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Afinal, para que serve o dinheiro? Entenda a Teoria Monet�ria Moderna, nova forma de ver a moeda

Professora do Instituto de Economia da Unicamp, Simone Deos explica os fundamentos da teoria, que reposiciona papel do estado em tempos de gastos adicionais provocados pelo impacto do novo coronav�rus


07/08/2020 04:00 - atualizado 14/09/2020 10:54

(foto: Piskist)
(foto: Piskist)
O pensamento macroecon�mico convencional est� falido e n�o consegue articular respostas que expliquem por que, ap�s a crise de 2008, quando os bancos centrais por todo o globo injetaram moeda em opera��es de salvamento, a infla��o n�o disparou nas economias desenvolvidas. Tampouco as pol�ticas fiscais prescritas pelo pensamento econ�mico conservador foram capazes de elevar os n�veis de emprego e o crescimento econ�mico para os patamares que se desejava. Igual n�o ser� capaz de arrancar o mundo da nova crise, desencadeada pela pandemia do novo coronav�rus. 

� nesse contexto que a Teoria Monet�ria Moderna ganha nova tra��o: o governo deve expandir gastos p�blicos, sob pena de assistir passivamente ao decrescimento econ�mico e � disparada do desemprego. Como faz�-lo? A nova teoria reposiciona o papel do Estado, apresentando uma pol�tica econ�mica que promete perseguir o pleno emprego, com fulcro em nova vis�o da moeda fundada em fatos da hist�ria econ�mica.

A avalia��o � da professora Simone Deos, do Instituto de Economia da Unicamp, coordenadora do programa de p�s-gradua��o em ci�ncias econ�micas da universidade paulista. Ela integra o seleto grupo de economistas brasileiros que acompanham de perto a evolu��o da nova Teoria Monet�ria Moderna. Em palestra promovida nessa ter�a-feira pelo Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, Simone Deos abordou a evolu��o da teoria, trabalhada por pesquisadores como Randall Wray, Stephanie Fostater, Scott Fullwiler e Pavlina Tcherneva. 
 
Simone Deos:
Simone Deos: "O perigo, agora, � a defla��o, e n�o a infla��o" (foto: arquivo pessoal)
Quais s�o os fundamentos da chamada Teoria Monet�ria Moderna?
A Teoria Monet�ria Moderna � uma abordagem nova sobre a macroeconomia e oferece uma diferente perspectiva da tradicional forma de ver a moeda como uma mercadoria. A moeda � uma rela��o social; nesse sentido, uma cria��o dos Estados monetariamente soberanos. � uma rela��o de cr�dito e d�bito do Estado, por assim dizer, num n�vel alto de abstra��o. A moeda est� no topo da hierarquia monet�ria, � um passivo, portanto, uma d�vida emitida pelo governo, que n�s todos detemos como ativo. Toda vez que o governo gasta est� criando ou emitindo moeda sempre, necessariamente. E toda vez que arrecada est� recolhendo ou destruindo moeda. Esse � um mecanismo que sempre acontece, de cria��o e destrui��o de moeda. Al�m de descrever como a moeda � criada na economia, a Teoria Monet�ria Moderna descreve como operam os bancos centrais e os tesouros nacionais, procurando descortinar o verdadeiro funcionamento dos sistemas monet�rios contempor�neos. E ao faz�-lo, ela vai al�m e mostra que poder�amos e dev�amos fazer mais: se n�s compreendermos como as economias realmente funcionam, poder�amos usar pol�ticas econ�micas que levem a sociedade para um padr�o de vida que todos merecem, de crescimento econ�mico e do emprego. 

Que implica��es pr�ticas surgem do reconhecimento de que a moeda n�o � uma mercadoria, mas uma rela��o social de cr�dito e d�bito, e que governos, quando gastam, criam moedas, e ao tributar destroem a moeda?
Esse reconhecimento refuta a ideia de que o Estado sofre restri��es financeiras como uma fam�lia e pode se ver sem dinheiro para honrar os seus pagamentos. Governos que se endividam em sua pr�pria moeda n�o enfrentam limites financeiros nem podem “quebrar” na sua moeda. Tal como os autores da Teoria Monet�ria Moderna compreendem, essa moeda � criada juntamente no momento em que o governo gasta. O gasto do governo � o qu� mais concretamente? � a compra de uma carteira escolar, a compra de medicamentos, � o pagamento das empresas que prestam servi�o, o gasto � o pagamento dos funcion�rios p�blicos. Quando vamos concretizar o que � o gasto do governo, est� diretamente relacionado com a produ��o. Agora, o ponto que n�o tocamos aqui e � muito importante: a qualidade do gasto � muito importante. Porque se vamos utilizar os recursos reais dispon�veis na economia – recursos naturais, o parque produtivo, as pessoas, a m�o de obra qualificada –, temos de utiliz�-los da melhor forma poss�vel.

Qual � a aplicabilidade da Teoria Monet�ria Moderna particularmente em tempos de crise, como aquela enfrentada pelo mundo em 2008?
A crise de 2008 e a p�s-crise de 2008 deram certa tra��o � Teoria Monet�ria Moderna. Os governos e os bancos centrais reagiram � crise de 2008 injetando muita moeda na economia. E o que aconteceu? Tivemos no mundo alta infla��o depois de 2008? N�o, isso n�o aconteceu. Isso deixou as pessoas atentas, um pouco perplexas. Outra coisa, temos tamb�m economias nas quais a rela��o estoque da d�vida p�blica sobre o PIB s�o muito mais altas do que os modelos macroecon�micos apontavam como indicador de sustentabilidade m�nima. Existe um n�mero m�gico, 80%, 100%. H� economias que t�m essa rela��o de 250% e s�o economias que funcionam perfeitamente. Esse tipo de evid�ncia emp�rica come�a a causar um certo inc�modo: o pensamento macroecon�mico convencional est� falido. N�o d� mais respostas, n�o � capaz de explicar por que, depois da grande opera��o de salvamento ap�s a crise de 2008, o mundo n�o ficou inflacionado e as pol�ticas fiscais prescritas n�o foram capazes de elevar o crescimento para o patamar que se desejava nem o emprego. Andr� Lara Resende tem falado na possibilidade e na necessidade de que a gente expanda os gastos p�blicos, sob pena de continuarmos presos numa armadilha de baixo crescimento ou de decrescimento e alto desemprego. Com isso, estaremos desperdi�ando os recursos produtivos na sociedade. Este � o verdadeiro desperd�cio de recursos: deixar milh�es de pessoas sem poder trabalhar e sem poder exercer as suas capacidades produtivas. Firmas desocupadas, parques produtivos ociosos, esse � o verdadeiro desperd�cio de recursos no pa�s. 

Como, no contexto da crise gerada pela pandemia, a Teoria Monet�ria Moderna pode oferecer sa�das para a retomada do crescimento? 
Nesta crise provocada pelo novo coronav�rus, esse assunto voltou � baila porque houve por parte de v�rios governos, e n�s estamos entre eles, a necessidade de expandir gastos em rela��o �quilo que estava programado. Os economistas est�o debatendo como vamos financiar os gastos adicionais. Ser�o financiados como? Por meio de endividamento? Por meio de nova arrecada��o? Isso n�o vai causar infla��o? Momento como este suscita que pensemos sobre isso. E o que vemos, observamos para as experi�ncias recentes � que podemos fazer isso. O Brasil pode ampliar, o governo brasileiro pode fazer frente �s despesas adicionais, por exemplo, concedendo o aux�lio emergencial e, para isso, precisou de nova norma legal. � preciso que revise algumas normativas que impedem o gasto em determinadas condi��es. Superado esse obst�culo, que � pol�tico-institucional, o governo pode criar moeda, como sempre criou. E qual � o limite de gastos do governo? O limite para o gasto do governo � quando os recursos reais da economia estiverem plenamente utilizados e os sinais de que isso est� chegando s�o os sinais inflacion�rios. E isso n�o temos. Temos infla��o que est� abaixo da meta do Banco Central e temos um ambiente deflacion�rio no mundo. Eu diria que o perigo, agora, � a defla��o, e n�o a infla��o. A Teoria Monet�ria Moderna tem uma preocupa��o com a infla��o, que � do ponto de vista da teoria, de excesso de gastos, n�o de excesso de d�vida p�blica. Ent�o, enquanto n�o chegarmos ao ponto de acelera��o da infla��o, temos em tese espa�o para gastar. 

Quais dificuldades adicionais enfrentam as economias perif�ricas em rela��o �s economias desenvolvidas para a aplica��o da Teoria Monet�ria Moderna?
Qual � o problema das economias perif�ricas? O fato que temos restri��o externa – n�o somos emissores de d�lar, nem euro, nem de iene. As transa��es internacionais, comerciais e financeiras n�o se d�o em reais, mas se d�o nessas outras moedas. Portanto, precisamos dessas moedas que n�o emitimos para fazer as nossas transa��es internacionais. E essas moedas entram no nosso pa�s pela conta comercial de transa��es correntes e pela conta financeira. Ent�o, podemos pensar o que um excesso de gastos que leve a um ciclo expansivo forte na economia pode ter efeito sobre a conta- corrente e sobre a taxa de c�mbio. Mas vivemos num mundo de c�mbio flex�vel. O que vai acontecer � a desvaloriza��o de nossa taxa de c�mbio, com efeitos importantes sobre setores produtivos, efeitos importantes de casamento de moeda. Mas imagino que temos muito espa�o para cumprir antes disso. Podemos ter um ataque especulativo, ou investidores internacionais que saiam do Brasil? Sim, � poss�vel. Isso vai causar uma instabilidade grande no c�mbio, o que � indesej�vel, mas que o Banco Central tem condi��es de intervir nos mercados de c�mbio – tanto nos mercados � vista, quanto futuro – para minimizar essa instabilidade. Ent�o, n�o me parece que devemos trocar uma estabilidade, uma suposta estabilidade, num mercado de c�mbio com uma economia de baixo crescimento e muito desemprego, pelos benef�cios que teriam com n�vel mais alto de crescimento e sobretudo de emprego.

Partidos pol�ticos e candidaturas nos cen�rios europeu e americano t�m recorrido a alguns elementos da Teoria Monet�ria Moderna em suas plataformas. Cito o Green New Deal, que norteou as campanhas dos trabalhistas no Reino Unido, de Bernie Sanders nas prim�rias americanas e mesmo Joe Biden tem sinalizado com simpatia em dire��o a algumas bandeiras. Como v� a incorpora��o dessas plataformas pelas campanhas de pa�ses europeus e nos Estados Unidos?
De fato, alguns pesquisadores v�m trabalhando h� muito tempo com prescri��o de pol�ticas que derivam da teoria monet�ria moderna, que � a ideia de que os governos devem garantir emprego para todos, esse � um direito humano b�sico. Esses pesquisadores participaram juntos da formula��o do Green New Deal e tiveram a preocupa��o de pensar como seria a transi��o de uma economia como a nossa, de emiss�o de combust�veis f�sseis, extremamente poluente para uma economia de baixa emiss�o de carbono. E com todas as implica��es que isso tem em termos de perdas de emprego em setores tradicionais da economia e a cria��o de novos empregos em novos setores. Como isso precisa ser pensado dentro dos marcos de um novo programa e como os pa�ses podem pagar. Pois � frequente e incorreta a associa��o de um pa�s que n�o tem recursos financeiros com a ideia dos or�amentos das fam�lias – se n�o temos recursos financeiros e nosso acesso ao cr�dito est� muito dif�cil, ent�o n�o podemos pagar mais. Isso n�o vale para os governos. A verdadeira restri��o de recursos para os pa�ses � a restri��o real de recursos – no sentido de existir ou n�o m�o de obra dispon�vel. Enquanto houver m�o de obra dispon�vel, e isso quer dizer enquanto houver pessoas desempregadas que queiram trabalhar, podemos e devemos elevar o n�vel de emprego da economia. Esse � um princ�pio b�sico. N�o devemos admitir que o equil�brio macroecon�mico se d� num ponto em que 5% da popula��o esteja desempregada. Isso � inadmiss�vel. Isso tem de ser incorporado em nossa discuss�o. 

Olhando para o Brasil hoje, como seria a aplicabilidade da teoria monet�ria moderna no pa�s?
O Brasil aplica a Teoria Monet�ria Moderna hoje? Sim e n�o. Sim no sentido de que a moeda hoje na economia � criada tal como est� descrita no manual dos autores da Teoria Monet�ria Moderna. Todos os pa�ses no mundo criam moeda, destroem moeda e fazem pol�tica monet�ria tal como a Teoria Monet�ria Moderna descreve. Agora, aplicamos a pol�tica que ela prescreve? Aplicamos uma pol�tica fiscal que ela prescreve? Aplicamos a pol�tica de emprego que ela prescreve? N�o, fazemos o contr�rio. Vejo com muita apreens�o o que vem sendo colocado pelo governo para o p�s-crise da Covid, pois n�o h� um plano articulado para que o pa�s saia da�. Ao contr�rio, o que vejo � o ministro da Economia insistindo em aprofundar o ajuste fiscal. O resultado disso ser� catastr�fico, social e economicamente. O PIB vai encolher este ano, n�o se sabe ao certo – n�o se sabe ao certo –, mas algo talvez entre 8% e 10%. Isso � dram�tico. A minha pergunta �: por que o setor privado dar� um boom no crescimento no ano que vem se as fam�lias estar�o empobrecidas, com a perda de emprego, se v�rias empresas quebraram este ano, se o mundo inteiro est� em recess�o? Por que devemos esperar que os investidores privados ir�o simplesmente aumentar os seus investimentos, os seus gastos, com essa expectativa t�o sombria? Isso � um pensamento m�gico, de novo fundado num desconhecimento do que seja a moeda, do funcionamento de uma economia monet�ria. 


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