Uma narrativa em que sapos e princesas se confundem, crian�as gargalham em pleno terremoto e uma professora de literatura sequestra sua aluna. Ao longo das p�ginas de “Mand�bula”, M�nica Ojeda prova em cada palavra por que � considerada uma das melhoras escritoras de fic��o latino-americana. Classificado por vezes como g�tico andino, o livro n�o adere inteiramente a nenhum g�nero – ainda que traga elementos de terror, em muito extrapola os limites de uma categoria fechada. O desejo no feminino e a monstruosidade se conectam e desse elo Ojeda cria um romance perturbador.
O come�o se apresenta como thriller psicol�gico, com o rapto da estudante Fernanda por Miss Clara, jovem professora obcecada pela figura da m�e morta. No desenrolar da trama, em idas e vindas no tempo, acompanhamos a hist�ria de seis adolescentes, alunas do Col�gio Bil�ngue Delta, escola de elite em Guayaquil de doutrina cat�lica ultraconservadora. Ali o ensino � o trampolim para transformar meninas em boas m�es e dedicadas esposas. Ledo engano.
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Ferozes em sua natureza contradit�ria, oscilando entre fragilidade e poder, ternura e pervers�o, as jovens rejeitam os modelos fornecidos por genitoras e mestras, recusando a repeti��o de padr�es e conven��es sociais. Hipocrisia e moralismo abundam na fam�lia, na escola e na sociedade. Entre bichos de pel�cia e ador�veis p�neis, as garotas s�o o oposto da inoc�ncia e cultivam a brutalidade: nas horas vagas, se divertem em sess�es sadomasoquistas e rituais macabros criados por Annelise, l�der do grupo. Ao mesmo tempo em que vive uma rela��o simbi�tica com Fernanda, ela se dedica a contar hist�rias sinistras �s amigas, cujo imagin�rio transita entre a literatura, os filmes de terror e as creepypastas que circulam na internet.
Sim, elas s�o garotas malvadas, fruto enfermo de ambientes adoecidos, em que preponderam as rela��es entre m�es e filhas, lugar de medos primitivos e afetos tortos. Isso surge replicado no v�nculo com as professoras, substitutas desse la�o feminino. Nesse territ�rio, algu�m sempre quer ensinar, outro algu�m est� pouco disposto a aprender. Elas querem desnascer. Talvez por isso poucos homens circulem na trama. O palco � das meninas, m�es, mestras, amigas, colegas.
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A mand�bula do t�tulo � palavra poliss�mica, convocando uma paisagem �ntima em que se mastigam pessoas, trituram-se palavras, se canibaliza a pr�pria figura materna. A linguagem, lugar de conflito, surge tanto na conversa infind�vel de Fernanda com o psicanalista, quanto na terr�vel carta em que Annelise se confessa � professora. Nesses espa�os � poss�vel manipular, mentir, trair. Elipses e sugest�es se multiplicam, dando espa�o � imagina��o de cada um. Por esse motivo a experi�ncia de leitura aterroriza tamb�m, pela engenhosidade com que as muitas vozes narrativas se alternam na constru��o de imagens do medo. Sangue e palavra se irmanam, e ent�o Ojeda tamb�m nos devora.

“Mand�bula”
• M�nica Ojeda
• Tradu��o de Silvia Massimini Felix
• Aut�ntica Contempor�nea
• 302 p�ginas
• R$ 48,90
* Stefania Chiarelli � professora e pesquisadora de literatura brasileira na Universidade Federal Fluminense (UFF)