
Jorge Luis Borges, leitor fervoroso do “Livro das Mil e uma Noites” e de outras narrativas de l�nguas �rabe, persa e hebraica, soube valorizar em seus ensaios e fic��es o que Goethe, em 1827, chamou “Literatura do mundo”. O grande escritor alem�o considerava a poesia um bem comum � humanidade e sempre mostrou interesse pelas culturas da �ndia, do Extremo-Oriente e do Oriente-M�dio. Leu e divulgou o “Cor�o” e a poesia cl�ssica �rabe e persa. Esses textos foram decisivos para a escrita do livro “O div� Ocidental-Oriental”, um dos momentos mais luminosos da trajet�ria po�tica de Goethe.
Por v�rias raz�es – analisadas no ensaio “Cultura e imperialismo”, de Edward Said – as literaturas do Oriente M�dio, da �frica e da �sia permaneceram muito tempo � margem do Ocidente. No entanto, desde a segunda metade do s�culo 20, o interesse pela literatura daquelas regi�es tem aumentado nos Estados Unidos, na Europa e na Am�rica Latina. Nesse sentido, livros cl�ssicos e contempor�neos t�m sido traduzidos ou ganharam novas tradu��es em dezenas de l�nguas, atraindo um novo p�blico leitor e uma boa recep��o cr�tica.
Leia: Palestinos e libaneses em defesa do direito � exist�ncia
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A novidade da Tabla � o fato de ser uma editora focada basicamente na literatura do Oriente M�dio e do Norte da �frica. Trata-se de um projeto editorial bem elaborado e amadurecido, que lan�a um olhar para a diversidade de uma literatura at� ent�o pouco conhecida no Brasil. As tradu��es, a apresenta��o, o projeto gr�fico e a qualidade liter�ria e editorial dos livros selecionados pela Tabla s�o not�veis. Um dos pontos altos da editora carioca � a obra do palestino Mahmud Darwich, um dos maiores poetas contempor�neos. Entre outros livros de fic��o e poesia, destaco dois romances turcos: “Uma mulher estranha”, de Leyl� Erbil, e “Istambul, Istambul”, de Burhan S�nmez, e ainda os romances da libanesa Hoda Barakat: “O arador das �guas” e “Correio noturno”.
Talvez alguns leitores busquem tra�os de exotismo nesses livros, como ocorreu (e ainda ocorre) com o realismo m�gico de certas fic��es latino-americanas. Mas o essencial nessas obras � a complexidade das rela��es humanas: os dramas e trag�dias de personagens num determinado contexto hist�rico. H�, por certo, a magia da escrita, a sedu��o da linguagem de cada escritor(a). Essa magia vem tamb�m dos tradutores, que nos permitem ler com prazer e vivo interesse os livros da Tabla.
* Milton Hatoum � autor de livros como “Relato de um certo oriente” e “Dois irm�os”
Entrevista

“Nosso prop�sito � ressoar as culturas do Oriente M�dio, Turquia e Norte da �frica, de forma aut�ntica, sem estere�tipos”
Como surgiu a Tabla?
O selo foi fundado em 2016, mas, a partir da�, foi se transformando num projeto. As primeiras publica��es do �rabe aconteceram em 2020. Tabla, em �rabe, significa “Tambor”. Nosso prop�sito � ressoar as culturas do Oriente M�dio, Turquia e Norte da �frica, de forma aut�ntica, sem estere�tipos, por meio da literatura. � um projeto coletivo, em permanente constru��o. Quer�amos traduzir das l�nguas origin�rias.
Temos um grupo de tradutores muito qualificado e estamos tamb�m com autores brasileiros que trabalham com as culturas do Oriente M�dio, pois acho que h� uma defasagem enorme na tradu��o dessa literatura para o portugu�s. O tradutor � parte desse projeto, que foi amadurecido por mais de dez anos. Al�m do �rabe e do turco, tamb�m vamos lan�ar o persa Hafez de Shiraz (nascido entre 1310 e1337), pois agora estamos com um tradutor de poesia do persa, Nicolas Thiele Voss, a come�ar pela poesia.
Temos um grupo de tradutores muito qualificado e estamos tamb�m com autores brasileiros que trabalham com as culturas do Oriente M�dio, pois acho que h� uma defasagem enorme na tradu��o dessa literatura para o portugu�s. O tradutor � parte desse projeto, que foi amadurecido por mais de dez anos. Al�m do �rabe e do turco, tamb�m vamos lan�ar o persa Hafez de Shiraz (nascido entre 1310 e1337), pois agora estamos com um tradutor de poesia do persa, Nicolas Thiele Voss, a come�ar pela poesia.
O Brasil tem a maior comunidade libanesa e s�ria do mundo, que chegou sobretudo ao final do s�culo 19 e, mais recentemente, tamb�m em decorr�ncia da Guerra da S�ria. Como essa comunidade est� recebendo a proposta da Tabla?
Geralmente quando fazem as estimativas no Brasil, mencionam haver 14 milh�es de �rabes, no conjunto entre crist�os, mu�ulmanos e drusos. As primeiras ondas migrat�rias tiveram o apagamento da l�ngua. As primeiras migra��es, a quest�o da ascend�ncia, talvez pelo apagamento da l�ngua, essa identidade talvez tenha ficado como algo muito remoto. J� a gastronomia, a comida libanesa, esta sim, segue ao longo do tempo como uma express�o cultural e de identidade fortes.
Mas j� as �ltimas ondas de migra��o, talvez por ser mais predominantemente mu�ulmana, talvez por causa do “Alcor�o”, conservam mais a l�ngua. Mas o que estamos vendo � uma resposta muito bacana, as gera��es de fam�lias migrantes est�o despertando para essas ra�zes, saindo muito dessa narrativa mainstream das quest�es que afetam o Oriente M�dio. A literatura abre uma porta, ela pode ampliar o interesse por esta regi�o, por seus problemas, sua hist�ria e pela cultura.
Mas j� as �ltimas ondas de migra��o, talvez por ser mais predominantemente mu�ulmana, talvez por causa do “Alcor�o”, conservam mais a l�ngua. Mas o que estamos vendo � uma resposta muito bacana, as gera��es de fam�lias migrantes est�o despertando para essas ra�zes, saindo muito dessa narrativa mainstream das quest�es que afetam o Oriente M�dio. A literatura abre uma porta, ela pode ampliar o interesse por esta regi�o, por seus problemas, sua hist�ria e pela cultura.
Como est� a procura pelos livros da Tabla?
Temos a resposta dos descendentes muito positiva, do mundo acad�mico – departamentos de Hist�ria, de Rela��es Internacionais, em que h� um debate bastante intenso sobre as quest�es atuais – interessados em se aprofundar e conhecer a literatura desses pa�ses. Achei muito instigante esse desejo de articular esse debate com a literatura. E temos um canal no Youtube em que promovemos esse di�logo, pois o livro, a literatura, s�o um ve�culo para abordarmos v�rias quest�es.
Temos parcerias com professores de hist�ria do mundo �rabe e queremos abrir mais, tamb�m geograficamente, publicamos, por exemplo, Yassin Adnan, de Safi, Marrocos, que cresceu em Marraquexe, onde vive at� hoje. Pensando em n�meros, as nossas tiragens s�o pequenas, para o mercado mil, dois mil exemplares. Mas estamos tendo uma resposta grande de clubes de leitura, as vendas s�o muito importantes em feiras. Fazemos muito malabarismos, disputamos editais governamentais, vendemos, mas � uma luta constante.
Temos parcerias com professores de hist�ria do mundo �rabe e queremos abrir mais, tamb�m geograficamente, publicamos, por exemplo, Yassin Adnan, de Safi, Marrocos, que cresceu em Marraquexe, onde vive at� hoje. Pensando em n�meros, as nossas tiragens s�o pequenas, para o mercado mil, dois mil exemplares. Mas estamos tendo uma resposta grande de clubes de leitura, as vendas s�o muito importantes em feiras. Fazemos muito malabarismos, disputamos editais governamentais, vendemos, mas � uma luta constante.