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Estado de Minas PENSAR

Um ano decisivo: antologias re�nem produ��o liter�ria de autoras negras

Publica��o de cinco volumes em 2021 de escritoras e poetas � um fato t�o relevante como revelador


13/05/2022 04:00 - atualizado 13/05/2022 14:15

escritoras negras
Temos um expressivo n�mero de mulheres, vindas dos mais diferentes pontos do pa�s, adentrando pela literatura brasileira
 
H� um mapa ancestral na minha cabe�a
com avenidas, ruas, trilhas, becos e vielas
Estradas sem-fins com mil andan�as
das pretas velhas que vieram antes
das pretas novas
que acabaram de passar
dos esp�ritos inquietos que n�o descansam
H� tempos
todos os dias,
as ancestrais
Est�o a me guiar.  (Elizandra Souza)

N�o h� exagero no t�tulo desta resenha. Vejam: apenas em 2021, foram publicadas precisamente cinco antologias contendo a produ��o liter�ria de escritoras negras! Um fato t�o relevante como revelador. E neste total n�o est� computado o n�mero 43 da publica��o coletiva Cadernos Negros, com edi��o anual ininterrupta desde 1978, no qual a autoria feminina abrange aproximadamente dois ter�os das quase quinhentas p�ginas do livro. Somadas as autoras a� presentes, temos um expressivo n�mero de mulheres, vindas dos mais diferentes pontos do pa�s, adentrando pela literatura brasileira! O Portal Literafro � testemunha deste feito, pois tem registrado cada uma das publica��es.

A primeira foi “Carolinas: A nova gera��o de escritoras negras brasileiras”, organizada por J�lio Ludemir, surgida a partir de dois grandes impulsos: a provoca��o inerente � obra de Carolina Maria de Jesus, e o incentivo da Festa Liter�ria das Periferias – a conhecida Flup. S� essa antologia trouxe a p�blico nada menos que 180 escritoras, que deixaram grafadas as suas vozes em poemas, cr�nicas e contos, ou em di�rios e relatos autobiogr�ficos. A editora respons�vel foi a Bazar do Tempo de S�o Paulo.

Quase simultaneamente surgiu o primeiro volume de “Quilombellas amefricanas”, organizada por Ana Rita Santiago, Cl�udia Santos e Mel Ad�n, que amplia o leque liter�rio feminino acolhendo poetas para al�m das fronteiras nacionais, com o gesto comum de aquilombar atrav�s da palavra. Sua editora foi a Ogum’s Toques, de Salvador.

S� que um volume n�o foi suficiente para conter a explos�o po�tica feminina, tantos eram os talentos que mereciam ser mostrados. Da� as mesmas organizadoras – Ana Rita Santiago, Cl�udia Santos e Mel Ad�n – decidiram trazer a p�blico o volume 2, tamb�m marcado pela diversidade de vozes e a for�a renovadora da literatura.

A quarta antologia surgida em 2021 foi “Poetas negras brasileiras”, que a escritora e cordelista cearense Jarid Arraes organizou e publicou pela Editora de Cultura de S�o Paulo. Est�o a� mais de 70 autoras, ou seja, outra avalanche de nomes surgidos de diferentes regi�es e tamb�m de origens e idades diversas. Ao lado de nomes j� conhecidos e respeitados no cen�rio das nossas letras est�o as poetas e escritoras que chegam para somar e ampliar a literatura contempor�nea.

Por fim, eis que surge a quinta antologia do ano: “Literatura negra feminina: Poemas de sobre(viv�ncia)”, organizada por Elizandra Souza e Iara Aparecida, que cont�m ainda verdadeiro roteiro pedag�gico sobre os caminhos que levam da leitura � escri- tura. A editora respons�vel � a Mjiba, de S�o Paulo, que d� um show na diagrama��o e oferece um trabalho gr�fico com p�ginas bem coloridas lindamente ilustradas com flores, figuras e fotos, que d� gosto ler e folhear.

A antologia traz, al�m de informa��es bibliogr�ficass e poemas das escritoras a� presentes, uma in�dita e necess�ria cronologia da produ��o liter�ria de autoras negras brasileiras, desde o ano de 1859, inaugurado por Maria Firmina dos Reis, at� as jovens que publicaram em 2020. Considero esta linha do tempo, fruto de intensa pesquisa das organizadoras, verdadeiro presente para leitoras e leitores.

O livro est� organizado em cinco cap�tulos. O primeiro traz o texto “Mem�rias diasp�ricas: Viv�ncias e ancestralidades de escritoras negras”, assinado por Elizandra Souza e Iara Aparecida, que reitera a proposta do Coletivo Mjiba de recolher e dar visibilidade � produ��o liter�ria de mulheres negras, e continuar a luta iniciada por grupos anteriores. O esp�rito do Sankofa ecoa nesse projeto: “Nunca � tarde para voltar e apanhar o que ficou para tr�s”.

No segundo cap�tulo, est�o as trinta escritoras que se autoapresentam de forma espont�nea e coloquial, seguidas de alguns poemas ou prosas po�ticas. Os temas variam, mas h� uma tend�ncia em denunciar o racismo, o machismo, bem como em proclamar a consci�ncia de mulher negra disposta a superar o que mais vier pela frente. Alguns exemplos:

Estive me procurando esses dias

Eu que j� fui calmaria, e tantas vezes o grito que ningu�m ouvia,

Mergulhei em mim mesma e fui minha pr�pria companhia.

Lembrei das muitas que j� fui, imaginei as muitas que ainda serei.

[...]  (“Tempestade e calmaria”, Ana Beatriz, p. 49)

Pular muro � pouco, agora � tempo de empurrar paredes inteiras sem pedir licen�a. O tempo n�o tem sido manso com os corpos negros, por que haveria de serem mansos os sobreviventes? Quando se rasgam os corpos rasgam-se tamb�m os mundos, mulheres negras sabem muito bem o que � isso, pois carregam consigo todos os mundos que desconstru�ram para que os corpos dos filhos se mantenham vivos. [...]
(“Aquilombar nunca foi verbo manso”, Gra�a Marques, p. 87)

Na beira do abismo
Mergulhei profundo
Dentro de mim
E lentamente me banho
Do meu pr�prio amor
De volta � superf�cie
Seco meu corpo-morada
Ao sol da cozinha
Lugar agora reiventado.
[...]
(“Corpo morada”, Mafalda Pequenino, p. 118)

Eu, mulher negra, resisto.
Resisto ao seu racismo descarado ou velado na sua falsa bondade.
Resisto ao padr�o med�ocre imposto e alimentado por voc�.
Resisto � sua coloniza��o todas as vezes que cubro meu ori e reverencio com meu oj� todas aquelas que guerrearam antes de mim.
Eu, mulher negra, resisto e n�o me calo.
[...]
(“Eu, mulher negra, resisto”, Maza Dia Mpungo, p. 129)

A partir do terceiro cap�tulo tem in�cio uma s�rie de “dicas” que considero preciosas, pois visam orientar e incentivar as futuras escritoras. Os conselhos, apresentados de forma direta e did�tica, revelam a experi�ncia e a autoridade de quem os escreve.
Cito alguns:

Leia escritoras negras que vieram antes;
Referencie escritoras negras; tenha em m�os pelo menos 10 escritoras do g�nero que deseja escrever;

Acompanhe o trabalho das contempor�neas de escrita;
N�o fa�a outras mulheres pretas de degrau, os brancos fazem isso muito bem;
Acredite na sua literatura a ponto de investir financeiramente e se autopublicar, se necess�rio. (p.160)

“� imposs�vel ser escritora sem antes ser leitora”

H�, ainda, sugest�es de autoras brasileiras, afro-americanas e africanas que devem ser conhecidas, at� porque – s�o as organizadoras que afirmam: “� imposs�vel ser escritora sem antes ser leitora”.

No cap�tulo quatro, Iara Aparecida reflete sobre a import�ncia da “Literatura negra infantil” para a forma��o de novos leitores e de esp�rito cr�tico. E no quinto, temos a apresenta��o das respons�veis pelo excelente trabalho gr�fico – Dayse Oliveira e Silvana Martins –, a divulga��o de outros t�tulos da Editora Mjiba e uma p�gina dispon�vel para a leitora escrever uma minibiografia, um poema ou conto, e assim fazer parte tamb�m da antologia.

Voltando � linha do tempo que integra o livro, ela se justifica plenamente no projeto abra�ado pelo Coletivo Mjiba, que, desde o come�o, trabalha para incentivar o surgimento de novas escritoras, e contribuir para o estabelecimento de uma hist�ria liter�ria de autoria negra feminina no Brasil. Mjiba, � bom lembrar, significa “jovem mulher revolucion�ria” na l�ngua chona, do Zimb�bue, e assim eram chamadas as guerrilheiras que lutaram pela independ�ncia de seu pa�s.

Elizandra Souza e Iara Aparecida – duas empres�rias e ativistas conhecidas – s�o tamb�m mulheres mjibas, pois lutam para dar voz e protagonismo a outras mulheres negras. Ainda em 2021, Elizandra Souza celebrou os vinte anos de carreira atrav�s de um livro bil�ngue (portugu�s/ingl�s) que conta a pr�pria trajet�ria, e tem um t�tulo provocador: “Quem pode acalmar esse redemoinho de ser mulher preta?”.

Enfim, 2021 definitivamente entrou para a hist�ria da literatura negra brasileira, assim como as editoras que a incentivam.


Refer�ncia: SOUZA, Elizandra B., MORAES, Iara A. (org.). “Literatura negra feminina: Poemas de sobre(viv�ncia)”, S�o Paulo: Mjiba, 2021.

* Const�ncia Lima Duarte � professora do P�sLit UFMG, autora, entre outros, do 
"Dicion�rio de escritores mineiros" e de "Imprensa feminina e feminista no Brasil 
vol. 1, s�c. XIX"


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