
A parte mais fr�gil daqui � voc�", "fica quietinha que eu sei que voc� quer", "sei onde voc� mora" e "toma cuidado com o que voc� vai fazer". Essas foram algumas das amea�as que a advogada Daniela (nome fict�cio) afirma ter ouvido de Marcos Scalercio, juiz do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Regi�o), pouco antes de, segundo ela, ser estuprada por ele.
Acusado por ao menos 87 mulheres de ass�dio sexual, ele nega ter cometido os crimes. A advogada afirmou � Folha de S.Paulo que foi abusada pelo juiz em 2016.
Ela diz que, na �poca, teve medo de denunci�-lo e ningu�m acreditar. Afirma ter mudado de ideia h� duas semanas, quando as primeiras den�ncias contra ele se tornaram p�blicas.
O Minist�rio P�blico de S�o Paulo diz que duas v�timas procuraram o NAVV (N�cleo de Atendimento �s V�timas de Viol�ncia), coordenado pela promotora Silvia Chakian. Ela fez os atendimentos, colheu depoimentos e encaminhou para CNJ (Conselho Nacional de Justi�a), MPF (Minist�rio P�blico Federal) e Corregedoria do TRT.
Scal�rcio � representado pelo escrit�rio Capano, Passafaro Advogados Associados que, por meio de nota, diz que ele � "um profissional de reconhecida compet�ncia e ilibada conduta pessoal, quer seja no �mbito acad�mico, quer seja no exerc�cio da judicatura".
Sobre a acusa��o de estupro que envolve a aluna, a defesa afirmou que "se trata de den�ncia que, a rigor, foi feita de maneira unilateral, cujo conte�do � absolutamente desconhecido do magistrado at� agora".
A advogada diz que procurou o juiz para assistir algumas audi�ncias dele e conseguir cumprir as horas complementares exigidas para a conclus�o do curso de direito. Ele teria autorizado e ainda lhe oferecido uma bolsa de p�s-gradua��o.
Daniela afirma que, ap�s a audi�ncia, ele a convidou para almo�ar. Ela concordou e eles teriam ido no carro dele. S� que, em vez de ir a um restaurante, o juiz entrou em um motel, afirma ela. Ao ouvir recusas da advogada, ele teria dito: "voc� quer sim, se voc� est� aqui � porque voc� quer".
A advogada teria relutado e tentado abrir a porta do carro. "Ele veio por cima, botou o peso em cima de mim, come�ou a beijar o meu pesco�o e colocar a m�o dentro da blusa. Eu respondi que n�o queria e comecei a empurrar", afirma ela. Daniela declara que ao ouvir as negativas, o juiz disse: "fica quietinha que eu sei que voc� quer. Quem vai acreditar que voc� n�o quer?".
As amea�as teriam continuado com o magistrado insinuando que tinha acesso ao banco de dados do Curso Dam�sio e, por isso, sabia onde ela morava. "Cuidado. Acho que a parte mais fr�gil aqui � voc�", ele teria dito.
"Eu parei de tentar empurrar, fiquei com medo dele me matar, me bater, me enforcar", afirma Daniela. Ao entrar no quarto, ela disse que pediu para o juiz ao menos usar preservativo –o que ele n�o teria feito. "Ele me jogou de bru�os na cama, fiquei quieta, fechei os olhos e esperei. N�o tinha o que fazer, fiquei paralisada, esperei."
O suposto crime teria ocorrido h� seis anos. Daniela diz ter dificuldade em falar sobre isso. "� um trauma que ficou. Me tornei uma pessoa r�spida e muito arisca. Tenho crises de ansiedade ao relembrar."
Procurado, o Curso Dam�sio disse que n�o tem como se manifestar com detalhes a respeito do caso e refor�a o compromisso com o ambiente respeitoso e �ntegro da institui��o. Afirmou tamb�m que tem canais oficiais para relatos e den�ncias sobre qualquer tipo de conduta inapropriada.
"Em respeito � comunidade acad�mica, adotamos as provid�ncias para a extin��o do v�nculo do docente com a institui��o t�o logo tomamos conhecimento do caso", informou a institui��o, por meio de nota.
� frente do caso que envolve Scal�rcio desde 2020, Luanda Pires, advogada e diretora de Pol�ticas P�blicas do Me Too Brasil, diz que o depoimento de Daniela � muito importante. "Apesar de ter deca�do seu direito de representa��o, esse relato � importante para tra�armos o perfil dele."
A decad�ncia deste caso se deve ao fato que, at� 2018, v�timas do crime de estupro tinham at� seis meses para declarar �s autoridades que desejavam ver seus agressores serem processados, explica Pires. Caso contr�rio, extinguia-se a punibilidade do crime pela decad�ncia.
O magistrado foi acusado por tr�s mulheres de assediar, for�ar beijos e fazer reuni�o enquanto estava nu e se masturbando. As den�ncias foram recebidas pelo Me Too Brasil, em parceria com o Projeto Justiceiras, em 2020. De acordo com a organiza��o, uma das pessoas que fizeram a queixa era sua aluna –as outras duas atuavam como servidora e estagi�ria.
Ainda segundo o Me Too Brasil, as acusa��es contra Scalercio foram encaminhadas para a Ouvidoria da Mulher, do CNMP (Conselho Nacional do Minist�rio P�blico), que acionou os �rg�os respons�veis: CNJ (Conselho Nacional de Justi�a), TST (Tribunal Superior do Trabalho) e MPF (Minist�rio P�blico Federal).
O TRT-2 realizou uma investiga��o e diz ter conclu�do que n�o havia provas suficientes para a abertura do processo de ass�dio. O caso foi arquivado por insufici�ncia de provas, e a medida est� sob an�lise no CNJ. J� o MPF encaminhou ao TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Regi�o) as den�ncias. O �rg�o confirma que h� um processo no �mbito criminal contra o juiz, que tramita sob sigilo.
Al�m disso, na �ltima quinta-feira (25), o Me Too Brasil apresentou um of�cio no CNJ que pede, entre outras coisas, a abertura de um procedimento administrativo disciplinar.
Desde que o caso se tornou p�blico, os projetos j� receberam 87 relatos de ass�dio por suas redes de atendimento.