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Estado de Minas

Da clausura � liberdade

Com ilustra��es a nanquim de Wallison Gontijo, M�rio Alex Rosa lan�a livro com poemas curtos, assemelhados aos haikais, escritos durante o per�odo mais rigoroso do distanciamento social


27/11/2020 04:00 - atualizado 27/11/2020 11:01





O poeta mineiro M�rio Alex Rosa acaba de lan�ar Casa (Impress�es de Minas Editora/Selo Leme), depois de um intervalo de sete anos. S�o dele tamb�m os livros Via f�rrea (Cosac Naify), Ouro Preto (Scriptum), Formigas (Cosac Naify) e ABC futebol clube (Aletria), estes dois �ltimos infantojuvenis. Nessa nova empreitada, o cr�tico liter�rio e professor de literatura brasileira concebeu um livro singular, delicado, diferente da forma habitual de seus poemas. Casa traz textos curtos, de apenas tr�s versos, que flertam de perto com a tradi��o dos haikais. Os poemas ganharam, tamb�m, belas ilustra��es e tra�os de nanquim de Wallison Gontijo.
 
Escrito durante o per�odo mais rigoroso de quarentena na pandemia, o livro traz as reflex�es, o humor, as tristezas, as d�vidas que foram surgindo nesse p�riplo de incertezas, tudo destilado numa poesia, sobretudo, leve,  apesar das incertezas e das bizarrices e sandices de um momento pol�tico �nico e temeroso, principalmente na �rea da cultura.
 
 
 
Como diz Ronald Polito na apresenta��o, “este pequeno livro t�o especial � um projeto de sobreviv�ncia, � uma pol�tica de sobreaviso, um diagn�stico de alternativas. Mas em pian�ssimo, como conv�m � nova temporada de ca�a �s bruxas, ao rebote do medievo. Da� o sil�ncio imperativo entre os enunciados, poemas-concha, a necess�ria brevidade deles, sua natureza de senha, c�digo, cifra”.
 
 
Se o poeta japon�s Matsuo Basho (1644-1694), amplamente reconhecido como um dos maiores, ou o maior mestre do haikai, que busca chegar, ou atingir o satori, o despertar zen que repentinamente surge no caminho, se Basho, que foi, acima de tudo, um poeta errante, que encontrou na natureza e na estrada meios para  atingir a sabedoria, M�rio Alex fez, de certa forma, o caminho inverso. Ele fez da clausura sua mat�ria-prima para, se n�o chegar ao satori, lidar com situa��es limite.
 
O estilo de M�rio Alex, nascido em S�o Jo�o del-Rei, em 1966, chama a aten��o pela corre��o e contri��o. A corre��o de um escritor maduro, que utiliza os recursos dispon�veis a favor de um bom andamento do ato de escrever. E a contri��o, que deixa os poemas respirarem, livres, que revestem os poemas de brandura, sem preju�zo da forma e do conte�do.
 
 
 
Bons poemas s�o feitos de partes, de cacos, de fragmentos de tudo que a vida sugere ao poeta. Os poemas de M�rio Alex refletem bem essa condi��o, dispostos no livro num quebra-cabe�a coerente. O autor exerce, vale-se do benef�cio da d�vida e de um olhar mais que apurado, que inventa tramas entre coisas supostamente d�spares ou contradit�rias. Trata-se de uma po�tica feita de sins e n�os conjugados. Apesar do confinamento, passa longe dos poemas a sensa��o claustrof�bica. Saber olhar � um privil�gio. Saber estar, num processo de aceita��o. M�rio Alex enxerga, arquiteta e transforma o caos em arte.
 
O poeta, dessa forma, faz, como ele mesmo diz, “uma reflex�o sobre o espa�o” e percebe a import�ncia e a del�cia do sol que n�o podemos usufruir, mas que nos faz companhia nesse nosso verdadeiro momento de claustros. O inusitado torna-se mat�ria de poesia, um ovo, um banheiro, o mist�rio dos espelhos.
 
O detalhe, assim como nos melhores haikais, ganha dimens�es insuspeitas. Diga-se, os poemas de Casa n�o s�o haikais, que obedecem a estruturas espec�ficas inexistentes nos versos de M�rio Alex. Mas seus poemas trazem muito do esp�rito desse fazer po�tico, dessa postura do poeta frente � realidade. O autor se d� ao trabalho de, apenas, observar. Atrav�s de epigramas, ou simplesmente tercetos, ele se deixa deslumbrar com o andamento dos fatos, � medida que os dias iam passando, �s vezes lerdos, outras tantas vezes cru�is. “no espelho/a solid�o/� de dois”.
 
 
Mário Alex Rosa revela a origem da motivação para os versos reunidos em Casa: %u201CFoi uma urgência, precisava tentar dizer muito com poucas palavras%u201D
M�rio Alex Rosa revela a origem da motiva��o para os versos reunidos em Casa: %u201CFoi uma urg�ncia, precisava tentar dizer muito com poucas palavras%u201D
 
Revisitando amores e desamores, encontros e desencontros, encantos e desencantos, M�rio Alex busca olhar para dentro de si. Sem, contudo, n�o desprezar o outro. A sala, a cozinha, a �rea de servi�o, os quartos, o sombrio corredor, nesse contexto, ganham novas import�ncias e novas fun��es antes relegadas a um segundo plano. “no privado/se preza a liberdade/do sujo sair limpo”. A aparente singeleza dos pequenos versos guardam curvas e mist�rios, profundidades que pairam na leveza, para al�m da suposta superf�cie: “na sombra da noite/uma luz no fim/infinita vive”.
 
M�rio Alex, dessa forma, encontrou a s�ntese de um momento limite para tudo e para todos. “estendida no varal/a roupa espera/uma nova era”. A mensagem da poesia sempre foi simples, como sempre foram revestidas de simplicidade a tempestade, o rel�mpago e as �guas que tudo renovam e lavam





Dois poemas

ovo quebrado
na frigideira
um sol

*
quanto tempo
o tempo demora
na quarentena?



» Casa
» M�rio Alex Rosa
»  Impress�es de Minas Editora/Selo Leme
»  96 p�ginas
»  R$ 40



ENTREVISTA

M�rio Alex Rosa
poeta

“Nunca pensei 
tanto na perda 
como atualmente”

Como a situa��o-limite da quarentena interferiu na cria��o dos versos?
Antes de entrar em quarentena, acompanhava os notici�rios sobre a trag�dia
em alguns pa�ses da Europa. Aquilo tudo me comovia e acho que muitos de n�s sentimos como se estivesse tudo muito perto. Mas a pandemia logo chegou no Brasil. Assisti e continuo assistindo �s milhares de perdas. Abalado com tanta trag�dia, me perguntava quando tudo isso iria acabar. Com essas ang�stias di�rias e totalmente em quarentena que me perguntei: O que fazer? Foi com essa pergunta sem resposta que o livro surgiu. Nunca pensei tanto na perda como atualmente. Diante de tudo isso foi que comecei a olhar n�o s� para dentro de mim como um limite existencial, mas tamb�m para o espa�o e o ambiente no qual habitamos e por motivos diversos nem sempre observamos. A casa/apartamento, esse lugar t�o precioso e que �s vezes parece mais dormit�rio passou a ser agora o nosso principal abrigo. Nosso bunker. N�o pensei em livro como nos outros que publiquei. N�o havia projeto. Havia sobreviv�ncia.

E o seu processo de cria��o?
O que interferiu foi a urg�ncia, uma urg�ncia contra o medo. Talvez por isso os poemas surgiram t�o curtinhos. O f�lego era outro. Muitos nasceram prontos. N�o quis modific�-los. Quis correr o risco da rapidez e da ingenuidade.

Voc� optou pelo haikai, ou quase haikais, nessa sua nova publica��o, uma experi�ncia diferente da forma habitual com que exercita os seus poemas.  Qual a sua rela��o com esse g�nero po�tico?
Normalmente meus poemas s�o um pouco maiores. Como disse acima foi uma urg�ncia. Precisava tentar dizer muito com poucas palavras. Na verdade, n�o foi uma op��o essencialmente pelo haikai, mesmo porque n�o sigo as regras das medidas e dos temas mais comuns nessa bela arte criada pelos japoneses. A minha rela��o � de leitor interessado n�o apenas no poder de s�ntese do haikai, mas sobretudo como eles conseguem em poucas linhas trazer profundas reflex�es filos�ficas, existenciais e tudo com belas imagens para se pensar e imaginar. � preciso muitas caminhadas para chegar a esse poss�vel mundo absoluto da arte do haikai.

Existem pontos de converg�ncia entre os livros anteriores e sua nova publica��o?  Como voc� avaliaria sua trajet�ria po�tica?
N�o pensava que iria escrever um livro em t�o pouco tempo e ao mesmo tempo num tempo que parecia que era muito mais demorado que as 24 horas do dia. Muito menos pensava que iria public�-lo t�o logo. Mas acho que tudo tem a ver com a urg�ncia que tive, do medo que ainda tenho. Meus outros livros demoraram anos e se n�o fosse por interven��o de alguns amigos talvez nem tivessem sa�do. Existem alguns pontos de converg�ncia entre os meus pouqu�ssimos livros e este agora o tema do deslocamento de um eu/sujeito diante de um dos temas mais antigos da poesia: o tema amoroso.

Como voc� avalia o cen�rio liter�rio e cultural diante de tantos desafios, diante de uma situa��o pol�tica que tem dificultado toda e qualquer produ��o intelectual e art�stica?
O cen�rio n�o poderia estar pior, infelizmente. Al�m da pandemia, que por si j� � um trag�dia, temos no Brasil atual um governo federal, e at� mesmo em inst�ncias estaduais, completamente indiferentes a qualquer coisa que possa lembrar cultura e educa��o. O descaso � assombroso, covarde, autorit�rio e retr�gado em muitos setores. Mas a arte de um modo geral j� passou por momentos muito dif�ceis e sobreviveu e n�o vai ser agora que n�o sobreviver�. Vamos resistir.
 


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