(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

O som do arrebatamento

Com linguagem coloquial, o pianista e regente Leandro Oliveira apresenta oito li��es sobre m�sica cl�ssica em livro que critica o elitismo associado ao g�nero


postado em 17/04/2020 04:00

(foto: renato parada/divulgação)
(foto: renato parada/divulga��o)

"Saber ouvir os cl�ssicos nos dias de hoje �, a cada ocasi�o, tamb�m reaprend�-los intimamente. O mundo contempor�neo exige essa predisposi��o plural, uma experi�ncia auditiva rica e mut�vel, intensa exatamente por n�o ser un�voca. A m�sica cl�ssica exige um ouvinte que seja tamb�m um cocriador."

Leandro Oliveira

Nelson Freire mudou a vida de Leandro Oliveira. No primeiro concerto a que assistiu, ainda crian�a, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o autor de Falando de m�sica foi arrebatado pela interpreta��o do pianista mineiro para composi��es de Chopin. “No momento em que Nelson agradeceu ao p�blico e, sentado ao piano, iniciou a sele��o de cinco estudos do compositor polon�s, eu soube que a m�sica faria parte definitiva da minha vida”, narra Leandro na introdu��o de seu livro, rec�m-lan�ado pela Editora Todavia. 

Pianista, regente e compositor, Leandro Oliveira tem 42 anos e comanda o programa Falando de m�sica, em que comenta o repert�rio da Orquestra Sinf�nica do Estado de S�o Paulo. Ainda na introdu��o, ele explicita seu objetivo ao escrever um livro de m�sica cl�ssica para leigos: “Tentei ser pragm�tico mas inspirador, sem deixar com isso de ser informativo.” Em linguagem coloquial e bem-humorada, ele conta a origem da defini��o de m�sica cl�ssica, discorre sobre a etiqueta nas salas de concerto, defende a abordagem do cl�ssico como contracultura, esclarece a import�ncia do sil�ncio entre os movimentos de uma sinfonia, critica o esnobismo na associa��o com pessoas de alto poder aquisitivo: “� um simbolismo curioso, como se a audi��o dos �ltimos quartetos de Beethoven fosse assunto a ser tratado em lugares caros, ao lado de carros e rel�gios sofisticados, que ocupam as garagens e os pulsos de senhores atl�ticos, evolu�dos e refinados.” 

Amparado pelas ideias de Italo Calvino e George Steiner, ele traz ainda Metallica e Bob Dylan para um repert�rio que inclui, ao final de cada cap�tulo, indica��es de leituras. Tamb�m oferece uma sele��o de pe�as indispens�veis apresentadas em guia “absolutamente idiossincr�tico” que inclui composi��es de Haydn, Mozart, Bach, Schubert, Wagner, Paganini, Mahler, Prokofiev, Strauss, entre outros. E, com convic��o e paix�o, o autor insiste que o mais importante � “ouvir, ouvir, ouvir.” 

“Saber ouvir os cl�ssicos nos dias de hoje �, a cada ocasi�o, tamb�m reaprend�-los intimamente. O mundo contempor�neo exige essa predisposi��o plural, uma experi�ncia auditiva rica e mut�vel, intensa exatamente por n�o ser un�voca. A m�sica cl�ssica exige um ouvinte que seja tamb�m um cocriador. Nessa exig�ncia, ela precisa encontrar interlocutores � altura para que desabroche como nova. Pois somos n�s, hoje mais que nunca, que a fazemos grande.” Tudo para que os leitores de Falando de m�sica, com seus compositores e int�rpretes prediletos, alcancem o mesmo arrebatamento que o jovem Leandro Oliveira sentiu ao escutar Nelson Freire pela primeira vez. 

A seguir, uma entrevista com o autor, com perguntas formuladas a partir de quest�es apresentadas nas oito li��es do livro:

Quais os preconceitos mais arraigados em rela��o � m�sica cl�ssica? E como as li��es expressas em seu livro podem ajudar a combater esses preconceitos?
Os preconceitos s�o muitos. Mas todos decorrem da ideia de que se trata de uma m�sica para uma elite – cultural ou econ�mica. Do ponto de vista da capacidade de express�o e escopo, n�o � verdade. Toda a ideia do livro � tentar tirar da frente parte desses problemas, que, afinal, n�o s�o musicais, mas meramente sociol�gicos ou psicol�gicos, por assim dizer.  

Por que o Brasil adotou o r�tulo “m�sica erudita”?
Acho que para distinguir a “m�sica cl�ssica” do “estilo cl�ssico” – a m�sica de um per�odo espec�fico da hist�rica da m�sica. A meu ver, uma bobagem. Por v�rios motivos, mas o mais evidente � que a ideia de “erudi��o” pouco tem a ver com 90% do repert�rio da m�sica cl�ssica. Al�m disso, s� se fala “m�sica erudita” no Brasil. Ora, se estamos falando de uma arte cosmopolita, qual o motivo de n�o nos irmanar com outros pa�ses? M�sica cl�ssica, � isso. 

Por que o sil�ncio, com “S mai�sculo”, � t�o importante a ponto de ganhar um dos cap�tulos do livro? 
Porque �, talvez, o imbr�glio historicamente mais controverso e esteticamente mais desafiador para o ouvinte da m�sica cl�ssica. A ideia de que, para ouvir m�sica, � necess�rio um ambiente silencioso, a emular uma atmosfera quase religiosa, � uma inven��o muito recente na hist�ria – e que causaria problemas s�rios se posta em pr�tica nos tempos de Mozart, Beethoven e mesmo entre diversos artistas da primeira metade do s�culo 20. 

O que acha da promo��o da m�sica cl�ssica como “ativo de bom gosto para gente madura e de alto poder aquisitivo”?  
Acho que, como estrat�gia de mercado, funcionou muito bem, por certo tempo. N�o sei se � a melhor estrat�gia para sua perpetua��o no mundo contempor�neo – no qual os ricos s�o jovens, o gosto-padr�o das elites � mediado pelo mundo digital, a hiperconex�o requisita respostas imediatas e sem hermetismos. 

Como a m�sica cl�ssica se relaciona com a oposi��o cultura x mercado?
A resposta � complexa, e a tend�ncia mas imediata � dizer, para chocar: “Relaciona-se mal”. Mas a� vemos que tanto as institui��es dedicadas ao assunto, quanto o repert�rio e o p�blico, seguem ativos e estusiastas em todos os lugares – na China e no Chile, nos pa�ses n�rdicos e at�, imagine voc�, no Brasil… A m�sica cl�ssica est� longe de ser um produto mercadol�gico popular, no sentido de consumido por uma massa de centenas de milh�es de pessoas. Mas tampouco est� longe de morrer. De algum modo, como dado cultural, a m�sica cl�ssica �, hoje, inequivocamente, um ativo internacional; por outro, no mercado, ela tem seu nicho, estrito e talvez pouco rent�vel, mas certamente prestigioso e estimulado por novidades e experimenta��es. Ent�o, para responder de novo, acho que, nesta falsa tens�o entre cultura x mercado, a m�sica cl�ssica se relaciona bem. Os ouvintes de m�sica cl�ssica, por sua vez, talvez nem tanto…

Qual a import�ncia do investimento na manuten��o das filarm�nicas e salas de concerto, como as Salas S�o Paulo e Minas Gerais, em um pa�s com tantas dificuldades como o Brasil?
� a import�ncia de querer participar desta grande conversa��o internacional que qualifica as sociedades democr�ticas e o mundo civilizado. Mas isso deve ser entendido para al�m dos ganhos imediatos da realpolitik. Embora esta seja uma dimens�o rara no nosso debate p�blico, e mais ainda da m�dia dos nossos quadros pol�ticos, a pujan�a de uma sociedade deve ser medida para al�m do resultado das pr�ximas elei��es. E � a for�a das institui��es que permite esta interlocu��o no m�dio e longo prazo – institui��es no sentido lato do termo: a diplomacia, a ci�ncia, o cultivo das artes, uma certa qualidade de valores que garantam a dignidade existencial m�nima de sua popula��o, com todos os seus matizes ideol�gicos e existenciais.
Ora, n�o somos “apenas” mineiros, paulistanos ou brasileiros: estamos todos no mesmo barco – e a atual crise sanit�ria nos permite perceber esta realidade do modo mais dram�tico: somos humanos. 

Em 2020, s�o celebrados os 250 anos de nascimento de Beethoven. O que o faz considerar o compositor alem�o uma figura crucial na transforma��o do gosto musical?
N�o sou eu, mas a hist�ria da cultura. Ele produziu num momento importante, de grandes transforma��es. E sua m�sica foi ao mesmo tempo um radar e um motor para essas transforma��es. N�s vivemos no mundo inventado por ele e seus contempor�neos. 

Em tempos de recolhimento for�ado, quais seriam os compositores e obras adequados para apreciar a m�sica cl�ssica?
Os compositores adequados, ousaria dizer, s�o aqueles que n�o te deixem deprimido! A�, cada um encontra o seu. Nesse sentido, eu curto muito J. S. Bach e Joseph Haydn. Chopin, que talvez seja meu compositor preferido, sempre me faz um pouco melanc�lico – e, se me pegar num dia ruim, poderia ser um desastre, sobretudo agora, sem a possibilidade de ver amigos ou sair na esquina para tomar um caf� ou cerveja. Mas n�o tenho deixado de ouvi-lo… Isso � pessoal – e, assim como h� quem curta m�sica para lavar lou�as e cozinhar, outros que precisem parar para ouvir de olhos fechados, h� sempre aptid�es de temperamento nessas escolhas. Sugeriria ir explorando. Talvez Beethoven, talvez Vivaldi – s�o sempre muito en�rgicos e eventualmente “solares”. O s�culo 20 � legal tamb�m: Stravinsky, Villa-Lobos.

Qual � a contribui��o brasileira para a m�sica cl�ssica? Quais compositores e obras brasileiros merecem maior destaque? 
A contribui��o brasileira � vasta, desde pelo menos o s�culo 19. Villa-Lobos e Carlos Gomes seguem como os mais discutidos. Mas talvez precisemos ainda explorar e conhecer melhor nosso repert�rio. A Filarm�nica de Minas Gerais fez uma grava��o irretoc�vel de obras de Alberto Nepomuceno – saiu em cat�logo internacional, ganhou pr�mios na Fran�a e na Inglaterra. Quem n�o ouviu precisa ouvir. Arriscaria dizer que nossa contribui��o est� ainda por ser realizada. E, sem surpresa aqui, depende de n�s, gestores de cultura, mas tamb�m ouvintes, e artistas. 

Voc� cita uma passagem de Por que ler os cl�ssicos, de Italo Calvino. A partir da proposta do escritor italiano, eis a pergunta: Por que ouvir os cl�ssicos?.
Fiz o livro inteiro, no fundo, para responder a essa pergunta! 

Falando de m�sica – Oito li��es sobre m�sica classica
De Leandro Oliveira
Todavia
126 p�ginas
R$ 44, 90


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)