracia completa?
O mundo avan�ou, � inquestion�vel! Muitas conquistas advieram nestes meus 14 anos de magistratura. Mas a hist�ria � um processo lento e continuado e n�o caminha em saltos. Por esta raz�o, respondendo a sua pergunta, seremos uma democracia completa quando as autonomias privadas deixarem de se submeter aos crivos hier�rquicos que, sob tal pretexto, conduzam a privil�gios e restri��es. Quando se fala em discrimina��o contra a mulher, se fala de uma desiguala��o que n�o � natural, e sim proveniente de um construto social. Assim, para que grupos propositalmente isolados possam integrar plenamente a comunidade pol�tica, � fundamental a estatalidade ditar regras e medidas de inclus�o. At� porque a isonomia apresenta-se como um vi�s da n�o domina��o ou da n�o submiss�o, implicando numa vis�o cr�tica sobre a condi��o humana. Ela sobrepaira as regras formais para ascender � realidade social relevante.
Machismo e preconceito s�o obst�culos � democracia, ent�o.
Em um contexto democr�tico, nenhuma concretiza��o deste princ�pio pode ser considerada v�lida se alija e menoscaba a participa��o daqueles que se encontram em situa��o concreta de vulnerabilidade d�spar, como � o caso das mulheres, afrodescendentes, ind�genas, hipossuficientes, dentre outros segmentos populacionais e de classe. Nessa perspectiva, mulheres negras, mulheres pobres, mulheres vitimizadas pela viol�ncia de g�nero, merecem um corte anal�tico distinto, na medida em que as viv�ncias de cada uma delas se sobrep�em e se intersectam �s identidades sociais e aos sistemas de opress�o e domina��o relacionados. Dito de outro modo, para se entender como a injusti�a social sist�mica ocorre em uma base multidimensional, criando m�ltiplas formas de sufocamento, � imperioso considerar os crit�rios de intera��o identificadores das estruturas de subordina��o em contextos que nada t�m de neutro ou natural, ainda que cotidianos.
A senhora passou em primeiro lugar em concurso para procuradora federal. Foi a primeira mulher em 200 anos a presidir o STM, � constitucionalista, garantista e feminista entre militares e civis. Sente-se desafiada em fazer diferen�a?
O meu maior desafio � construir caminhos e alternativas vi�veis �s mulheres que almejam nada mais do que a igualdade. Tenho plena convic��o de que todas aquelas que romperam paradigmas possuem uma concreta responsabilidade em auxiliar as demais para alcan�arem seus objetivos e aspira��es. As mulheres que tiveram acesso ao poder n�o podem se furtar de fazer valer o significado de sua condi��o no interior de uma cultura sexista e patriarcal. A sororidade deve prevalecer.
Qual feminismo a senhora defende?
A hist�ria do feminismo, e eu sou uma feminista do meu tempo, possibilita reflex�es inovadoras sobre a constru��o coletiva da identidade da mulher, legitimando-a a enfrentar o novo mil�nio. Falar contempor�neo implica construir o processo de feminiza��o, implica refutar estere�tipos carcomidos e caminhar em dire��o � equidade entre humanos como condi��o indispens�vel da dignidade. Afinal, numa sociedade plural, inexiste espa�o para estamentos exclusivistas nem posturas neutras. As distor��es persistentes, n�o s� no Judici�rio, mas em todas as institui��es, descortinam o acentuado predom�nio do sexo masculino, notadamente de homens brancos e heterossexuais. Tais caracter�sticas, difundidas como se fossem gerais e representativas de todas as classes e pessoas, esbatem-se nas virtudes c�vicas; e, neste momento, a Justi�a torna-se enviesada.
O Congresso instalou a CPI da Covid por determina��o do ministro Lu�s Roberto Barroso. Cabe ao STF esse tipo de decis�o que interfere nos trabalhos do Legislativo?
A quem caberia, sen�o ao Poder Judici�rio, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal, em cumprimento de sua miss�o de guardi�o da Constitui��o? Isto n�o �, de forma alguma, inger�ncia de um Poder em outro, mas o exerc�cio do leg�timo dever de compelir judicialmente o Congresso Nacional, at� ent�o inadimplente. O STF, como de resto todo o Poder Judici�rio, n�o pode se furtar da imposterg�vel incumb�ncia de assumir parcela da responsabilidade social que lhe � devida na fiscaliza��o do atuar p�blico.
A Suprema Corte � excessivamente politizada?
N�o a considero nem politizada, nem ativista. Seu atuar tem sido de extrema import�ncia na consolida��o de garantias que consubstanciam o pr�prio ide�rio civilizat�rio, a exemplo do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da pesquisa com c�lulas troncos e da concretiza��o dos direitos sociais, dentre outros temas. O acesso ao Poder Judici�rio, nomeadamente o acesso ao STF em sede de controle abstrato para questionar e impulsionar o Estado, se imp�e cada vez mais para o adimplemento dos preceitos constitucionais. Sua atua��o enaltece o papel de fiador dos imperativos da Rep�blica que lhe foi atribu�do pela Carta Pol�tica. Eu relembro, ademais, a inafastabilidade da jurisdi��o e a efetividade das tutelas individual, coletiva e metaindividual como uma das v�rias possibilidades oferecidas pelo Constituinte ao jurisdicionado para pleitear reivindica��es fidedignas, que devem ser respondidas pelo magistrado.
O combate � corrup��o sofreu um rev�s com o descr�dito da Lava-Jato?
Absolutamente. A corrup��o � um mal terr�vel, que corr�i a sociedade brasileira. Por�m a puni��o deve observar as garantias inflex�veis do devido processo legal. Est�-se diante de um pressuposto basilar do Estado Democr�tico de Direito.
Como o STM contribuiu no esfor�o para reduzir os impactos sociais da covid-19?
A Justi�a Militar da Uni�o foi o primeiro �rg�o do Poder Judici�rio a atuar em plataforma completamente virtual, ap�s a integra��o efetiva de toda a estrutura organizacional a partir de 26/6/2018. Muito embora a pandemia tenha surpreendido a todos, a Justi�a Federal Castrense j� possu�a um aparato normativo e pr�tico de atua��o nacional em ambiente virtual com audi�ncias e coletas de depoimentos e interrogat�rios realizados por videoconfer�ncia, bem como o manuseio eletr�nico e integrado da maioria dos atos definidos no C�digo de Processo Penal Militar, sobretudo, pela massifica��o do sistema E-Proc.
Houve outros avan�os?
N�o se pode esquecer, ainda, a atua��o de base do sistema inquisitorial das For�as Armadas, que igualmente possuem seus plataformas virtuais para a produ��o dos Inqu�ritos Policiais Militares e dos Autos de Pris�o em Flagrante, para al�m da performance eletr�nica das partes: quer advogados, quer Defensoria P�blica da Uni�o, quer Minist�rio P�blico Militar. Desta forma, com todo o sistema conexo em meio digital, a JMU adequou-se ao quadro pand�mico para processar e julgar as demandas propostas por meio das Sess�es Virtuais por videoconfer�ncia, do Julgamento eletr�nico e do estabelecimento do trabalho remoto dos servidores. Apesar dos impasses vivenciados, sua atua��o neste per�odo tem sido positiva devido � celeridade processual e respostas judiciais dispensadas aos jurisdicionados e � sociedade em geral.
Como a pandemia pode refor�ar os valores humanistas da sociedade?
A pandemia revelou o que sempre soubemos: que o homem � o destino do homem. E se a humanidade n�o florescer entre os humanos, a opress�o e as injusti�as continuar�o a tiranizar a �tica e a moral.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Tudo mudou. Saio pouco de casa, aprendi a lidar com as m�dias telem�ticas e digitais a que sempre tive resist�ncia e trabalhei o triplo do usual entre julgamentos, votos, aulas e palestras.
Como ficam as grandes quest�es de Brasil no p�s-pandemia?
Ficam mais tr�gicas e permanecem pendentes de solu��o. Fica, ainda, o gosto amargo de um sistema de sa�de ineficiente e de uma desigualdade social brutal que nos condena como sociedade pol�tica.
O momento exige resili�ncia e ativismo solid�rio. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva – a dist�ncia ?
Sim, ajudo com cestas b�sicas �s pessoas hipossuficientes desde o in�cio da pandemia. N�o atuo diretamente junto �s popula��es carentes, mas a fam�lia militar � qual integro, � humana e solid�ria, e muitas esposas de oficiais, mais jovens e atuantes, v�o para a linha de frente e desempenham um trabalho magn�fico de aux�lio aos necessitados.
Que ensinamento este momento nos deixa?
A li��o do Papa Francisco na ben��o Urbi et orbis: “Ningu�m se salva sozinho.”
Como v� a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais c�leres nas decis�es?
Nunca imaginei que seria espectadora de uma trag�dia humanit�ria t�o devastadora quanto a que vivemos, e que o Brasil seria um dos seus protagonistas! � lament�vel a quantidade de vidas perdidas, que poderiam ter sido salvas n�o fosse a inefici�ncia na compra das vacinas, postergada pelo Minist�rio da Sa�de, ou em virtude de uma diplomacia que envergonhou a Na��o e humilhou o Itamaraty. N�o fosse o menoscabo do Presidente da Rep�blica, que desqualificou a covid-19, equiparando-a a uma “gripezinha”, do negacionismo de muitos, do menosprezo � ci�ncia. Foram tantos os equ�vocos que hoje s� nos resta chorar pelos mais de 480 mil mortos.
O que tem a dizer sobre a decis�o do Ex�rcito de n�o punir o ex-ministro Eduardo Pazuello por participa��o em evento pol�tico com o presidente?
A puni��o administrativa disciplinar � um ato discricion�rio do Comandante do Ex�rcito. Se ele entendeu que n�o houve o cometimento de infra��o por parte do general Pazuello, n�o cabe a mim comentar.
Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
N�o tenho exemplos a citar. N�o gosto de estabelecer compara��es, pois o Brasil tem diferenciais imensos em rela��o a outros Estados, seja pelas suas dimens�es continentais, seja pela imensa popula��o, seja pelas dificuldades de acesso em determinadas regi�es do pa�s. Mas n�o posso deixar de externar todo o meu horror e a minha indigna��o como ser humano e cidad� pelos brasileiros que morreram!
Por que a Lei Maria da Penha n�o protege as mulheres militares?
Sinteticamente, por se tratarem, tanto o C�digo Penal Militar quanto a Lei Maria da Penha, de leis especiais e por regulamentarem mat�rias afins, pelo que exsurge um conflito aparente de normas que, a meu ver, � resolvido frente � defini��o de crime militar. Para que um crime seja de natureza militar, faz-se necess�rio a afronta aos seus princ�pios fundamentais, a ordem militar (disciplina e hierarquia), e os interesses da administra��o castrense. Assim, tais delitos s� se tornam especiais quando s�o cometidos em preju�zo da funcionalidade das For�as Armadas. Os que estiverem fora desse enquadramento, encontram �bice de natureza formal � sua aprecia��o na Justi�a Especializada. Por este motivo, sem embargo da edi��o da Lei nº 13.491/17, que ampliou o rol delitivo castrense e instituiu os chamados crimes militares por extens�o, ou seja, aqueles que n�o est�o tipificados no CPM, mas est�o previstos no C�digo Penal Comum e nas leis extravagantes, a Lei nº 11.340/2006 (Maria da Penha) continua inaplic�vel no foro castrense.
Como esse problema jur�dico ocorre no cotidiano da fam�lia militar?
Um ponto a se ressaltar � que mesmo se tratando de resid�ncia militar, a casa n�o est� sujeita � Jurisdi��o Militar, por ser o asilo inviol�vel do indiv�duo. N�o cabe, portanto, � JMU adentrar em quest�es envolvendo bens jur�dicos tutelados pela Constitui��o em seu art. 226, porquanto voltado exclusivamente � prote��o � fam�lia, e n�o, � hierarquia e disciplina das For�as Armadas. Mas n�o � s�, um outro �bice a ser colocado � que o crime militar se processa mediante a��o penal p�blica incondicionada, enquanto a Lei Maria da Penha prev�, em alguns casos, o oferecimento de a��o penal p�blica condicionada � representa��o da ofendida.
H� outras dificuldades?
N�o fosse suficiente, a Lei Maria da Penha possui uma natureza h�brida, que mescla san��es penais e medidas de natureza c�vel, as protetivas de urg�ncia. Ora, a Justi�a Militar da Uni�o, um foro exclusivamente penal, n�o poderia, por manifesta incompet�ncia, deferi-las. Por tais motivos, considerando que a Lei Maria da Penha se insere em um contexto de necessidade de tratamento diferenciado � viol�ncia de g�nero, cujo escopo � proteger a mulher vitimizada, independentemente da atividade profissional que ela exer�a, entendo n�o se poder suprimir, por afronta ao princ�pio da igualdade, as garantias conferidas pela lei � mulher civil. Eu ent�o, apesar de restar vencida no meu entendimento, declino o foro para o Juizado de Viol�ncia Dom�stica na tentativa de salvaguardar direitos.
Seus posicionamentos, como o da possibilidade de suspens�o condicional da pena a casos de deser��o, s�o considerados muito pol�micos. Sente-se desanimada por ser minoria tamb�m em ideias? Isso interfere no seu relacionamento com colegas no tribunal?
Logo que tomei posse no Tribunal, ouvi do ministro Marco Aur�lio que quem n�o sabe conviver com a diverg�ncia n�o pode integrar um �rg�o colegiado. Ele n�o poderia estar mais correto! O dissenso � saud�vel nos tribunais porque areja as ideias. Ningu�m � o dono da verdade ou do direito.