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Estado de Minas

A arte da repara��o


postado em 26/06/2020 04:00

Ao longo das d�cadas, Machado de Assis foi apresentado aos estudantes brasileiros como se fosse branco. O mesmo ocorreu com outros grandes autores, como o franc�s Alexandre Dumas (1802-1870). “� como se os pretos que se destacam em diversas �reas do conhecimento n�o pudessem ser apresentados como pretos”, afirma o historiador negro Andr� Luiz Rodrigues, professor de col�gio e cursos particulares do Rio de Janeiro. “Retirando-lhes o protagonismo, s�o embranquecidos. � como se a notoriedade na sociedade brasileira fosse assegurada apenas aos brancos”, diz ele. 

Foi pensando em projetar a afrodescend�ncia de Machado de Assis, que tem repercuss�o sobre a discuss�o do racismo estrutural da sociedade brasileira, que Adriana Cardozo, artista de p�s-produ��o, se envolveu h� duas semanas em um projeto pessoal: face � proximidade dos 181 anos de nascimento do escritor, ela fez a releitura de uma de suas fotos ic�nicas, aos 57 anos. Em minuciosa pesquisa de imagens de Machado de Assis e de outras pessoas origin�rias de v�rias partes do mundo, como a �ndia, Adriana trabalhou pontualmente a fisionomia do escritor: testa, nariz, olhos, formato das orelhas. Com uma excepcional qualidade de resolu��o, recuperou o aspecto mais escamoteado pela sociedade brasileira de sua genial personalidade: a negritude de Machado de Assis. 

“Eu tamb�m aprendi na escola que ele era branco. Quis que o projeto chamasse a aten��o para esse questionamento”, afirma Adriana Cardozo. “Tratar Machado de Assis como branco foi t�o naturalizado, que agora, quando ele aparece negro, incomoda”, revela a artista, em refer�ncia aos coment�rios racistas com os quais interagiu, em meio �s centenas de elogios e comparti- lhamentos do trabalho nas redes behance, Twitter e Facebook. “Estou vendo algumas pessoas incomodadas e isso nos diz muito sobre a sociedade brasileira, uma das mais racistas do mundo. Basta comparar como nos Estados Unidos o Black Lives Matter e outros movimentos sociais levam tantas pessoas brancas �s ruas para protestar contra a viol�ncia policial. No Brasil, a viol�ncia contra os negros � ainda maior, mas a sociedade est� anestesiada com a viol�ncia e os assassinatos di�rios, para n�o falar do encarceramento em massa de uma popula��o principalmente preta”, afirma. “Ser� que se fossem brancos seria diferente?”

Reconhecer o protagonismo do preto, apontar para o racismo normalizado na sociedade brasileira, demonstrar empatia com a causa, n�o banalizar piadas e coment�rios que “desuma- nizam”, admitir a maior vulnerabilidade social e a maior exposi��o � viol�ncia policial do preto em rela��o  ao branco s�o todos aspectos que fundamentam o projeto de releitura de Machado de Assis por Adriana Cardozo.

 “Acho crucial apagarmos esse embranque- cimento do Machado de Assis. � uma forma de mostrar a import�ncia dos negros para a sociedade”, afirma o historiador Andr� Luiz Rodrigues. “� �poca em que os retratos de Machado de Assis foram criados, a ci�ncia esta- belecia que o verdadeiro padr�o de homem de- veria ser branco. Para que a pessoa tivesse uma notoriedade, tinha de ser colocada como branca. At� mesmo o presidente Nilo Pe�anha (1867-1924), que era negro, sempre foi apresentado com a cor clara”, sustenta Andr� Luiz. “Hoje, n�o temos mais uma ci�ncia que coloca o negro como inferior ao branco – e o fez a servi�o do ca- pitalismo para justificar a escravid�o –, mas o racismo persiste. Uma forma de combater isso � mostrar que os negros t�m tamb�m protagonismo, tamb�m se destacam. Eu mesmo cresci sem ter grandes her�is negros para me inspirar”, destaca o historiador. 

Andr� Luiz lembra que, embora os negros sejam 52% da popula��o brasileira, diferentemente dos Estados Unidos, t�m presen�a resi- dual em postos de alta representa��o pol�tica, no sistema de justi�a e em cargos de comando nas empresas. “Vejo no Brasil um apartheid social profundo. Quem mais vive em situa��o de vulnerabilidade? Quem � v�tima do genoc�dio policial? Quem � discriminado pela cor da pele? As pessoas n�o se afirmam como racistas, sempre escondem isso, mas o que a gente percebe nos �ltimos dois anos � que est�o saindo do arm�rio. A escravid�o deixou marcas n�o solucionadas, j� foram criadas tentativas de repara��o, mas o racismo persiste e se aprofunda neste governo, que n�o leva o problema a s�rio”, afirma Andr� Luiz Rodrigues, em refer�ncia n�o apenas �s declara��es e atitudes de S�rgio Camargo, presidente da Funda��o Palmares, mas tamb�m de in�meros atos do governo federal. 

“Eu vejo o Brasil muito racista, talvez seja o pa�s mais racista do mundo, porque as pessoas normalizam a viol�ncia contra o preto, a vulne- rabilidade, a exclus�o e a falta de oportunidades. E atacam pol�ticas como a de cotas, que tentam fazer algum tipo de repara��o”, considera Andr� Luiz Rodrigues. Adriana Cardozo tem opini�o id�ntica.  “Primeiro de tudo, n�s, os brancos, que somos privilegiados, temos de assumir uma postura de empatia e a condi��o de ouvintes, nos abrindo para um aprendizado com os pretos sobre o que seja o racismo e como ele se manifesta. Temos de aprender a identificar quais s�o os privil�gios que o sistema nos d� como brancos e quais s�o os direitos que retira da comunidade afro-brasileira”, destaca ela. 


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