
O 2019 de Blade runner � em um mundo obscuro e dist�pico, p�s-apocal�ptico, com uma ininterrupta chuva �cida em cen�rios vazios e destro�ados. Muitos animais foram extintos e os que sobraram se tornaram artigos de luxo, com tabelas de pre�os. Criar um novilho ou um esquilo no quintal � s�mbolo de status.
A certa altura de Androides sonham com ovelhas el�tricas?, cl�ssico de fic��o cient�fica escrito por Philip K. Dick e que deu origem ao filme Blade runner , a android Pris conversa com J. R. Isidore, um humano desprovido de intelig�ncia, um “cabe�a de galinha”, que vive entre entulhos e pr�dios abandonados que sobraram na Calif�rnia. Pris explica para Isidore como era a vida em Marte antes de ela e outros da super-ra�a Nexus-6 – a mais evolu�da dos replicantes – migrarem para a Terra. Pris discorre sobre como o Planeta Vermelho era solit�rio, antigo e tamb�m sobre seus hobbies, entre eles a paix�o por livros de viagens espaciais escritos na Terra antes da Guerra Mundial Terminus, que deixou nosso planeta praticamente inabit�vel.
Isidore fica curioso: “Como podiam existir hist�rias sobre viagens espaciais antes...”. Pris interrompe: “Os escritores inventavam isso”. “Baseados no qu�?”, retruca o humano. “Na imagina��o. Eles se equivocaram in�meras vezes. Por exemplo, eles descreveram V�nus como uma selva paradis�aca com monstros enormes e mulheres usando brilhantes protetores peitorais. Isso te interessa? Mulheres com longos cabelos louros tran�ados e protetores peitorais reluzentes do tamanho de mel�es?”, questiona Pris, praticamente descrevendo um imagin�rio dos livros e filmes futuristas, como a Barbarella, de Roger Vadim, interpretada por Jane Fonda, e tantos outros.
O futuro de Blade Runner chegou. O livro se passa em 1992, enquanto a trama da vers�o levada ao cinema pelo brit�nico Ridley Scott, em 1982, ocorre em novembro de 2019, daqui a tr�s meses. E ironicamente, como no di�logo de Pris e Isidore, a Terra n�o est� hoje como previsto por Dick na obra escrita em 1968 – n�o que a fic��o cient�fica tenha o poder ou dever de prever como ser� a vida humana daqui a algumas d�cadas ou mil�nios (para nossa sorte, na maioria dos casos).
O 2019 do mundo real ainda est� longe dos possantes carros voadores que o ca�ador de recompensas Rick Deckart (Harrison Ford) pilota para ‘aposentar’ os androides Nexus-6, os seres artificiais de composi��o biol�gica, � imagem e semelhan�a dos humanos, criados por uma corpora��o para ser escravos, mas que se tornam uma amea�a na Terra. Blade Runner n�o previu os celulares, mas chegou perto da era em que vivemos: os contatos eram feitos por um vidfone, uma chamada de v�deo que conectava a pessoa diretamente com a imagem do interlocutor.
O 2019 de Blade runner � em um mundo obscuro e dist�pico, p�s-apocal�ptico, com uma ininterrupta chuva �cida em cen�rios vazios e destro�ados. Muitos animais foram extintos e os que sobraram se tornaram artigos de luxo, com tabelas de pre�os. Criar um novilho ou um esquilo no quintal � s�mbolo de status. Quem n�o tem bichos de estima��o se contenta com r�plicas – como a ovelha el�trica que Deckart tem vergonha de ser dono, o que o obriga trabalhar diariamente atr�s de uma recompensa suficiente para troc�-la por um animal de verdade.
A hist�ria da ovelha, que abre o livro, n�o est� no filme. Isidore, nas telonas, foi rebatizado para J. F. Sebastian. O nome Blade runner tamb�m n�o � da obra de Dick. Foi sugest�o de um dos roteiristas, j� que Scott achava o t�tulo original obscuro demais para um filme.
IMPACTO CULTURAL
Cl�ssico do cinema cult, na prateleira de cima das principais listas de melhores filmes de todos os tempos, Blade runner angariou f�s e influenciou filmes, animes, bandas, videogames e s�ries – de Akira a Minority Report, tamb�m inspirado na obra de Dick. Mas n�o foi bem assim antes do lan�amento: a Warner n�o ficou feliz com os testes de p�blico nas pr�vias, fazendo in�meras altera��es – tanto que, na d�cada de 1990, foi relan�ada em VHS e DVD uma “vers�o do diretor” digitalmente remasterizada sob supervis�o de Scott. A vers�o tem 117 minutos, quatro a mais que o original levado �s telas na d�cada anterior.
Em 2017, Blade runner ganhou uma continua��o, Blade runner 2049, dirigida pelo canadense Denis Villeneuve. Trinta anos depois da trama apresentada por Scott, o ca�ador de recompensas K (Ryan Gosling) tem a miss�o de exterminar antigos modelos que amea�am a vida humana. Durante a jornada, descobre uma pista para descobrir o paradeiro de Rick Deckart (novamente vivido por Harrison Ford), desaparecido h� 30 anos.
Na semana passada, o filme ocupou as manchetes por causa da morte do ator holand�s Rutger Hauer, de 75 anos. Com cabelos louros, olhar psic�tico e rosto ruborizado, Hauer deu vida ao vil�o Roy Batty, chefe dos andoides Nexus 6 na vers�o original. O discurso final de Batty, ap�s confronto final com Deckart, � uma das cenas mais lembradas de Blade runner: “Eu vi coisas que voc�s, humanos, nem iriam acreditar (...) Todos esses momentos ficar�o perdidos no tempo, como l�grimas na chuva...”. As palavras finais foram improviso do pr�prio ator, revelou anos mais tarde um dos roteiristas.
J� o livro de Philip K. Dick acaba de ganhar nova edi��o no Brasil, pela Editora Aleph, com tradu��o de Ronaldo Bressane. A editora optou por trazer na capa o nome Blade runner, que o tornou mundialmente popular. O t�tulo original Androides sonham com ovelhas el�tricas? est� na contracapa, acompanhada da ilustra��o de Rafael Coutinho. O livro traz ainda extras como a carta de Dick aos produtores do filme, posf�cio do jornalista e tradutor Ronaldo Bressane – que tra�a paralelo entre filme e livro – e a �ltima entrevista concedida pelo autor, � revista The Twilight Zone.
Descrito pelo The New York Times como “uma esp�cie de Kafka do pulp fiction”, Dick nasceu em Chicago, em 1928, e escreveu mais de 40 livros. Sua obra, marcada pelo questionamento da condi��o humana e da realidade, mudou profundamente o g�nero da fic��o cient�fica, explorando temas pol�ticos, filos�ficos e existenciais. Al�m de Blade runner, a obra de Dick tamb�m inspirou e baseou filmes como O vingador do futuro (dirigido por Paul Verhoeven, em 1990, estrelado por Arnold Schwarzenegger) e Minority report (de Steven Spielberg, 2002, com Tom Cruise).
Dick acompanhou com ansiedade e entusiasmo a produ��o do filme, discutiu detalhes com diretor e roteiristas, mas n�o chegou a v�-lo pronto. O longa estreou nos cinemas tr�s meses depois da morte do escritor, v�tima de AVC em fevereiro de 1982, aos 53 anos. Em sua �ltima entrevista, Dick ressaltou: “Depois que acabei de ler o roteiro, peguei o livro e dei uma espiada geral no texto. Os dois materiais se refor�am mutuamente. De forma que a pessoa que come�asse lendo o livro iria curtir o filme e quem visse antes o filme, iria gostar de ler o livro.”
Blade Runner
De Philip K. Dick
Editora Aleph
288 p�ginas
R$ 49,90