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Estado de Minas LITERATURA

Selva de concreto na selva do mundo: Edyr Augusto chega ao s�timo livro, e mostra problemas vividos em Bel�m

Capital paraense sofre um grave impacto da pandemia do coronav�rus: 'Quem conhece a cidade sempre soube da desgra�a que seria quando o v�rus chegasse'


postado em 19/06/2020 04:00 / atualizado em 19/06/2020 08:03

Edyr e a influência de Rubem Fonseca: %u201CEncontrei a perfeita tradução do que e como eu queria escrever depois de ler o conto O cobrador%u201D (foto: Luis braga)
Edyr e a influ�ncia de Rubem Fonseca: %u201CEncontrei a perfeita tradu��o do que e como eu queria escrever depois de ler o conto O cobrador%u201D (foto: Luis braga)
Um dos cap�tulos de BelHell come�a com o relato de plant�o em hospital p�blico: “Barra-pesada, UTI lotada”. Em outra passagem, um personagem conta que sabe “onde tirar verba para ajudar o nosso povo aqui do Par�, verbas do SUS para constru��o de hospitais”. Afirma que vai “providenciar os contratos atrav�s de licita��es planejadas cuidadosamente para beneficiar voc�s” e conclui, ir�nico: “Vamos apertar as m�os e fazer o melhor para o Brasil”. Semelhan�as com a realidade? Sim, mas vale esclarecer que o novo romance de Edyr Augusto, nascido em 1954, nasceu muito antes da pandemia. 

O Par� � um dos estados brasileiros mais atingidos pelo coronav�rus no pa�s:  quatro mil mortes at� o in�cio da semana, boa parte dos �bitos registrados na capital. “Quem conhece a cidade sempre soube da desgra�a que seria o v�rus chegar a Bel�m, com seus imensos contrastes, pr�dios de 50 andares, gente que passa weekend em Miami e uma maioria de miser�veis, vivendo em condi��es sanit�rias e de sa�de lament�veis, como se no s�culo 18”, conta Edyr, por e-mail, ao Estado de Minas.

Tens�o, tiros, safan�es, sexo, jogatina, homens que parecem “ratos molhados”, outros descal�os, esquel�ticos, magros de crack. “Aqui s� tem fodido, doutor.” Entre os personagens principais, m�dicos e policiais pressionados pela ferocidade das ruas, “vivendo e aprendendo a jogar”. A diversidade humana e o ritmo da narrativa, estruturada em cap�tulos curtos e par�grafos longos, reluzem no s�timo livro de Edyr.

Bastam duas, tr�s p�ginas para o corpo sair do tremor e do gozo e ser descrito em minuciosa per�cia depois de uma agress�o. “Nossas mentes t�m milh�es de imagens guardadas e a minha literatura induz o leitor a criar o que est� lendo”, acredita o escritor, traduzido na Fran�a e em outros pa�ses europeus. A seguir, uma entrevista com Edyr Augusto.

Quais as principais diferen�as entre BelHell e os seus livros anteriores?

A diferen�a que eu noto, de certa maneira proposital, est� na volta de um enredo que compreende um tempo maior, sobretudo no percurso dos personagens, como est� em meu primeiro livro, Os �guas. Os que vieram depois, quase sempre t�m uma voragem, como se o pr�prio livro tivesse pressa em devorar sua hist�ria. BelHell, embora intenso e veloz, acompanha os personagens por mais tempo.

Na apresenta��o de BelHell, o cineasta Fernando Meirelles (Cidade de Deus, Dois papas) destaca a “urg�ncia” dos personagens e o fato de que o escritor “n�o julga ningu�m, apenas narra”. E encerra dizendo que o leitor entrar� em um “universo inesperado”. Que universo � esse? E o que considera que h� de cinematogr�fico em suas narrativas?

Fernando � um bom amigo e um grande papo. Veio a Bel�m fazer um trabalho e algu�m deu um livro meu (Pssica) para ler. Gostou, me ligou, vai haver filme, dirigido pelo Kiko, seu filho. H� outros dois com direitos vendidos, Casa de Caba e Selva concreta. Acho que ele se refere � aus�ncia, digamos assim, de considera��es extensas sobre a psicologia de cada personagem e o fato de n�o perder tempo divagando sobre cen�rios.

O tal do “universo inesperado” penso ser uma Amaz�nia diferente dos postais tur�sticos. Quando � quest�o cinematogr�fica, j� estou acostumado. Acho que o leitor faz o filme. Vivemos uma sociedade imag�tica, monitores e c�meras por todos os lados. Nossas mentes t�m milh�es de imagens guardadas. Minha literatura induz o leitor a criar o que est� lendo. Digo sempre que o filme que o leitor fez, ao ler, � que foi bom. Fa�o literatura. Cinema � outra linguagem.

A fic��o se adiantou � realidade ou apenas espelhou o que ocorre no pa�s?

Marcelo Mirisola diz “ficcionistas, cuidado: a realidade � uma concorrente”. Sem d�vida. Infelizmente, vivemos momentos terr�veis, que est�o diariamente nos jornais televisivos. Se � para a fic��o ser cr�vel, digamos assim, precisa espelhar a realidade. E o que acontece, no livro, no Par�, acontece em todo o Brasil.

Como o fato de Bel�m ser uma das cidades mais atingidas pelo coronav�rus mudou a sua vida e as suas observa��es da cidade? Pretende escrever sobre essa experi�ncia?  

Quem conhece a cidade sempre soube da desgra�a que seria o v�rus chegar a Bel�m, com seus imensos contrastes, pr�dios de 50 andares, gente que passa weekend em Miami e uma maioria de miser�veis vivendo em condi��es sanit�rias e de sa�de lament�veis, como se no s�culo 18. Temos uma elite ego�sta e uma classe pol�tica inteiramente indiferente ao povo.

Somos potencialmente o estado mais rico do Brasil e economicamente um dos mais pobres. O volume de riquezas que saem diariamente para o mundo, sem que um devido retorno financeiro ou em realiza��es exista, � um esc�ndalo. A experi�ncia do coronav�rus vai influenciar a mim e a muita gente.
 
Ao projeto Como eu escrevo, do pesquisador Jos� Nunes, voc� contou: “Moro no Centro de Bel�m, rodeado por cafet�es, traficantes, prostitutas, vagabundos, engraxates, taxistas. Ou�o seus assuntos, a melodia e a cad�ncia de suas falas. Sou um observador”. Pelo que observa, o que mudou na vida dessas pessoas com a chegada do coronav�rus a Bel�m? 

Elas continuam por l�, prostitutas aguardando clientes que talvez n�o venham, por conta da quarentena, cafet�es exigindo, traficantes cobrando d�vidas, engraxates e taxistas arengando uns com os outros.  Mas todos com sua devida m�scara. Ficaram engra�ados, mesmo que nada tenha de engra�ado na sua terr�vel luta di�ria pela sobreviv�ncia.

� preciso colaborar, dez aqui, vinte ali, cinquenta, mesmo sabendo que nem sempre comprar�o alimentos, preferindo drogas, bebidas ou pagar d�vidas para n�o morrer.

Na mesma entrevista, voc� assumiu que Rubem Fonseca � uma grande inspira��o. O que considera mais admir�vel na obra de Fonseca e quais os seus livros prediletos do escritor?

Rubem � a grande inspira��o de muitos. Li todos os seus livros e nunca esque�o a impress�o que me deu o conto O cobrador. Eu j� lia Dashiell Hammet, os beats, malditos, noir americano em geral. Encontrei em Rubem a perfeita tradu��o do que e como eu queria escrever. Depois me encontrei em Marcelino Freire, Ronaldo Bressane, Nelson Oliveira, Mirisola, entre outros. 

A atividade jornal�stica influenciou a sua narrativa liter�ria?

Totalmente. Trabalhei uma vida inteira em r�dio, n�o somente redigindo textos jornal�sticos, mas publicit�rios. Escrevi textos teatrais para o Grupo Cu�ra e me especializei em di�logos. Em todas essas �reas, a concis�o � a regra e isso foi aperfei�oando minha escrita. No primeiro livro, Os �guas, o estilo est� apenas enunciado, firmando-se a partir de Moscow.

Por que considera que a Amaz�nia � “a prostituta do mundo”, como declarou ano passado ao jornal O Globo? 

Porque todo mundo quer decidir sobre o que � melhor para a Amaz�nia, todo mundo vem, faz neg�cios e leva riquezas, derruba �rvores, todos v�m, fodem e v�o embora deixando trocos. Leio de artistas internacionais fazendo shows com a renda vindo para a Amaz�nia. Nunca vi esse dinheiro. Escrit�rios gelados em S�o Paulo decidem normas e regras para um lugar que n�o conhecem. Noruegueses, japoneses, chineses, americanos e que tais fazem acordos com Bras�lia e levam nossa riqueza, deixando buracos e trocos.

N�s, aqui na Amaz�nia, temos cientistas, temos gente que sabe o que precisa ser feito. Gente daqui da Amaz�nia, que sabe o que precisamos. Mas ningu�m quer nos ouvir. N�o interessa. N�o enriquecer� ningu�m.

Todos os seus livros foram traduzidos na Fran�a. Pelo retorno que teve at� agora, o que mais chama a aten��o dos franceses em sua literatura?

Tenho tamb�m um livro na Inglaterra, al�m dos franceses, trabalho de minha editora, Boitempo. J� estive por l� v�rias vezes, assediado por blogs, jornais, revistas, programas de tev� e r�dio. Sempre falam do choque recebido, por n�o tratar da Amaz�nia id�lica, vendida turisticamente. Disse a eles que, em Bel�m, assisto aos mesmos programas que eles; aos jogos de futebol. H� internet, enfim. H� uma selva de concreto enterrada na maior selva do mundo e a perplexidade do homem ribeirinho quando atraca sua canoa e entra na outra selva provoca tudo.

Quais os erros mais recorrentes cometidos pelos que n�o s�o de Bel�m ao se referirem � cidade?

Primeiro, dizer que fica no Nordeste. Perguntar se h� �ndios pelas ruas. Jacar�s. Cobras. Achar que faz mais calor que no resto do Brasil. A temperatura pode chegar a 35 graus, mas quase nunca a 41, como no Rio de Janeiro. Claro, h� uma umidade no ar que molha o rosto. Um grande erro tamb�m � deixar-se levar pelos pontos tur�sticos. Melhor � procurar algum morador e perguntar pelos points da galera. Vai descobrir um mundo, talvez o tal Eldorado...

“Daquele mundo, dif�cil sair vivo”, afirma o narrador no ep�logo de BelHell. E no Brasil? Como permanecer vivo e escrevendo? 

As pessoas se envolvem em situa��es dif�ceis de sair com vida, n�o importa o lugar em que estejam. Depende da ambi��o, que se n�o tiver limites e n�o for mantida sob controle, na correta dire��o, tudo pode acontecer. �s vezes, leitores reclamam de personagens favoritos que n�o terminam o livro, digamos assim. Mas eles se meteram em um mundo dif�cil de sair vivo. Permane�o vivo e escrevendo porque sou atento e n�o me meto onde n�o devo.  

BelHell
De Edyr Augusto
Boitempo
152 p�ginas
R$ 28

Estante

Os �guas (1998)
Moscow (2001)
Casa de caba (2004)
Um sol para cada um (contos, 2008) 
Selva concreta (2012) 
Pssica (2015)
Todos os livros foram lan�ados pela editora Boitempo


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