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Estado de Minas

O revolucion�rio Beethoven

Regente titular da Orquestra Filarm�nica de Minas Gerais, Fabio Mechetti explica como o compositor, nascido h� 250 anos, na Alemanha, se consolidou como o grande representante da for�a da m�sica cl�ssica


postado em 03/04/2020 04:00 / atualizado em 02/04/2020 22:42

(foto: Carolina Moraes Santana)
(foto: Carolina Moraes Santana)

Fabio Mechetti*
Especial para o EM

Existem alguns �cones na hist�ria mundial que, independentemente da cultura, �poca, geografia, sistema pol�tico ou qualquer outro paradigma, s�o reconhecidos universalmente, pela relev�ncia de suas contribui��es para a sociedade como um todo.

Com seus cabelos revoltos – como que projetando externamente a rebeldia de seus pensamentos –, suas marcas faciais decorrentes de um surto de var�ola, roupas um tanto extravagantes para o seu tempo, e uma personalidade controversa que, ao mesmo tempo, atra�a seguidores e afastava influentes detratores, essa figura �mpar na hist�ria da civiliza��o celebra neste ano uma importante efem�ride. N�o, n�o estamos falando dos 77 anos de Mick Jagger, mas sim dos 250 anos de Ludwig van Beethoven.

Em todas as partes do mundo, orquestras e outras institui��es culturais, como a Filarm�nica de Minas Gerais, preparam-se para festejar, depois do controle da pandemia do coronav�rus, um dos mais importantes nomes da produ��o art�stica de todos os tempos. Criador de mais de 100 obras monumentais, das quais se destacam nove sinfonias, trinta e duas sonatas para piano, cinco concertos para o instrumento, in�meras pe�as de c�mara, obras religiosas e uma �pera, Beethoven se transformou praticamente no grande representante da for�a da m�sica cl�ssica no �mbito da cultura global como um todo. 

Sua obra n�o � t�o extensa quanto a de outros compositores, nem necessariamente mais diversificada. Assim como outros compositores na hist�ria da m�sica, ele tamb�m vivia com dificuldades financeiras, e seu sucesso na �poca era relativamente pequeno, embora por muitos respeitado. Sua personalidade o afastava mais das pessoas do que as aglomerava em torno de si. E, ap�s o avan�o da surdez que o acometeu, ele se distanciou ainda mais da vida p�blica e do conv�vio social.

Como ent�o esse g�nio musical conseguiu atingir o grau de idolatria que ele ocupa no imagin�rio humano? Certamente, n�o foi atrav�s de publicidade, assessores de imprensa ou da difus�o contempor�nea t�pica das redes sociais. O cultivo de sua imagem vem diretamente de sua obra.

''Beethoven conseguiu n�o somente cristalizar as tradi��es do passado, mas foi capaz de propor novas solu��es, ideias, transforma��es estruturais e sem�nticas que influenciaram as gera��es posteriores em todos os n�veis est�ticos. Suas sinfonias, por exemplo, apontam para um caminho que somente d�cadas mais tarde p�de ser compreendido e aplicado por outros g�nios''



Independ�ncia criativa

Beethoven foi um dos primeiros compositores da hist�ria a buscar independ�ncia, tanto das regras te�ri- cas que ditavam como a m�sica deveria ser formatada, dentro de padr�es definidos por d�cadas, sen�o s�culos, antes dele, mas tamb�m a independ�ncia enquanto indiv�duo criativo. Em cada forma musical em que ele atuou, Beethoven conseguiu n�o somente cristalizar as tradi- ��es do passado, mas foi capaz de propor novas solu��es, ideias, transforma��es estruturais e sem�nticas que influenciaram as gera��es posteriores em todos os n�veis est�ticos. Suas sinfonias, por exemplo, apontam para um caminho que somente d�cadas mais tarde p�de ser compreendido e aplicado por outros g�nios que o sucede- ram. Seus quartetos de corda, especialmente os compostos nos �ltimos anos de sua vida, expandem ao m�ximo a capacidade de um sistema tonal centen�rio em se manter em p�.

Outra caracter�stica pioneira de Beethoven vem a ser uma outra independ�ncia: a do jugo do gosto do p�blico e dos mecenas que o apoiavam. Depois de anos em que sua cria��o visava agradar a poss�veis patrocinadores e ao gosto do p�blico em geral, Beethoven vem a defender a singularidade do artista em produzir aquilo que brota livremente de sua individualidade, visando elevar a arte pela arte, a excel�ncia por excel�ncia, pois s�o esses va- lores que se tornam eternos.

Em decorr�ncia dessa postura, e como manifesta��o de uma filosofia interna que refletia o pensamento p�s-Revolu��o Francesa, Beethoven via na m�sica a ex- press�o maior dos aspectos de liberdade que mant�m sua import�ncia at� os dias de hoje. Em sua �nica �pera, Fidelio, a hero�na arrisca a vida para bravamente lutar pela libera��o de seu esposo, preso injustamente por quest�es pol�ticas. A Sinfonia nº 3 Heroica, originalmente dedicada ao libertador Napole�o, transforma-se em uma homenagem ao verdadeiro her�i: n�o aquele que pelo poder vir� a impor sobre outros uma conduta unilate- ral, mas aquele que defende a diversidade e o di�logo em prol de um pensamento que vise � emancipa��o da sociedade.

Ser revolucion�rio n�o significa apenas propor rupturas, mas, atrav�s de suas realiza��es, construir novos valores que venham a consolidar progresso, uni�o, irmandade, liberdade, respeito humano ao indiv�duo e � sociedade em geral. E � na for�a el�trica de sua m�sica que essa revolu��o se expressa h� 250 anos e nos pr�ximos que ainda vir�o.

*Diretor art�stico e regente titular da Orquestra Filarm�nica de Minas Gerais

''Ser revolucion�rio n�o significa apenas propor rupturas, mas, atrav�s de suas realiza��es, construir novos valores que venham a consolidar progresso, uni�o, irmandade, liberdade, respeito humano ao indiv�duo e � sociedade em geral''


O g�nio na sua casa

Indica��es do maestro Fabio Mechetti

Sinfonias 4 e 7, com Carlos Kleiber e a Concertgebow de Amsterdam.
https://www.youtube.com/watch?v=d3-jlAamGCE
 
Sinfonia 3, Seiji Ozawa e a Orquestra Saito Kinen do Jap�o
https://www.youtube.com/watch?v=QAsEAQn7WCc
  
Sinfonia 9, Ricardo Muti e a Orquestra Sinf�nica de Chicago
 https://www.youtube.com/watch?v=rOjHhS5MtvA
  
Sinfonia 5 - Orquestra Revolucion�ria e Rom�ntica, John Eliot Gardiner
 https://www.youtube.com/watch?v=lNtb-ly1I_k
 
Abertura Leonora No. 3 - Orquestra Filarm�nica de Viena, Leonard Bernstein
https://www.youtube.com/watch?v=vHwBEiYPOlU
 
Nona Sinfonia de Beethoven - Orquestra Filarm�nica de Minas Gerais, Fabio Mechetti. 
Grava��o na Sala Minas Gerais, 19/12/2015. 
Nesta sexta-feira, dia 3 de abril, �s 20h30, o v�deo ser� disponibilizado no canal da Filarm�nica no YouTube – 
www.youtube.com/filarmonicamg

''Beethoven transforma a sinfonia em sin�nimo de m�sica cl�ssica''

Entrevista

Arthur Dapieve (Escritor e cr�tico musical, programador do Prel�dios, da r�dio Batuta, no site do IMS)



Carlos Marcelo

Voc� ministrou um curso na Casa do Saber do Rio de Janeiro sobre Bach, Mozart e Beethoven. Quais as principais diferen�as entre os tr�s compositores e o que h� de mais admir�vel em cada um deles?

Eles s�o o suprassumo dos tr�s per�odos mais importantes, f�rteis e populares na hist�ria da m�sica cl�ssica: o Barroco, o Classicismo e o Romantismo. Nesse percurso, al�m de mudan�as formais na m�sica em si, o compo- sitor foi ganhando graus crescentes de autonomia em rela��o ao empregador ou ao mecenas. Bach era funcion�rio da Igreja Luterana, que amava; Mozart rompe com a sua Igreja Cat�lica e passa a compor por encomendas seculares; e Beethoven se afasta das encomendas seculares em prol de sua pr�pria necessidade de express�o. Os tr�s traba- lhavam pra burro, logo, os tr�s eram g�nios. Bach � o principal respons�vel por ouvirmos a m�sica que ouvimos, em todos os g�neros, ao organizar as notas da escala. Mozart compunha com tal facilidade que nos p�e para louvar o esp�rito humano. E Beethoven, bem, Beethoven...

Como a vida de Beethoven se refletiu em sua obra?

De uma forma ou de outra, a vida de qualquer compositor, de qualquer artista sempre se reflete em sua obra, por extens�o ou por contraste. Dependendo do ponto de vista, Beethoven foi o �ltimo dos classicistas ou o primeiro dos rom�nticos. Nesse per�odo, a utopia, mais que a realidade, do artista que s� presta contas a si mesmo se torna t�o forte na cultura ocidental que perdura ainda hoje (apesar da m�quina j� setentona da pop music!). Da� essa associa��o imediata entre vida e obra quando pensamos nele. A vida de Beethoven em si tamb�m ajudou nessa embaralha��o, pois teve todos os ingredientes de agrado dos rom�nticos: a vida amorosa infeliz, a luta contra a surdez, o senso de dana��o, as vicissitudes extremas da Hist�ria europeia... Tipo "ruim demais para n�o ser verdade". 

Qual a contribui��o de Beethoven para as sinfonias? Que elementos s�o mais marcantes nas sinfonias do compositor?

Ele transforma a sinfonia praticamente num sin�nimo de m�sica cl�ssica, transforma a sinfonia na pe�a central do repert�rio cl�ssico por cerca de 150 anos. Nesse per�odo, compositores que ou n�o eram bons sinfonistas ou, pior, nem compunham sinfonias eram tidos como de segunda ca- tegoria. Por qu�? Porque  Beetho-ven escreve nove sinfonias que t�m caracter�sticas �nicas, cada uma com sua personalidade distinta, al�m de serem bel�ssimas e carregarem a certeza de sua pr�pria import�ncia. O classicista Haydn, por exemplo, comp�s mais de 100 sinfonias. Duas d�zias s�o brilhantes, mas mes- mo essas n�o t�m o grau de dife- rencia��o que as de Beethoven t�m, em certo grau exatamente pelas liberdades relativas proporcionadas pelo Romantismo.

Quais as suas sinfonias favoritas do compositor e por quais motivos?

A Terceira, dita Heroica, e a Nona, dita Coral. Uma �, na verdade, a primeira em que Beethoven joga todas ou quase todas as suas cartas porque a Primeira e a Segunda, embora �timas, ainda s�o bem reverentes a Haydn e a Mo- zart. Poderiam quase passar pe- las �ltimas sinfonias de um ou de outro... Quase, por favor, note bem. J� a Terceira � monumental, em todas as dimens�es, independentemente de se saber que ela chegou a ser dedicada a Napole- �o, que enganou Beethoven co- mo enganou muita gente no come�o de sua trajet�ria. Gosto, em particular, da longa marcha f�nebre, que constitui seu segundo movimento. J� a Nona �, possivelmente, a mais importante sinfonia jamais escrita. T�o im- portante que foi sua dura��o que fez os engenheiros da Sony arbitrarem quando duraria um CD... O bastante para a Nona caber num s� disco, ou seja, algo entre 70 e 80 minutos. H� o achado de, pela primeira vez, se inserirem vozes numa sinfonia, que s� pode parecer �bvia porque sabemos disso em retrospecto... E h� o golpe de miseric�rdia est�tica de se encerrar com a Ode � alegria, uma das melodias mais sublimes e memor�veis, para n�o dizer pegajosa, de toda a hist�ria.

Como Beethoven influenciou ou- tros compositores e a m�sica do s�culo 20? 

Ele meio que disse "sejam voc�s mesmos", n�o h� limites para a m�sica ou para o esp�rito hu-   mano. Isso valia para suas sona- tas para piano, seus quartetos de cordas, mas sobretudo para suas sinfonias. O �nico g�nero cl�ssico no qual Beethoven foi, diga- mos, modesto foi a �pera, tendo composto apenas uma, Fidelio, de grande m�sica, mas de estrutura dram�tica menos bem calibrada que algumas de Mozart, por exemplo. Por isso, n�o � um clich� vazio se dissermos que n�o existiriam Brahms, Wagner, Mah- ler, Schoenberg e Shostakovich, para ficarm apenas em cinco ou- tros gigantes, se n�o tivesse existido Beethoven. Ele tamb�m est� presente, por exemplo, na Sinfonia nº 3, de Gor�cki, a mais popular do s�culo 20, que tamb�m usa vozes.   

Voc� lan�ou um livro chamado Do rock ao cl�ssico. Se Beethoven fosse um astro do rock, quem seria? Se n�o no estilo, ao menos na trajet�ria? Quais de suas sinfonias s�o mais rock’ n’roll?

Beethoven foi o Chuck Berry de seu tempo. Se este comp�s Roll over Beethoven, algo como "roa-se, Beethoven", este comp�s "Roll over todos os que vieram antes de mim" e chutou uma fileira de baldes no processo. As trajet�rias pessoais, claro, s�o muito dife- rentes, mas n�o a influ�ncia seminal em g�neros musicais t�o importantes. A sinfonia mais rock'n'roll de Beethoven � a Quinta, sem d�vida. Abrindo com aquele famoso riff de quatro no- tas, atingindo comunica��o direta e imediata. 


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