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Estado de Minas M�E DE DANIELLA PEREZ

Gloria Perez: 'No Brasil, quanto mais violentos s�o os crimes, mais benevolentes s�o as leis'

Em entrevista � BBC News Brasil, escritora diz que revolta contra crimes violentos, incluindo casos como o do anestesista que estuprou mulher durante parto, � da sociedade e n�o do Legislativo, respons�vel por fazer leis que Justi�a aplica.


21/07/2022 06:03 - atualizado 21/07/2022 10:38


Gloria Perez em foto de perfil
Gloria Perez diz que leis brasileiras s�o benevolentes com criminosos mais violentos (foto: HBOMax/ Divulga��o)

H� quase trinta anos, em dezembro de 1992, o assassinato da atriz Daniella Perez, de 22 anos, causou uma como��o nacional. Daniella estava no auge da carreira e contracenava com o ator Guilherme de P�dua na novela 'De Corpo e Alma', da TV Globo, quando foi morta por ele e por sua ent�o esposa, Paula Thomaz. As investiga��es apontaram que a jovem atriz foi morta com 28 punhaladas e sem direito e tempo para se defender. O corpo dela foi encontrado num local descampado no Rio de Janeiro.

A escritora Gloria Perez, m�e de Daniella e autora da novela, abriu seus arquivos e autos do processo para o document�rio 'Pacto Brutal, o assassinato de Daniella Perez', da HBOMax, que estreia nesta quinta-feira (21/7).

Em entrevista � BBC News Brasil, a novelista diz: "Quanto mais violentos s�o os crimes, mais benevolentes s�o as nossas leis penais".

Em sua opini�o, a revolta contra crimes violentos, incluindo casos como o do anestesista que estuprou uma mulher durante o parto, � da sociedade e n�o do Legislativo, respons�vel por fazer leis que a Justi�a aplica.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por e-mail � BBC News Brasil:

BBC News Brasil - No document�rio 'Pacto Brutal, o assassinato de Daniella Perez', a senhora diz que sempre quis contar essa hist�ria. Como foi revisitar detalhadamente o crime da sua filha e tanto tempo depois? Qual � seu sentimento?

Gloria Perez - � uma dor, um vazio que sempre estar� ali, n�o importa quanto tempo passe.

BBC News Brasil - H� documentos que s� ser�o revelados no document�rio? O que eles dizem al�m do que ficou conhecido? No document�rio, a senhora diz que s� existe uma verdade e v�rias vers�es. Qual seria a maior verdade?

Gloria Perez - O document�rio tem como foco os autos do processo. � isso que ele traz de novo. O que ficou conhecido s�o as muitas vers�es sensacionalistas com que os assassinos alimentaram a imprensa durante os anos de espera para o julgamento. � atrav�s dos autos que voc� pode entender porque nenhuma dessas vers�es restou de p� e por que os dois — Guilherme de P�dua e Paula Peixoto — foram condenados por homic�dio duplamente qualificado, com motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da v�tima.

BBC News Brasil - No document�rio, a senhora diz que 'tudo parecia lindo', 'uma estrada linda, aberta', 'com coisas boas no horizonte', naquele momento da vida de voc�s (a sua e da 'Dany'), mas que, 'de repente tudo explodiu, foi sugado'. Como � lidar com o fato de os assassinos estarem livres?

Gloria Perez - D�i muito para quem perdeu filhos em assassinatos brutais se confrontar com a realidade do quanto a vida humana � barata entre n�s. Os dois assassinos, mesmo condenados por homic�dio duplamente qualificado, ficaram presos pouqu�ssimo tempo, cercados de todas as mordomias que o dinheiro compra. E est�o a�, nas redes sociais, exibindo sua impunidade.

BBC News Brasil - A lei Maria da Penha, as leis atuais no Brasil que envolvem os direitos e defesa das mulheres s�o suficientes? No portal da Daniella Perez, a senhora escreveu que a ent�o liberdade de Guilherme de P�dua, 48 horas depois do crime, revelou, na sua vis�o, que 'matar n�o dava cadeia'. A situa��o mudou desde ent�o ou a legisla��o segue insuficiente diante da brutalidade?

Gloria Perez - N�o era a minha vis�o: estava na lei. O homic�dio qualificado n�o tinha sido inclu�do na lista dos crimes considerados hediondos, aqueles em que a pena era mais dura e se exigia mais tempo de cumprimento antes de qualquer benef�cio. O que a emenda popular que n�s conquistamos fez foi introduzir o homic�dio qualificado nessa lei dos crimes hediondos, que j� n�o tem o rigor daquela �poca e a cada dia se torna mais branda.

BBC News Brasil - A senhora diz que a lei mudou, mas continua branda para a atualidade? Nova emenda popular seria necess�ria? A que a senhora fez na �poca teve 1 milh�o de assinaturas e apoio de l�deres religiosos.

Gloria Perez - 1.300.000. Essa emenda tem a import�ncia tamb�m de ter indicado um caminho, de ter alertado a sociedade de que ela pode propor e fazer passar uma lei. Outras vieram depois.


Atriz Daniella Perez durante gravação
"O document�rio tem como foco os autos do processo", diz Gloria Perez (foto: HBOMax/ Divulga��o)

BBC News Brasil - Quando Daniella morreu, n�o se usava a palavra feminic�dio. Como foi a luta dela por Justi�a na �poca?

Gloria Perez - O assassinato de Daniella n�o se enquadra no que chamamos hoje de feminic�dio, foi um crime por gan�ncia pelo sucesso, praticado por um casal de psicopatas de modo absolutamente ritual�stico.

BBC News Brasil - Ainda hoje o feminic�dio tem estat�sticas epid�micas e o notici�rio est� cheio de casos de viol�ncia contra a mulher, como o caso do anestesista estuprador durante o parto. A senhora acha que o Brasil tem aprendido alguma coisa com crimes tr�gicos como o da Daniela?


Daniella Perez e o ator e então marido Raul Gazolla
Daniella Perez foi morta com 28 punhaladas e n�o teve chance de defesa, segundo investiga��es (foto: HBOMax/ Divulga��o)

Gloria Perez - Quanto mais violentos s�o os crimes, mais benevolentes s�o as nossas leis penais. Na matem�tica da justi�a brasileira, a pena aplicada aos r�us, por mais alta que seja, � s� para impressionar. Na pr�tica, ela se dissolve em quase nada. A revolta � da sociedade, como voc� est� vendo no caso do m�dico. N�o do Legislativo, respons�vel por fazer as leis que a justi�a aplica.

BBC News Brasil - A senhora chegou a ter contato com os assassinos da Daniella nestes anos quase 30 anos?

Gloria Perez - Nunca, Deus me poupou de encontr�-los e s� espero que continue poupando.

BBC News Brasil - Guilherme de P�dua hoje � pastor de uma igreja evang�lica em Minas Gerais. E a Paula Thomaz, que era esposa dele na �poca, mudou de nome. Qual � sua vis�o sobre estes fatos?

Gloria Perez - Sim, est�o vivendo e exibindo a boa vida nas redes sociais. Nenhum ind�cio de culpa ou de remorso. N�o impressiona: psicopatas n�o t�m mesmo culpa nem remorso. O que me impressiona � que ainda exista, nesse momento em que se busca uma revis�o cr�tica de comportamentos, que ainda exista quem d� palco a esses egos e lastime, que a exposi��o do processo que os condenou tire a hist�ria desse crime do terreno ficcional das vers�es.

Essa foi a raz�o que me levou a abrir meu arquivo para Tatiana Issa/Guto Barra e a HBOMax: a proposta de contar essa hist�ria fugindo de todo e qualquer apelo sensacionalista. A maneira sensacionalista com que o caso foi explorado durante o processo est� l�, registrada. O que cabe agora � mostrar a verdade dos fatos, o porqu� de todas essas vers�es n�o terem se sustentado. Os dois assassinos foram condenados a pena que, naquela �poca, equivalia � pena m�xima: 19 anos e meses.

Havia, ent�o, um recurso que j� n�o temos mais: o protesto por novo j�ri. Apesar de o C�digo Penal estabelecer 30 anos como a pena m�xima, se a pena chegasse a 20 anos o r�u tinha direito a ser julgado de novo. Por isso, mesmo quando os crimes mereciam os 30, os ju�zes se detinham em 19 anos e alguns meses. Foi o que aconteceu no caso dos dois psicopatas que mataram Dany.

BBC News Brasil - A senhora tem alguma esperan�a de que este caso seja reaberto?

Gloria Perez - O caso est� encerrado, j� foi julgado e transitado em julgado. N�o h� mais nada a acrescentar nem a polemizar.

BBC News Brasil - Como Daniella veria o Brasil hoje? Quando ela foi assassinada, em 1992, tinha 22 anos e o Brasil engatinhava como democracia, ap�s 21 anos de ditadura.

Gloria Perez - Durante esses 30 anos, eu me pergunto como ela veria, como viveria cada coisa que acontece no mundo, como seriam seus filhos, que viagens ela teria feito, que livros teria lido... que m�sicas estaria dan�ando...

BBC News Brasil - O Brasil realiza elei��es presidenciais neste ano. A campanha j� tem registrado fatos violentos, como o que ocorreu em Foz de Igua�u, na semana passada, quando um seguidor de Bolsonaro matou um petista numa festa familiar. A situa��o atual do Brasil a preocupa?

Gloria Perez - A agressividade expl�cita nas redes sociais preocupa e entristece todos n�s.

BBC News Brasil - Como a senhora fez para continuar sendo produtiva, escrevendo novelas, e defendendo mudan�as na legisla��o brasileira, apesar da dor?

Gloria Perez - Foi uma quest�o de sobreviv�ncia. Janete Clair e Manoel Carlos perderam filhos tamb�m durante uma novela e conseguiram sobreviver da mesma maneira: se agarrando ao trabalho.

BBC News Brasil - Pelo que li, a sua nova novela 'Travessia', que estreia depois de 'Pantanal', abordar� a quest�o da tecnologia na atualidade. As redes sociais como protagonistas?

Gloria Perez - N�o s� as redes. Mais uma vez falo do impacto dos avan�os tecnol�gicos sobre a vida cotidiana.

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62232088

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