
� nesse contexto que a Teoria Monet�ria Moderna ganha nova tra��o: o governo deve expandir gastos p�blicos, sob pena de assistir passivamente ao decrescimento econ�mico e � disparada do desemprego. Como faz�-lo? A nova teoria reposiciona o papel do Estado, apresentando uma pol�tica econ�mica que promete perseguir o pleno emprego, com fulcro em nova vis�o da moeda fundada em fatos da hist�ria econ�mica.
A avalia��o � da professora Simone Deos, do Instituto de Economia da Unicamp, coordenadora do programa de p�s-gradua��o em ci�ncias econ�micas da universidade paulista. Ela integra o seleto grupo de economistas brasileiros que acompanham de perto a evolu��o da nova Teoria Monet�ria Moderna. Em palestra promovida nessa ter�a-feira pelo Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, Simone Deos abordou a evolu��o da teoria, trabalhada por pesquisadores como Randall Wray, Stephanie Fostater, Scott Fullwiler e Pavlina Tcherneva.

A Teoria Monet�ria Moderna � uma abordagem nova sobre a macroeconomia e oferece uma diferente perspectiva da tradicional forma de ver a moeda como uma mercadoria. A moeda � uma rela��o social; nesse sentido, uma cria��o dos Estados monetariamente soberanos. � uma rela��o de cr�dito e d�bito do Estado, por assim dizer, num n�vel alto de abstra��o. A moeda est� no topo da hierarquia monet�ria, � um passivo, portanto, uma d�vida emitida pelo governo, que n�s todos detemos como ativo. Toda vez que o governo gasta est� criando ou emitindo moeda sempre, necessariamente. E toda vez que arrecada est� recolhendo ou destruindo moeda. Esse � um mecanismo que sempre acontece, de cria��o e destrui��o de moeda. Al�m de descrever como a moeda � criada na economia, a Teoria Monet�ria Moderna descreve como operam os bancos centrais e os tesouros nacionais, procurando descortinar o verdadeiro funcionamento dos sistemas monet�rios contempor�neos. E ao faz�-lo, ela vai al�m e mostra que poder�amos e dev�amos fazer mais: se n�s compreendermos como as economias realmente funcionam, poder�amos usar pol�ticas econ�micas que levem a sociedade para um padr�o de vida que todos merecem, de crescimento econ�mico e do emprego.
Que implica��es pr�ticas surgem do reconhecimento de que a moeda n�o � uma mercadoria, mas uma rela��o social de cr�dito e d�bito, e que governos, quando gastam, criam moedas, e ao tributar destroem a moeda?
Esse reconhecimento refuta a ideia de que o Estado sofre restri��es financeiras como uma fam�lia e pode se ver sem dinheiro para honrar os seus pagamentos. Governos que se endividam em sua pr�pria moeda n�o enfrentam limites financeiros nem podem “quebrar” na sua moeda. Tal como os autores da Teoria Monet�ria Moderna compreendem, essa moeda � criada juntamente no momento em que o governo gasta. O gasto do governo � o qu� mais concretamente? � a compra de uma carteira escolar, a compra de medicamentos, � o pagamento das empresas que prestam servi�o, o gasto � o pagamento dos funcion�rios p�blicos. Quando vamos concretizar o que � o gasto do governo, est� diretamente relacionado com a produ��o. Agora, o ponto que n�o tocamos aqui e � muito importante: a qualidade do gasto � muito importante. Porque se vamos utilizar os recursos reais dispon�veis na economia – recursos naturais, o parque produtivo, as pessoas, a m�o de obra qualificada –, temos de utiliz�-los da melhor forma poss�vel.
Qual � a aplicabilidade da Teoria Monet�ria Moderna particularmente em tempos de crise, como aquela enfrentada pelo mundo em 2008?
A crise de 2008 e a p�s-crise de 2008 deram certa tra��o � Teoria Monet�ria Moderna. Os governos e os bancos centrais reagiram � crise de 2008 injetando muita moeda na economia. E o que aconteceu? Tivemos no mundo alta infla��o depois de 2008? N�o, isso n�o aconteceu. Isso deixou as pessoas atentas, um pouco perplexas. Outra coisa, temos tamb�m economias nas quais a rela��o estoque da d�vida p�blica sobre o PIB s�o muito mais altas do que os modelos macroecon�micos apontavam como indicador de sustentabilidade m�nima. Existe um n�mero m�gico, 80%, 100%. H� economias que t�m essa rela��o de 250% e s�o economias que funcionam perfeitamente. Esse tipo de evid�ncia emp�rica come�a a causar um certo inc�modo: o pensamento macroecon�mico convencional est� falido. N�o d� mais respostas, n�o � capaz de explicar por que, depois da grande opera��o de salvamento ap�s a crise de 2008, o mundo n�o ficou inflacionado e as pol�ticas fiscais prescritas n�o foram capazes de elevar o crescimento para o patamar que se desejava nem o emprego. Andr� Lara Resende tem falado na possibilidade e na necessidade de que a gente expanda os gastos p�blicos, sob pena de continuarmos presos numa armadilha de baixo crescimento ou de decrescimento e alto desemprego. Com isso, estaremos desperdi�ando os recursos produtivos na sociedade. Este � o verdadeiro desperd�cio de recursos: deixar milh�es de pessoas sem poder trabalhar e sem poder exercer as suas capacidades produtivas. Firmas desocupadas, parques produtivos ociosos, esse � o verdadeiro desperd�cio de recursos no pa�s.
Como, no contexto da crise gerada pela pandemia, a Teoria Monet�ria Moderna pode oferecer sa�das para a retomada do crescimento?
Nesta crise provocada pelo novo coronav�rus, esse assunto voltou � baila porque houve por parte de v�rios governos, e n�s estamos entre eles, a necessidade de expandir gastos em rela��o �quilo que estava programado. Os economistas est�o debatendo como vamos financiar os gastos adicionais. Ser�o financiados como? Por meio de endividamento? Por meio de nova arrecada��o? Isso n�o vai causar infla��o? Momento como este suscita que pensemos sobre isso. E o que vemos, observamos para as experi�ncias recentes � que podemos fazer isso. O Brasil pode ampliar, o governo brasileiro pode fazer frente �s despesas adicionais, por exemplo, concedendo o aux�lio emergencial e, para isso, precisou de nova norma legal. � preciso que revise algumas normativas que impedem o gasto em determinadas condi��es. Superado esse obst�culo, que � pol�tico-institucional, o governo pode criar moeda, como sempre criou. E qual � o limite de gastos do governo? O limite para o gasto do governo � quando os recursos reais da economia estiverem plenamente utilizados e os sinais de que isso est� chegando s�o os sinais inflacion�rios. E isso n�o temos. Temos infla��o que est� abaixo da meta do Banco Central e temos um ambiente deflacion�rio no mundo. Eu diria que o perigo, agora, � a defla��o, e n�o a infla��o. A Teoria Monet�ria Moderna tem uma preocupa��o com a infla��o, que � do ponto de vista da teoria, de excesso de gastos, n�o de excesso de d�vida p�blica. Ent�o, enquanto n�o chegarmos ao ponto de acelera��o da infla��o, temos em tese espa�o para gastar.
Quais dificuldades adicionais enfrentam as economias perif�ricas em rela��o �s economias desenvolvidas para a aplica��o da Teoria Monet�ria Moderna?
Qual � o problema das economias perif�ricas? O fato que temos restri��o externa – n�o somos emissores de d�lar, nem euro, nem de iene. As transa��es internacionais, comerciais e financeiras n�o se d�o em reais, mas se d�o nessas outras moedas. Portanto, precisamos dessas moedas que n�o emitimos para fazer as nossas transa��es internacionais. E essas moedas entram no nosso pa�s pela conta comercial de transa��es correntes e pela conta financeira. Ent�o, podemos pensar o que um excesso de gastos que leve a um ciclo expansivo forte na economia pode ter efeito sobre a conta- corrente e sobre a taxa de c�mbio. Mas vivemos num mundo de c�mbio flex�vel. O que vai acontecer � a desvaloriza��o de nossa taxa de c�mbio, com efeitos importantes sobre setores produtivos, efeitos importantes de casamento de moeda. Mas imagino que temos muito espa�o para cumprir antes disso. Podemos ter um ataque especulativo, ou investidores internacionais que saiam do Brasil? Sim, � poss�vel. Isso vai causar uma instabilidade grande no c�mbio, o que � indesej�vel, mas que o Banco Central tem condi��es de intervir nos mercados de c�mbio – tanto nos mercados � vista, quanto futuro – para minimizar essa instabilidade. Ent�o, n�o me parece que devemos trocar uma estabilidade, uma suposta estabilidade, num mercado de c�mbio com uma economia de baixo crescimento e muito desemprego, pelos benef�cios que teriam com n�vel mais alto de crescimento e sobretudo de emprego.
Partidos pol�ticos e candidaturas nos cen�rios europeu e americano t�m recorrido a alguns elementos da Teoria Monet�ria Moderna em suas plataformas. Cito o Green New Deal, que norteou as campanhas dos trabalhistas no Reino Unido, de Bernie Sanders nas prim�rias americanas e mesmo Joe Biden tem sinalizado com simpatia em dire��o a algumas bandeiras. Como v� a incorpora��o dessas plataformas pelas campanhas de pa�ses europeus e nos Estados Unidos?
De fato, alguns pesquisadores v�m trabalhando h� muito tempo com prescri��o de pol�ticas que derivam da teoria monet�ria moderna, que � a ideia de que os governos devem garantir emprego para todos, esse � um direito humano b�sico. Esses pesquisadores participaram juntos da formula��o do Green New Deal e tiveram a preocupa��o de pensar como seria a transi��o de uma economia como a nossa, de emiss�o de combust�veis f�sseis, extremamente poluente para uma economia de baixa emiss�o de carbono. E com todas as implica��es que isso tem em termos de perdas de emprego em setores tradicionais da economia e a cria��o de novos empregos em novos setores. Como isso precisa ser pensado dentro dos marcos de um novo programa e como os pa�ses podem pagar. Pois � frequente e incorreta a associa��o de um pa�s que n�o tem recursos financeiros com a ideia dos or�amentos das fam�lias – se n�o temos recursos financeiros e nosso acesso ao cr�dito est� muito dif�cil, ent�o n�o podemos pagar mais. Isso n�o vale para os governos. A verdadeira restri��o de recursos para os pa�ses � a restri��o real de recursos – no sentido de existir ou n�o m�o de obra dispon�vel. Enquanto houver m�o de obra dispon�vel, e isso quer dizer enquanto houver pessoas desempregadas que queiram trabalhar, podemos e devemos elevar o n�vel de emprego da economia. Esse � um princ�pio b�sico. N�o devemos admitir que o equil�brio macroecon�mico se d� num ponto em que 5% da popula��o esteja desempregada. Isso � inadmiss�vel. Isso tem de ser incorporado em nossa discuss�o.
Olhando para o Brasil hoje, como seria a aplicabilidade da teoria monet�ria moderna no pa�s?
O Brasil aplica a Teoria Monet�ria Moderna hoje? Sim e n�o. Sim no sentido de que a moeda hoje na economia � criada tal como est� descrita no manual dos autores da Teoria Monet�ria Moderna. Todos os pa�ses no mundo criam moeda, destroem moeda e fazem pol�tica monet�ria tal como a Teoria Monet�ria Moderna descreve. Agora, aplicamos a pol�tica que ela prescreve? Aplicamos uma pol�tica fiscal que ela prescreve? Aplicamos a pol�tica de emprego que ela prescreve? N�o, fazemos o contr�rio. Vejo com muita apreens�o o que vem sendo colocado pelo governo para o p�s-crise da Covid, pois n�o h� um plano articulado para que o pa�s saia da�. Ao contr�rio, o que vejo � o ministro da Economia insistindo em aprofundar o ajuste fiscal. O resultado disso ser� catastr�fico, social e economicamente. O PIB vai encolher este ano, n�o se sabe ao certo – n�o se sabe ao certo –, mas algo talvez entre 8% e 10%. Isso � dram�tico. A minha pergunta �: por que o setor privado dar� um boom no crescimento no ano que vem se as fam�lias estar�o empobrecidas, com a perda de emprego, se v�rias empresas quebraram este ano, se o mundo inteiro est� em recess�o? Por que devemos esperar que os investidores privados ir�o simplesmente aumentar os seus investimentos, os seus gastos, com essa expectativa t�o sombria? Isso � um pensamento m�gico, de novo fundado num desconhecimento do que seja a moeda, do funcionamento de uma economia monet�ria.