
Breve hist�ria da solid�o
No escuro de uma caverna,
nas paredes de Pompeia,
na superf�cie de um papiro,
na solid�o de uma tela,
num grafite imprevisto
ou na imensid�o sid�rea,
esses escritos, fr�geis rabiscos,
querem dizer apenas isto:
existo.
O futuro mandou lembran�as
O dia, velho cigano, se encerra,
levando seu ouro para a China.
A noite est� fresca na retina.
Quem vai herdar nossa mis�ria?
A vida uma com�dia, s� que s�ria:
Praias t�o vazias, p�ginas t�o p�lidas
de tanto mist�rio, de tanto serem lidas.
Quem vai herdar nossa mis�ria?
Amigos distantes, estas linhas a�reas,
Instantes que foram isso, nada, espuma,
vislumbres, madrugada, alguma lua.
Quem vai herdar nossa mis�ria?
Minha dor mora onde outros tiram f�rias.
O passado � um rio que n�o regressa
e o presente, essa falsa promessa:
Quem vai herdar nossa mis�ria?
Uma s�laba no ar ainda reverbera.
Dunas mudas, dorso negro de montanhas,
o c�u, l�pide ard�sia nessa quase manh�.
Quem vai herdar nossa mis�ria?
Saiam da frente, palavras
Saiam da frente, palavras:
n�o preciso mais ver, atrav�s de voc�s,
o que se passa em minha mente.
A fila anda, queridas, vamos
que atr�s tem gente.
“Janelas para o mundo”, vazem,
desembacem: a porta da rua
� serventia da casa.
Voc�s eram t�o gatas,
Mas agora est�o gastas.
Eram t�o rosas,
Agora rancorosas.
Voc�s eram pedra.
Pois agora s�o vidra�a.
Voc�s n�o me dizem mais nada,
s� falam bem pelas costas,
est�o sujas de hist�ria
e ainda bloqueiam minha vis�o!
V�o ver se estou na esquina,
limpem a �rea e parem
de fazer cara de paisagem.
Entenderam? Ou
querem que eu desenhe?
Desapare�am, palavras,
(putas transparentes!)
Caiam fora, para que os sentidos
caiam dentro.
Deixem-me s� com essa parede branca,
limpa, linda,
chamada sil�ncio.
Insular
A vila dorme solit�ria sob a chuva,
imenso c�o cinza sobre os
sonhos de areia que o mar apaga.
A mente: esfarrapada
bandeira pirata.
Cego, o cora��o (comp�ndio
de velhos sil�ncios) caminha
no p�tio deserto da noite,
pelas explos�es da orla.
Em transe, o c�u afaga
o que o mar escuro afoga:
letras em c�mera lenta.
� a l�ngua que naufraga
Em busca de uma voz
fosse uma trilha
no luto
da luz
as ondas congeladas
da minha fala
erigem uma ilha.

Sobre o autor
Nascido em Londrina (PR), em 1965, Rodrigo Garcia Lopes � poeta, romancista, tradutor e compositor. Publicou Solarium (1994), visibilia (1996), Polivox (2002), N�mada (2004), Est�dio realidade (2013) e Expe- ri�ncias extraordin�rias (2015). � autor do livro de entrevistas Vozes & vis�es: panorama da arte e cultura norte-americanas hoje (1996) e do ensaio Roteiro liter�rio – Paulo Leminski (2018). Os poemas desta p�gina foram selecionados do livro O enigma das ondas, lan�amento da editora Iluminuras.