Por que abrir o processo de cria��o do pr�ximo livro?
Essa ideia � fruto da pandemia. Eu estava alimentando di�rios desde o ano passado em Berlim e comecei a montar um livro de fic��o com eles quando voltei ao Brasil, pouco antes da quarentena. Segui com esse processo, mas no meio do caminho o livro virou outra coisa, eu virei outra coisa, e achei que seria interessante reduzir os tempos do processo entre a escrita e a publica��o.
Por um sentimento de urg�ncia, talvez. Comecei a publicar trechos da parte brasileira dos di�rios na 451 e fiz uma s�rie de v�deos baseado neles para a revista Zum, do IMS. Depois, decidi criar um lugar pr�prio para botar tudo junto e seguir adiante.
Como o leitor poder� acompanhar o progresso de seu trabalho?
Al�m de ler fragmentos in�ditos no site, as pessoas poder�o assinar uma lista de transmiss�o via WhatsApp ou Telegram, por onde j� estou enviando trechos de obras com as quais o romance dialoga: livros, m�sicas, filmes etc. Tamb�m vou remeter �udios com leituras de in�ditos meus, coisas de outros autores, fotografias e v�deos. Acredito que a experi�ncia de acompanhar algo do processo de cria��o vai alterar a leitura do romance.
N�o apenas porque s�o paratextos que ajudam a entender a obra, mas porque tamb�m h� um investimento emocional envolvido, certo conv�vio. �, mais uma vez, uma performance estendida, s� que mais laboratorial e, por que n�o dizer, �ntima.
Por que retomar a produ��o de um blog?
O �nico di�rio que eu alimentei na vida antes desse foi o de escrita, edi��o e publica��o do Corpo presente, meu primeiro romance, entre 2001/2003. Senti que era hora de voltar, talvez para tentar recuperar um pouco dos ares livres daquele blogspot, um momento em que a l�gica de navega��o da internet era muito mais horizontal e democr�tica.
Hoje, estamos todos sob ru�do e controle de redes sociais e grandes portais noticiosos, no contexto da maior concentra��o de capital da Hist�ria da humanidade – e sabemos que tal concentra��o, no Vale do Sil�cio ou em conglomerados de m�dia, amplia ainda mais o (mau) uso pol�tico dessas ferramentas. Abrir um site e ter um blog agora � como sair do shopping center infernal que virou a internet afunilada de hoje e pedir para as pessoas te acompanharem a um lugar diferente e silencioso, com menos lixo no horizonte.
Como as redes sociais, em especial o WhatsApp, impactaram a sua produ��o nos �ltimos anos?
Atrapalharam muito a minha produ��o, eu poderia dizer. S�o ferramentas criadas para viciar e reprogramar o c�rebro, sinto que ainda estamos engatinhando no uso consciente e respons�vel delas. Meu desejo de usar o WhatsApp agora tem algo de vingan�a e apropria��o simb�lica desse objeto absolutamente nefasto – o celular.
J� consegue delimitar as diferen�as do novo livro para o anterior, Descobri que estava morto (Tusquets, 2015, pr�mio de melhor romance pela Biblioteca Nacional)?
Tenho a impress�o de que esse narrador vai direto ao centro da a��o, mesmo quando � interna. Descobri que estava morto � um acerto de contas gigantesco, um romance mais reativo e moralista (mesmo quando � profundamente imoral), e isso aqui me parece mais fluido e narrativo. O narrador n�o me parece muito preocupado em oferecer aquele tipo implac�vel de ju�zo de valor, talvez haja alguma generosidade envolvida no processo. Ou desapego.
“� necess�rio certa energia, apego e apre�o”, escreve voc� no site. E para escrever no Brasil com t�o poucos leitores?
Como escrever no Brasil � usar uma linguagem que boa parte da popula��o n�o domina, o portugu�s escrito, somos estrangeiros em nosso pr�prio pa�s – cada vez mais. Isso faz com que a literatura brasileira seja mais radical e inovadora que as outras, pois muito livre e alien�gena, embora pouco prestigiada dentro e fora daqui.
Dito isso, hoje considero muito mais dif�cil n�o escrever no Brasil que escrever. Talvez por ter ficado quase quatro anos sem rabiscar uma linha de fic��o, tenho pensado muito sobre isso: a energia brutal que gastei para conseguir n�o escrever esse tempo todo.
Nada � mais antigo que o passado recente. De onde veio o t�tulo? � uma certeza ou uma profecia?
Isso me veio numa noite de quarentena em outra formula��o: “Nada � t�o antigo quanto o passado recente”. Depois que publiquei isso, um grande amigo e escritor, Gabriel Trigueiro, me alertou que era uma frase do Nelson Rodrigues. A formula��o dele � melhor e euf�nica, da� que fiquei com ela e assumi como t�tulo provis�rio do livro.
"Abrir um site e ter um blog agora � como sair do shopping center infernal que virou a internet afunilada de hoje e pedir para as pessoas te acompanharema um lugar diferente e silencioso, com menos lixo no horizonte"
Jo�o Paulo Cuenca
Acho que a minha gera��o acreditou que passaria inc�lume pela Hist�ria e estamos, desde 2013, entendendo que isso � imposs�vel. A antiguidade do passado recente tem a ver com isso, esse peso e responsabilidade.
Qual o �nico final feliz para sua hist�ria de amor com as palavras e as imagens?
Tenho hoje tr�s projetos de longa-metragem bem adiantados que quero dirigir e tantos outros para escrever. Falta grana, demora – cinema tem isso, mas estamos indo atr�s. De coisas para sair, h� um filme, Subterr�nea, baseado numa pe�a que escrevi e que est� em processo de finaliza��o, deve estrear ainda esse ano.
� um filme de aventura alucinante e alucinado sobre a lenda do Morro do Castelo, a queima do Museu Nacional e as profundezas do Brasil, misturando Jules Verne e Lima Barreto com Exu. O Pedro Urano, diretor, fez um trabalho incr�vel e j� tenho o maior orgulho do longa. E outro, em pr�-produ��o, que escrevi junto com o Luiz Fernando Carvalho, na hora certa tamb�m ser� filmado por ele. Acho que o �nico final feliz � produzir at� o �ltimo dia: � n�o desistir.
Cuenca na estante
>> Corpo presente
(2003)
>> O dia Mastroianni
(2007)
>> O �nico final feliz para uma hist�ria de amor � um acidente