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Estado de Minas

''O pa�s que saiu das urnas n�o � diferente do que entrou''


18/12/2020 04:00 - atualizado 17/12/2020 19:24

Jairo Nicolau(foto: Bertha Maakaroun/EM)
Jairo Nicolau (foto: Bertha Maakaroun/EM)

Dois anos depois de conquistar a Presid�ncia da Rep�blica em condi��es excepcionais, Jair Bolsonaro n�o apenas sai derrotado dessas elei��es municipais – e, nas derrotas, S�o Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Fortaleza se destacam –, mas tamb�m perderam com ele muitos daqueles parlamentares que ascenderam no arrast�o � direita de 2018.

 “Bolsonaro carreou em 2018 um movimento expresso em candidaturas do PSL e de outras legendas que se agarraram a ele, elegendo deputados estaduais, federais, senadores e governadores. � um campo pol�tico que foi muito mal nessas elei��es municipais. Foi uma derrota do presidente, do campo pol�tico do presidente e at� mesmo de ex-bolsonaristas que se afastaram depois, como Joice Hasselmann, em S�o Paulo”, considera Jairo Nicolau, cientista pol�tico, professor e pesquisador da Funda��o Getulio Vargas.

No livro O Brasil dobrou � direita (Zahar), Jairo Nicolau tra�a a radiografia do eleitorado de Jair Bolsonaro. 

Ao analisar as correla��es entre o voto e as vari�veis sociodemogr�ficas como g�nero, idade, escolaridade, religi�o e a geografia das prefer�ncias pol�ticas, o cientista aponta para este fen�meno que classifica de “urbano”, muito incidente nas “periferias das metr�poles”, portanto, o eleitorado pobre urbano, masculino e evang�lico, que aderiu em 2018 majoritariamente a Bolsonaro. A seguir, uma entrevista com o autor. 

''Vejo o fracasso da Alian�a pelo Brasil como resultado da dificuldade do presidente de compartilhar poder com outras figuras no PSL. Ent�o, acho que apesar de o Bolsonaro ser uma lideran�a e ter capacidade de comunica��o, ele n�o tem sido uma pessoa capaz de organizar algo org�nico estruturado: caracteriza-se mais como uma lideran�a carism�tica, solit�ria''

Jairo Nicolau, cientista pol�tico



Qual a sua avalia��o do desempenho pol�tico do presidente Jair Bolsonaro nas elei��es municipais de 2020?
H� um consenso entre cientistas e analistas que se tornou um clich� dessa elei��o: Bolsonaro saiu pessoalmente derrotado porque se envolveu em apoio a poucas candidaturas e os candidatos n�o foram bem. E, sobretudo, para al�m do Bolsonaro como figura pol�tica, os candidatos que subiram com ele naquele arrast�o de 2018 – deputados federais, senadores, deputados estaduais, lideran�as da sociedade civil –, a maioria deles foi derrotada agora. E a equa��o cl�ssica da pol�tica brasileira � que deputados federais, parlamentares em geral que t�m certo prest�gio, tentam conquistar prefeituras dois anos depois. A vota��o desse campo foi p�fia, um desastre, independentemente de alguns, como a Joice Hasselmann, terem rompido com Bolsonaro. Foi uma derrota do presidente, do campo do presidente e at� dos ex-bolsonaristas que se afastaram e n�o foram bem. E � importante essa separa��o entre o presidente e o campo pol�tico. O presidente n�o tem quase nada para dizer que possa comemorar nessa elei��o.

Como a reforma pol�tica e a proibi��o das coliga��es impactar�o as elei��es de 2022?
O Brasil que saiu das urnas nesta elei��o n�o � diferente do que entrou: segue um padr�o de elei��es municipais com pouca altera��o no quadro partid�rio. Mas h� uma quest�o t�cnica: a reforma pol�tica entrou em cena, os partidos sofreram muito nas pequenas cidades, j� se fala em acabar com a proibi��o das coliga��es. Essa foi a rea��o imediata, o que � bom, mostra que a medida passa a funcionar. Agora, 2022 j� � uma elei��o com proibi��o de coliga��o e cl�usula de barreira de 2%. A minha expectativa � de que, olhando para o resultado dessa elei��o, toda a elei��o de 2022 vai estar contaminada pelo processo, que deve come�ar nas pr�ximas semanas, de enxugamento do quadro partid�rio. Os partidos derrotados nessa elei��o tender�o a convergir para partidos maiores, ent�o vamos chegar a um processo expressivo de reformula��o do quadro partid�rio. At� 2022, vamos chegar em uma disputa com menos for�as pol�ticas relevantes e essas for�as v�o ser f�ceis de ser identificadas com o processo de fus�o, migra��o e compacta��o do sistema partid�rio. 

Quem elegeu o presidente Jair Bolsonaro em 2018?
� medida que comecei a explorar os bancos de dados das pesquisas de opini�o e a observar os resultados oficiais das elei��es publicados pela Justi�a Eleitoral, percebi que a vota��o de Bolsonaro teve similaridades com a vota��o do PSDB em disputas anteriores. Mas tamb�m descobri que em muitos aspectos os apoiadores de Bolsonaro se distinguiam em rela��o aos outros presidentes brasileiros. O bolsonarismo �, sobretudo, um fen�meno urbano. Nos munic�pios com maior popula��o e escolaridade, ele teve um percentual de votos muito superior aos que os candidatos do PSDB haviam conquistado nas elei��es anteriores. Em contraste, Haddad manteve o PT como o mais votado nas pequenas cidades, gra�as � grande vota��o conquistada no Nordeste. Ent�o, temos a expressiva vit�ria do candidato da direita nos centros urbanos, empurrando o PT para as pequenas cidades da regi�o mais pobre do pa�s. O voto em Bolsonaro em 2018 � predominantemente masculino. Entre as mulheres, principalmente aquelas que completaram o ensino m�dio, a diferen�a foi pequena em rela��o ao candidato do PT. Ele tamb�m foi um candidato, sobretudo, do evangelho: sete a cada 10 eleitores evang�licos votaram no Bolsonaro, o que representa a maior diferen�a que um candidato j� teve no segmento. Olhando para a escolaridade, a vit�ria de Bolsonaro se deu em todas as tr�s faixas de ensino – fundamental, m�dio e superior. Comparativamente ao desempenho de A�cio, em 2014, o candidato do PSL cresceu significativamente nos segmentos de ensino fundamental e m�dio. J� entre os eleitores de ensino superior, o patamar de votos de Bolsonaro � semelhante ao do PSDB em 2014. Bolsonaro recebeu um apoio expressivo dos eleitores menos escolarizados das regi�es Sudeste, Sul e Norte/Centro-Oeste, mas perdeu por larga margem no Nordeste. O mesmo aconteceu entre os eleitores de ensino m�dio, embora nesse segmento a vantagem de Haddad no Nordeste tenha sido menor. 

Como Bolsonaro conquistou uma faixa mais ampla de eleitores do que os que o elegeram para a C�mara dos Deputados?
Depois de ficarmos por meses dedicado a estudar desde a biografia at� os programas de televis�o e os dados da campanha, sobretudo quando olhamos para tr�s, o Bolsonaro dos cinco primeiros mandatos n�o compreende o Bolsonaro a partir de 2011. A partir da�, ele foi uma figura muito diferente. Os primeiros 20 anos ele passou como um deputado federal notado por seus arroubos histri�nicos, frases de efeito, mas, fora isso, as vota��es dele s�o sempre pr�ximas de 100 mil votos – n�o estava entre os mais votados do Rio. Mas, em 2011, Bolsonaro muda a sua estrat�gia e deixa de ser um deputado exclusivamente de extrema-direita – com temas restritos a elogios � ditadura e de cr�ticas exacerbadas � esquerda. Ele incorpora, como poucos, a pauta de costumes, os temas conservadores que sempre ficaram dilu�dos porque n�o havia um deputado que se destacasse com essa pauta. Bolsonaro se aproximou da bancada evang�lica e conservadora – o conservadorismo � uma banda, um campo da pol�tica brasileira no qual tamb�m se incluem cat�licos. E, a partir da�, passa a ter outros interlocutores, outra agenda e outros temas de di�logo com a sociedade. 

Politicamente, qual foi o prop�sito da convers�o evang�lica, o batismo no Rio Jord�o, em Israel, conduzido pelo pastor Everaldo, que inclusive agora est� preso? 
Foi mais um movimento de aproxima��o que Bolsonaro fez com o mundo crist�o. Fez parte desse movimento na dire��o do conservadorismo. E esse batismo no Rio Jord�o foi muito usado durante a campanha para demarcar essa aproxima��o. 

O senhor identifica na trajet�ria pol�tica do presidente Jair Bolsonaro alguma outra inflex�o em seu comportamento?
Outra inflex�o � o Bolsonaro a partir de 2015, quando ele come�a sua campanha presidencial circulando pelo Brasil e sendo recebido nas cidades, dando entrevistas para as r�dios e usando bem as redes sociais. Quando a campanha oficial de Bolsonaro come�ou, em agosto de 2018, ele j� n�o era mais aquele deputado de fundo de plen�rio, radical. Continuava sendo a pessoa de posi��es pol�ticas extremadas � direita, mas j� tinha feito a passagem, incorporado os temas da fam�lia, o conservadorismo do comportamento em sua agenda. E passou a ser o grande opositor do PT e do governo Dilma, em confronto inclusive com as pol�ticas p�blicas de v�rios tipos. Sobretudo, ele usou muito bem as redes sociais nesse per�odo que antecedeu as elei��es. Ent�o, quando come�a oficialmente a campanha presidencial no Brasil, ele j� liderava em todos os cen�rios sem o Lula. 

Em sua avalia��o, o fen�meno do bolsonarismo � de longa dura��o, veio para ficar? 
Bolsonaro tem uma caracter�stica que aprendemos acompanhando toda a trajet�ria dele, desde a fase 1 – como deputado da corpora��o militar – passando pela fase 2, do deputado conservador, e na fase 3, em pr�-campanha. Ele sempre foi uma pessoa muito sozinha. At� agregou apoiadores, jornalistas, blogueiros, animadores de canais de YouTube e lideran�as religiosas nos �ltimos tr�s anos antes da campanha presidencial. N�o � toa, levou muitas dessas figuras para o PSL, que ali concorreram para deputado e muitas se elegeram. Mas tem se mostrado no governo e em suas a��es pol�ticas uma pessoa solit�ria. Vejo o fracasso da Alian�a pelo Brasil como resultado de sua dificuldade de compartilhar poder com outras figuras no PSL. Ent�o, acho que apesar de o Bolsonaro ser uma lideran�a e ter capacidade de comunica��o, ele n�o tem sido uma pessoa capaz de organizar algo org�nico estruturado: caracteriza-se mais como uma lideran�a carism�tica, solit�ria. Muita gente compara o Bolsonaro com o integralismo, mas � interessante porque o Pl�nio Salgado era lideran�a que viajava pelo Brasil organizando sess�es do Partido Integralista, que chegou a ter mais de um milh�o de filiados. As pessoas andavam uniformizadas, faziam paradas. N�o era um movimento violento, era meio c�vico, pol�tico, mas Salgado tinha essa capacidade de ser um homem organizador da pol�tica. Bolsonaro n�o tem essa capacidade de organiza��o. N�o acredito que consiga traduzir o prest�gio dele em algo como um grande partido de ultradireita no Brasil, com milhares de filiados seguindo o l�der. Acho que n�o. 

Bolsonaro pode representar uma amea�a � democracia?
Pela biografia e pelos discursos, sempre ficamos com o p� atr�s em rela��o aos compromissos que o Bolsonaro tem com a ordem democr�tica. No segundo trimestre deste ano, vimos o rel�gio que mede a crise democr�tica se aproximar muito da meia-noite. Se tiv�ssemos esse rel�gio, como na Guerra Fria, para avaliar qu�o pr�ximo estar�amos de uma crise institucional, um abalo da ordem democr�tica, o segundo trimestre deste ano foi terr�vel: a crise com o Judici�rio, afrontas di�rias �s institui��es, aos jornalistas – n�o s� ao jornalismo, mas ataques individuais –, conflitos com o Congresso, com o Supremo Tribunal Federal, afrontando as decis�es de sa�de p�blica. Mas nesse terceiro trimestre houve a aproxima��o de Bolsonaro com o Centr�o. Se tivermos um partido de direita democr�tico, ou um l�der da direita democr�tica, n�o � um conservadorismo ingl�s nem uma primeira-ministra alem�, mas se ele for convertido ao jogo democr�tico – parar de falar que as urnas s�o fraudadas –, competir e participar da sucess�o dele aceitando a derrota caso ocorra, � um outro caminho: o de uma lideran�a conservadora num pa�s que tem a grande parte de seus cidad�os conservadores. Agora ele est� mostrando essa ambiguidade. Talvez seja a primeira vez na carreira dele que faz uma inflex�o claramente institucional, negociando politicamente, ouvindo as pessoas, visitando, recebendo lideran�as, negociando indica��o para o STF. Bolsonaro fez uma biografia de confronto, uma elei��o de confronto e um ano e meio de mandato de confronto. Ent�o, temos de observar para avaliar at� que ponto seria uma terceira fase do Bolsonaro como l�der conservador que faz o jogo democr�tico, isolando essa direita que ele j� chamou nas redes sociais de burra, histri�nica. Se ele seguir essa toada, muda tudo. Muda o jogo das elei��es de 2022. 

Que impacto trar� para as elei��es de 2022 essa aproxima��o de Bolsonaro com o Centr�o?
O Centr�o � integrado por parlamentares pragm�ticos, n�o s�o claramente ideol�gicos, e, como o pr�prio nome indica, est�o no centro. � um movimento do Bolsonaro, que sai do extremo. Se ele continuar operando assim at� o final do mandato, isso muda totalmente o jogo pol�tico. Uma coisa � disputar com um outsider – n�o importa se ele tinha mandato de 28 anos, ele conseguiu se vender como outsider e o eleitor o comprou assim. Agora no poder, com uma elei��o plebiscit�ria, negociando com segmentos mais tradicionais, � outro Bolsonaro. O que permanece � o conservadorismo, a posi��o extrema no quadro partid�rio e suas posi��es conservadoras no campo comportamental. Isso ele n�o vai mudar, porque isso � ele. 

A inclina��o do Brasil � direita vai se repetir nas urnas em 2022?
� cedo para falar sobre uma elei��o que vai depender de 2021. Dependendo da aprova��o dele, a oposi��o ter� de se sentar para conversar. N�o adianta se fragmentar de novo, talvez tenha de buscar um candidato �nico, pensar em alternativas de pol�ticos com alian�a entre a esquerda e parte do centro. Dependendo do desempenho do governo, a estrat�gia da oposi��o vai ter de ser de concentra��o de for�a. � uma elei��o plebiscit�ria, todos os presidentes que disputaram a elei��o no meio do mandato ganharam, porque t�m a vantagem de estar no poder. Bolsonaro est� em posi��o privilegiada. Derrot�-lo vai exigir conhecer os pontos fracos dele e tentar coaliz�o ampla para derrot�-lo. 

O Brasil dobrou � direita
• Jairo Nicolau
• Zahar Editora
• 265 p�ginas
• R$ 49,90
• E-book:R$ 39,90


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