O autor � o jornalista veterano Bob Woodward, dois pr�mios Pulitzer na carreira de meio s�culo na cobertura pol�tica presidencial, que investigou reportagens do naipe do caso Watergate, respons�vel por nocautear em 1974 o republicano Richard Nixon, e adaptado para o cinema (Todos os homens do presidente) com Robert Redford interpretando o jornalista. Depois de Medo, � o segundo livro-reportagem de Woodward sobre este governo, a partir de 17 entrevistas realizadas com o presidente entre dezembro de 2019 e julho de 2020, per�odo em que tamb�m apurou as narrativas de Trump em “centenas de horas” de conversas off the records com testemunhas participantes dos eventos, em documentos e di�rios.
O t�tulo Raiva sintetiza a personalidade de Donald Trump. Deriva de uma entrevista a Woodward e Robert Costa, em 31 mar�o de 2016, no contexto das pr�vias para a indica��o do candidato do Partido Republicano � Presid�ncia da Rep�blica. Woodward observou ao ent�o pr�-candidato Trump a presen�a de muita ang�stia e raiva entre republicanos. Ouviu como resposta, reiterada em 22 de junho de 2020: “Eu provoco raiva. Eu realmente provoco raiva. Sempre fiz isso. N�o sei se � uma vantagem ou desvantagem, mas, seja o que for, � o que fa�o”.
Mentiras letais
Descrito como um narcisista, que gosta de se gabar de sua “genialidade e riqueza”, desprovido de empatia e incapaz de distinguir a verdade da mentira, Trump disse a Woodward, em 7 de fevereiro de 2020, ao discorrer sobre aquela que fora a sua mais recente conversa com Xi Jinping, na qual a emerg�ncia do novo coronav�rus ocupara o centro da pauta: “Mas sabe, � uma situa��o muito complicada (...) Passa pelo ar (...) Isso � sempre mais dif�cil do que o toque. Voc� n�o precisa tocar nas coisas. Certo? Mas o ar, voc� simplesmente respira o ar e � assim que ele passa. Ent�o, � muito complicado. � muito delicado. Tamb�m � mais mortal do que uma gripe intensa”.
Na entrevista seguinte, realizada em 19 de mar�o, o presidente reiterou a inten��o de mentir para o pa�s e o mundo, salientando que as suas declara��es nas primeiras semanas do v�rus foram deliberadamente planejadas de forma a n�o chamar a aten��o para o assunto. “Eu sempre quis minimizar isso”, disse ao jornalista. “Ainda gosto de minimizar, porque n�o quero criar p�nico”, acrescentou. Portanto, igualmente, Woodward sabia que Trump tinha conhecimento da letalidade da doen- �a, embora a tenha sistematicamente negado.
J� em 28 de janeiro de 2020, durante a reuni�o do President’s Daily Brief, Donald Trump foi advertido por Robert O’Brien, assessor de seguran�a nacional, da gravidade da crise sanit�ria por vir: “Essa ser� a maior amea�a � seguran�a nacional que o senhor vai enfrentar na sua presid�ncia”. Com O’Brien concorda Matt Pottinger, vice-assessor de seguran�a nacional, que fora correspondente do Wall Street Journal na China, e fizera a cobertura em 2003 do surto fatal da s�ndrome respirat�ria aguda grave (Sars). Pottinger, que tamb�m participava da reuni�o, passara os �ltimos dias consultando especialistas chineses sobre a emerg�ncia do novo coronav�rus em Wuhan, e ouvira deles: “N�o pense na Sars de 2003. Pense na pandemia de gripe de 1918”.
A chamada gripe espanhola – que tem a Espanha no nome, embora tenha surgido num acampamento militar no estado americano do Kansas –, matou cerca de 50 milh�es de pessoas mundo afora, entre as quais 675 mil norte-americanos. Menos de um ano depois daquele briefing presidencial, os Estados Unidos j� registram mais de 357 mil mortes, segundo aponta o painel de controle da Universidade de Johns Hopkins. Uma realidade completamente diferente daquela propagada por Donald Trump, que embora soubesse da letalidade do v�rus optou por mentir � popula��o.
N�o uma, duas ou tr�s vezes. Em seu linguajar compulsivo e chulo, exp�s os Estados Unidos e o mundo ao premeditado festival do negacionismo � doen�a, uma escalada n�o interrompida, iniciada com as primeiras declara��es sobre o novo coronav�rus, em entrevistas coletivas, quando anunciou: “praticamente fechamos tudo vindo da China” (2 de fevereiro); “Um dia desaparecer�, como por milagre” (27 de fevereiro); e “Nada fecha por causa da gripe” (9 de mar�o).
N�o uma, duas ou tr�s vezes. Em seu linguajar compulsivo e chulo, exp�s os Estados Unidos e o mundo ao premeditado festival do negacionismo � doen�a, uma escalada n�o interrompida, iniciada com as primeiras declara��es sobre o novo coronav�rus, em entrevistas coletivas, quando anunciou: “praticamente fechamos tudo vindo da China” (2 de fevereiro); “Um dia desaparecer�, como por milagre” (27 de fevereiro); e “Nada fecha por causa da gripe” (9 de mar�o).
Em seu relato sobre o governo Trump, Woodward descreve como o presidente n�o assume responsabilidades e menospreza aqueles que em algum momento cruzaram o seu caminho. Woodward exibe o retrato cr�tico de Trump desenhado por alguns de seus principais assessores. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doen�as Infecciosas, em coment�rio particular, considera a capacidade de concentra��o do presidente “como um n�mero negativo”. Woodward tamb�m revela que o ex-diretor nacional de intelig�ncia Dan Coats – que foi senador republicano do estado de Indiana – chegou a considerar a possibi- lidade de que Trump estivesse “no bolso” de Vladimir Putin, suspeitando “do pior”.
Em avalia��o sobre Trump confidenciada ao secret�rio de Defesa, general reformado James Mattis, do Corpo de Fuzileiros Navais, Coats disse que este “n�o sabe a diferen�a entre a verdade e a mentira”. Por seu turno, Mattis via Trump como “perigoso” e “impr�prio” para o cargo. Renunciou ao Minist�rio da Defesa quando considerou que as diretivas de Trump haviam mudado de “est�pidas” para “crimes est�pidos”. Era a Mattis que Trump se referiu quando, em certa reuni�o pautada pelas tarifas do a�o, Trump soltou um de seus costumeiros improp�rios: “Sem mencionar que meus malditos generais s�o um bando de maricas. Eles se preocupam mais com suas alian�as do que com acordos comerciais”.
Em avalia��o sobre Trump confidenciada ao secret�rio de Defesa, general reformado James Mattis, do Corpo de Fuzileiros Navais, Coats disse que este “n�o sabe a diferen�a entre a verdade e a mentira”. Por seu turno, Mattis via Trump como “perigoso” e “impr�prio” para o cargo. Renunciou ao Minist�rio da Defesa quando considerou que as diretivas de Trump haviam mudado de “est�pidas” para “crimes est�pidos”. Era a Mattis que Trump se referiu quando, em certa reuni�o pautada pelas tarifas do a�o, Trump soltou um de seus costumeiros improp�rios: “Sem mencionar que meus malditos generais s�o um bando de maricas. Eles se preocupam mais com suas alian�as do que com acordos comerciais”.
Ap�s ter acesso a 25 cartas in�ditas trocadas entre Trump e o norte-coreano Kim Jong-un, Woodward oferece alguns detalhes sobre o relacionamento entre ambos. Trump explica a sua conex�o instant�nea com Kim, valendo-se de analogia mis�gina: “Voc� conhece uma mulher. Em um segundo, voc� sabe se isso vai acontecer ou n�o”.
Em seu cap�tulo final, Woodward, confessando-se exausto pela apura��o do livro, desabafa: “O pa�s estava enfrentando um verdadeiro turbilh�o. O v�rus estava fora de controle. A economia em crise, com mais de 40 milh�es de desempregados. Um poderoso ajuste de contas sobre racismo e desigualdade tinha sido iniciado. N�o parecia existir um fim � vista, e certamente nenhum caminho claro para chegar l�”. Woodward prossegue classificando a presen�a de Trump como “opressora”, que adora um “espet�culo”, al�m de paradoxal, � medida em que � capaz de ser amig�vel, ao mesmo tempo em que feroz.
Assinalando que em momento de crise o operacional � mais importante do que o pol�tico e o pessoal, Woodward cr� que para dezenas de milh�es de pessoas a otimista hist�ria americana se tornou “um pesadelo”. E esse jornalista, que j� escreveu sobre nove presidentes, vaticina: “Quando seu desempenho como presidente � analisado como um todo, s� posso chegar a uma conclus�o: Trump � o homem errado para o cargo.”
Assinalando que em momento de crise o operacional � mais importante do que o pol�tico e o pessoal, Woodward cr� que para dezenas de milh�es de pessoas a otimista hist�ria americana se tornou “um pesadelo”. E esse jornalista, que j� escreveu sobre nove presidentes, vaticina: “Quando seu desempenho como presidente � analisado como um todo, s� posso chegar a uma conclus�o: Trump � o homem errado para o cargo.”
Raiva
Bob Woodward
Tradu��o de Pedro Maia, Jos� Geraldo Couto, Bernardo Ajzenberg e Rosiane Correia de Freitas.
Todavia Editora
416 p�ginas
R$ 94,90(E-book: R$ 39,90).