
"Combater a corrup��o � combater a desigualdade e vice-versa"
Rubens Goyat� Campante
Patrimonialismo � um conceito desenvolvido por Max Weber, um dos “pais” da sociologia moderna. Refere-se a um tipo de poder pol�tico que se organiza de maneira semelhante ao poder dom�stico-patriarcal. O poder patrimonialista � marcado pelo arb�trio caracter�stico do patriarca, do pater fam�lias, o qual representa e encarna em si a casa, a comunidade dom�stica ampliada. O arb�trio dom�stico-patriarcal s� � limitado pela tradi��o, mas essa, ao mesmo tempo, � a base, a justificativa de tal arb�trio. Por se inspirar no dom�nio patriarcal, personalista e autorit�rio, n�o h�, nos governos patrimonialistas, distin��o clara entre as esferas p�blica e privada, nem afinidade com o primado da lei universal que obriga mesmo os governantes – corrup��o e inefici�ncia administrativa s�o tend�ncias intr�nsecas da domina��o patrimonial, os governantes e as elites enxergam a coisa p�blica como direito privado deles.
Raymundo Faoro adaptou, de forma original, o conceito de patrimonialismo para compreender o Brasil e suas mazelas. Sua obra cl�ssica Os donos do poder: forma��o do patronato pol�tico brasileiro � uma narrativa hist�rica que descreve e denuncia um padr�o liberticida de poder pol�tico, de dom�nio de uma elite patrimonial sobre o povo e a na��o, por meio do chamado “capitalismo pol�tico” e do controle exercido sobre o Estado. Comandando o Estado, fazendo-o funcionar para atender somente aos seus interesses, a elite patrimonial brasileira institui, segundo Faoro, um tipo de capitalismo que n�o se funda em uma racionalidade met�dica, calcul�vel, em que os lucros acontecem por meio da explora��o livre das oportunidades de mercado. �, ao contr�rio, uma esp�cie de “capitalismo de compadres”, em que os grandes e milion�rios esquemas de ganho originam-se da proximidade com o poder pol�tico e das vantagens legais e extralegais que isso proporciona.
A liberdade, comprometimento �tico-filos�fico profundo de Faoro, sai perdendo. Liberdade como condi��o geral de uma comunidade, entenda-se. N�o a liberdade-privil�gio de uns poucos em detrimento da maioria. A recep��o da obra de Raymundo Faoro deu-se por �ticas diversas. Pela vis�o liberal-economicista, a mensagem foi lida como cr�tica ao Estado. Pela vis�o de uma cultura dos direitos e de distribui��o do poder, a mensagem foi lida como cr�tica � elite que instrumentaliza o Estado. O compromisso de Faoro com a liberdade, por�m, nunca se reduziu a um desfigurado liberalismo antiestatista; “o liberalismo armado apenas contra o Estado mostrou-se incapaz, pela fei��o elitista, de corporificar uma doutrina democr�tica de governo”, escreveu ele. E escreveu ainda: “Cedo ou tarde teremos de enfrentar o problema da desigualdade, o problema n�mero 1 do Brasil”.
CORRUP��O Procurando dialogar com cl�ssicos como Weber e Faoro, sem abdicar do esp�rito cr�tico que leva a discord�ncias pontuais, o livro Patrimonialismo no Brasil: corrup��o e desigualdade busca perspectiva mais ampla e menos subjetiva da corrup��o. Um problema que contribui para o descr�dito da democracia representativa, ao fazer com que o indiv�duo, glorificado no discurso da propaganda consumista e da ideologia do ego, veja-se fragmentado, amea�ado e impotente frente a um sistema pol�tico imperme�vel a seus interesses e � perspectiva do empobrecimento que o capitalismo financeiro traz para a maioria da popula��o. O que favorece aproveitadores “antissistema”, com aspas bem merecidas, pretensos “salvadores da p�tria” que s� trazem mais pobreza, repress�o e mentiras.
O livro argumenta que combater a corrup��o n�o �, necessariamente, tolher a manifesta��o dos in�meros interesses particulares numa sociedade, mas garantir que todos eles tenham condi��es equ�nimes de se formar e de se exprimir – algo imposs�vel em situa��es de assimetrias agudas de poder pol�tico, econ�mico, ideol�gico, entre as pessoas e grupos que comp�em tal sociedade. Tais assimetrias s�o, portanto, a base do patrimonialismo e da corrup��o. Combater a corrup��o � combater a desigualdade e vice-versa.
* Rubens Goyat� Campante � cientista pol�tico e pesquisador da Escola Judicial do TRT - 3ª regi�o

- Patrimonialismo no Brasil:corrup��o e desigualdade”
- De Rubens Goyat� Campante
- Editora CRV
- 254 p�ginas
- R$ 54
- Lan�amento: Hoje, �s 17h30, no audit�rio do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Regi�o – Avenida Get�lio Vargas, 225, 10º andar, BH. Palestra do autor, do professor da UFMG Juarez Guimar�es, que prefaciou o livro, e do cientista pol�tico
- Lucas Cunha, que tamb�m lan�ar� sua obra O emendamento das medidas provis�rias no Brasil