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Estado de Minas PENSAR

Reeditado, 'Nada de novo no front' mostra idealismo destro�ado pela guerra

Mais importante romance pacifista da literatura mundia ganha nova vers�o brasileira ap�s a nova adapta��o para o cinema


07/04/2023 04:00 - atualizado 07/04/2023 00:48

Produção alemã 'Nada de novo no front', inspirada no livro homônimo e protagonizada por Felix Kammerer (D)
A produ��o alem� "Nada de novo no front", inspirada no livro hom�nimo e protagonizada por Felix Kammerer (D), impressiona pelo realismo e pelo massacre de jovens ing�nuos. Mas n�o cont�m as inquietantes reflex�es do livro de Remarque sobre a estupidez da guerra (foto: DIVUGA��O)


"Sou jovem, tenho vinte anos, mas da vida conhe�o apenas o desespero, o nada, a morte e a mais insana superficialidade que se estende sobre um abismo de sofrimento. Vejo como os povos s�o insuflados uns contra os outros e como se matam em sil�ncio, ignorantes, tolos, submissos e inocentes. Vejo que os c�rebros mais inteligentes do mundo inventam armas e palavras para que tudo isso se fa�a com mais requinte e dura��o. E, como eu, todos os homens de minha idade, tanto deste quanto do outro lado, no mundo todo, veem isto; toda a minha gera��o sofre comigo. Que fariam nossos pais se um dia n�s nos levant�ssemos e nos apresent�ssemos a eles para exigir que nos prestassem contas? Que esperam de n�s, se algum dia a guerra terminar? Durante todos estes anos, nossa �nica preocupa��o foi matar. Nossa primeira profiss�o na vida. Nosso conhecimento da vida limita-se � morte. Que se pode fazer depois disso? Que ser� de n�s?”

A nova adapta��o para o cinema do livro “Nada de novo no front” (“Im westen nichts neues”), do alem�o Erich Maria Remarque (1898-1970) – vencedor de quatro categorias no Oscar 2023 (filme internacional, dire��o de arte, trilha sonora e fotografia) –, trouxe de volta aos leitores brasileiros o romance mais pacifista da literatura mundial pela editora L&PM. Como destacado no trecho acima, a obra de Remarque retrata o sofrimento de milh�es de jovens que perderam a vida na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ou sa�ram dela com sequelas irrevers�veis.

Lan�ado h� quase um s�culo, em 1929, o livro � uma semibiografia de Remarque, que foi para a guerra como milhares de outros jovens de sua gera��o, como uma aventura, insuflado pelo idealismo e pelo patriotismo romantizado de pais, professores e militares, mas descobriu nos campos de batalha os horrores de corpos despeda�ados entre tiros, baionetas, bombas, tanques, lan�a-chamas, g�s letal e granadas, num conflito em que era apenas massa de manobra de quem estava longe do front. O protagonista � o jovem Paul Baumer – alter ego de Remarque – que vibra ao partir para a guerra e depois percebe, ao ver amigos e outros soldados morreram, o quanto estava iludido. O escritor nasceu como Erich Paul Remark, o que explica o nome do protagonista do seu principal livro. Mais tarde, trocou Paul por Maria, em homenagem � m�e, a quem adorava e o “que” de Remarque por “k”.

“Nada de novo no front” � uma obra-prima por v�rias raz�es. Al�m de bem escrito e com narrativa �gil, repleto de di�logos contundentes e personagens demasiadamente humanos, � narrada na primeira pessoa pelo pr�prio Paul. Faz contraponto ao imperialismo, que v� honra e m�rito na guerra desde tempos imemoriais. Remarque quebra esse paradigma ao abrir caminho para o movimento pacifista que ganhou for�a ap�s a “Grande Guerra”, como foi chamada a Primeira Guerra Mundial, at� ent�o o conflito que envolveu o maior n�mero de pa�ses da hist�ria, mergulhou a Europa numa carnificina de quatro anos e deixou ao menos 17 milh�es de mortos.

Em nenhum momento de “Nada de novo no front” – e a� est� o maior m�rito da obra – Remarque conta a hist�ria da guerra ou quem a iniciou. Muito menos trata de ideologias, totalit�rias ou n�o. Nada disso importa. Quem n�o conhece a hist�ria da Primeira Guerra n�o � na obra de Remarque que vai conhec�-la, porque � irrelevante no contexto. O que importa � o drama humano, a estupidez de batalhas sangrentas. Na vis�o de Remarque, n�o h� vencedores, todo mundo perde. Milh�es de jovens de in�meros pa�ses s�o mandados para a morte por homens de gabinete, que ficam intoc�veis, para uma guerra que n�o � deles. Por tr�s do idealismo ilus�rio est� o medo de ser considerado covarde, porque assim era tratado quem resistia a ir para os campos de batalhas.

Isso fica claro numa passagem em que Paul cita o pensamento de Knopp, um de seus companheiros no front, que faz ironia com os verdadeiros respons�veis pelas guerras: “No seu entender, uma declara��o de guerra deve ser uma esp�cie de festa do povo, com entradas e m�sicas, como nas touradas. Depois, os ministros e os generais dos dois pa�ses deveriam entrar na arena de cal��o de banho e, armados de cacetes, investirem um sobre o outro. O �ltimo que ficasse de p� seria o vencedor. Seria mais simples e melhor do que isso aqui, onde quem luta n�o s�o os verdadeiros interessados”.

A trama do livro ajuda a explicar o seu o sucesso. Paul Baumer � filho de uma humilde fam�lia alem� durante a Primeira Guerra Mundial (que come�a quando a Alemanha confronta R�ssia e Fran�a, em defesa do Imp�rio Austro-H�ngaro, que havia invadido a S�rvia), quando � convencido por professores quanto ao seu dever patri�tico. Rec�m-sa�do da adolesc�ncia, ele se junta �s trincheiras de soldados alem�es. Em pouco tempo, Paul se v� cercado por um ambiente de horror, presencia jovens como ele perecerem e percebe que trocou a sua juventude por uma �nica e cruel certeza: a do absurdo da guerra, esteja do lado que se estiver.

Com seu livro que desnuda a desgraceira no front, Remarque abre caminho para o pacifismo e para um novo g�nero liter�rio, o romance de guerra, que renderia outras in�meras obras not�veis, igualmente semibiogr�ficas, sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como “Os nus e os mortos”, do escritor e jornalista norte-americano Norman Mailler (1923-2007); a trilogia “O mais longo dos dias”, “Uma ponte longe demais” e “A batalha final”, do jornalista e correspondente de guerra irland�s Cornelius Ryan (1920-1974); e “Por quem os sinos dobram”, do escritor e jornalista americano Ernest Hemingway (1899-1961), sobre a Guerra Civil Espanhola, s� para citar alguns. Um pontap� inicial j� tinha sido dado, meio s�culo antes, por Liev T�lstoi (1828-1910), com o monumental “Guerra e paz”, que trata das guerras napole�nicas, embora seja melhor enquadrar essa obra-prima russa como romance hist�rico.

LIVRO QUEIMADO PELOS NAZISTAS

A for�a demolidora de “Nada de novo no front” sobre o ideal beligerante da Alemanha o levou � fogueira. At� hoje � um dos livros mais lidos no pa�s. Mas, na �poca, em plena ascens�o do nazismo revanchista de Adolf Hitler, na virada da d�cada de 1920 para a de 30, que considerava alta trai��o o armist�cio e a rendi��o do kaiser Guilherme II, o livro foi banido e Remarque teve que deixar o seu pa�s. A grande import�ncia de sua obra est� em seu pacifismo declarado. Com suas dores descortinadas,  o escritor n�o declara guera, declara paz. Embora houvesse grande press�o de professores e familiares para que os jovens fossem para a guerra, recrutas alem�es se alistaram por idealismo. Remarque acreditou nessa aventura romantizada e ingressou aos 18 anos no ex�rcito alem�o, em 1916, portanto, quando a guerra na Europa j� completara dois anos.

Remarque nasceu em 22 de junho de 1898, em Osnabr�ck, na Alemanha, terceiro dos quatro filhos do encadernador Peter Franz Remark e de Anna Maria Stallknecht. Concluiu os estudos escolares em sua terra natal e entrou na Universidade de M�nster. Mas abandonou a vida acad�mica e se alistou para ajudar a recompor as fileiras alem�s, que j� sofriam terr�veis baixas na guerra. Escapou tr�s vezes da morte com ferimentos graves. Ap�s o fracasso humilhante da Alemanha, obrigada a uma rendi��o incondicional, Remarque teve muitas atividades, como pedreiro, motorista e bibliotec�rio, antes de se engajar � literatura e ao jornalismo em Berlim e Hannover.

Os horrores da guerra eram indel�veis, necess�rio, portanto, tentar expurg�-los. E a melhor maneira era escrever sobre eles, detalhar as tr�gicas mem�rias nos campos de batalha. O fantasma da morte assombrava sua vida e seu sono. As anota��es aleat�rias de “Nada de novo no front” ganharam forma primeiro no jornal liberal “Wossiche Zeitung”, de Berlim, em 1928. O �xito do folhetim culminou, ent�o, coma publica��o do livro, em 1929.

Em pleno avan�o do nazismo, a obra pacifista provocou a ira de nacionalistas alem�es. O longa-metragem hom�nimo produzido em 1930, que ganhou o Oscar, inclusive, e exemplares de “Nada de novo no front” foram queimados em locais p�blicos pelos nazistas. Entre 10 de maio e 21 de junho de 1933, ano em que Hitler subiu ao poder na Alemanha, pelo menos 20 mil livros, a maioria de bibliotecas p�blicas, viraram fogueira em pra�as de v�rias cidades alem�s, sob o comando da Liga dos Estudantes Alem�es Nacional-Socialistas. Viraram cinzas exemplares tamb�m obras de centenas de autores consideradas indigestos pelo novo totalitarismo vigente, entre eles Thomas Mann (autor do cl�ssico “A montanha m�gica”), Bertolt Brecht, Sigmund Freud, Albert Einstein, Karl Marx, Heinrich Heine e Walter Benjamin.

Sob amea�a de pris�o e execu��o, Remarque se exilou na Su��a, em 1931. Em 1939, foi para os EUA, um ano ap�s perder sua cidadania alem�, com a sua primeira mulher, Ilsa Jeanne Zamboui. Sofreu a dor de saber que sua irm�, a costureira Elfriede, havia sido decapitada pelos nazistas em 1943, denunciada por um cliente por dizer que daria um tiro na cabe�a de Hitler. Chegou a mudar a grafia do seu nome de nascimento – Remark para Remarque – em homenagem aos ancestrais franceses e tamb�m para apagar a fake news nazista de que Remarque lido ao contr�rio era Kramer, nome franc�s e judeu. Divorciado, Remarque se casou com a atriz americana Paulette Goddard (1910-1990), em 1958, com quem viveu at� a sua morte aos 72 anos, em 1970, por insufici�ncia card�aca, em Locarno, na Su��a.

“Nada de novo no front” � a obra que tornou Remarque uma celebridade, mas ele escreveu muitas outras, quase sempre passando pela trauma da guerra, entre elas, A noite de Lisboa (1963) sobre um casal que vive em fuga dos nazistas. Escreveu tamb�m “O caminho sem volta” (1931), “Tr�s camaradas” (1937), “N�ufragos” (1941), “Arco do triunfo” (1946), “O obelisco preto” (1956), e um romance p�stumo, “Sombras do para�so”.

TR�S VERS�ES PARA AS TELAS E SEIS ESTATUETAS

O livro “Nada de novo no front” j� rendeu duas adapta��es para o cinema e uma para TV. A primeira � “All quiet on the western front”, de 1930, ainda no embalo da grande repercuss�o do livro, lan�ado um ano antes, principalmente pelo �dio despertado nos nazistas. � uma produ��o dos est�dios Universal, dirigida por Lewis Mileston e estrelada por Louis Wolheim. Foi indicada a quatro categorias do Oscar de 1931 – melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor fotografia. Venceu as duas primeiras. Embora com os efeitos especiais ainda prec�rios para a �poca, o filme de Mileston reproduz muito bem a carnificina narrada no livro por Remarque. Foi a primeira produ��o na hist�ria do Oscar a vencer em duas grandes categorias e tamb�m a primeira adapta��o de um livro para o cinema.

A segunda vers�o tamb�m � americana e foi feita pela CBS para a TV, em 1979. � a mais fiel ao livro e tem elenco consagrado para a �poca, com Ernest Borgnine, Ian Holm, Donald Pleasence e Richard Thomas (que ficou conhecido no Brasil como o John Boy da s�rie “Os Waltons”), como Paul Baumer. Tem um desfecho po�tico em meio � trag�dia, cena que n�o consta no filme que mostra Paul, antes de tombar, desenhando num peda�o de papel branco um p�ssaro canoro que aparece no front. Ganhou um Globo de Ouro na categoria melhor filme feito para televis�o e um Emmy por edi��o de filme para s�rie limitada ou especial.

Depois de “1917”, premiado no Oscar de 2020 com as estatuetas de efeitos fotografia, mixagem de som e efeitos especiais, um filme de guerra voltou a ganhar grande destaque na premia��o anual de Hollywood. Dispon�vel na plataforma de streaming Netflix, a terceira vers�o de “Nada de novo no front” � impressionante, impacta pelo realismo e pela brutalidade e tamb�m por ser a primeira adapta��o em l�ngua alem�. Indicado a sete estatuetas, venceu quatro (filme internacional, dire��o de arte, trilha sonora e fotografia). � dirigida por Edward Berger e estrelada por Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Daniel Br�hl, Sebastian H�lk, Aaron Hilmer, Edin Hasanovic e Devid Striesow.

“Tentamos fazer um filme sobre nosso passado, sobre nossa responsabilidade na Alemanha com rela��o ao nosso passado. E de repente, quando j� t�nhamos terminado o filme, era tamb�m sobre nosso presente”, disse Berger ap�s a premia��o, em refer�ncia � guerra entre R�ssia e Ucr�nia, que j� dura dois anos. E essa responsabilidade pode muito bem ser traduzida na figura do protagonista, Paul Baumer. A interpreta��o feita por Felix Kammerer impressiona pelo olhar literalmente arregalado e perplexo ao perceber o idealismo pueril que o levou para o front contrastando com a trag�dia que encontrou.

Mais uma vez, uma adapta��o para imagens n�o pode ser considerada melhor do que o livro. O filme n�o cont�m as belas e contundentes reflex�es e existenciais sobre a guerra que est�o no livro. E uma curiosidade: o filme comete um pecadilho que deixa intrigado quem n�o leu o livro. Afinal, por que a obra de Remarque tem o curioso nome “Nada de novo no front”? Qual o atrativo de um livro com esse t�tulo? Estimula a leitura? Remarque teve essa boa sacada, mas o filme a desperdi�a com seu final alterado para uma �ltima batalha. E aqui vai spoiler. � exatamente quando n�o acontece nada de novo no front, com o fim da guerra j� declarado, que Paul Baumer cai morto por um tiro, nas �ltimas linhas do livro. Como no filme o desfecho � diferente, cabe a cada espectador especular: qual seria a raz�o do seu nome? Uma delas pode ser as cenas inicial e final de coleta das etiquetas de identifica��o nos corpos dos mortos, quando n�o havia nada de novo no front.

Capa do livro Nada de novo no front

TRECHO DO LIVRO

“Recebemos dez semanas de instru��o militar, nesse per�odo sofremos uma transforma��o mais radical do que em dez anos de escola. Aprendemos que um bot�o bem polido � mais importante do que quatro livros de Schopenhauer. No princ�pio, surpreendidos, depois amargurados e, finalmente, indiferentes, reconhecemos que o esp�rito n�o era o essencial, mas sim a escova de limpeza; n�o o pensamento, mas o “sistema”; n�o a liberdade, mas o exerc�cio. Foi com entusiasmo e boa vontade que nos tornamos soldados; mas fizeram tudo para que perd�ssemos  ambos. Depois de tr�s semanas, n�o era de todo incompreens�vel que um canteiro, cheio de gal�es, tivesse mais autoridade sobre n�s do que antigamente nossos pais, nossos professores e todos os g�nios da cultura, de Plat�o a Goethe.

Com nossos olhos jovens e alertas, vimos que o conceito cl�ssico de p�tria dos nossos mestres desenvolvera-se, at� ent�o, com uma ren�ncia completa da personalidade, de uma forma que nunca ningu�m ousaria exigir do mais humilde servente. Bater contin�ncia, ficar em posi��o de sentido, desfilar, apresentar armas, direita volver, esquerda volver, bater calcanhares, receber insulto e exp�r-se a mil complica��es: julg�vamos o nosso dever uma coisa muito diferente e vimos que nos preparavam para o hero�smo como se ensinam cavalos de circo. Mas n�s nos habituamos rapidamente. Chegamos at� a compreender que uma parte de tudo isso era necess�ria; uma outra, no entanto, era igualmente sup�rflua. O soldado tem um faro muito apurado para essas distin��es.”

Nada de novo no front
 Erich Maria Remarque
• L&PM
• 208 p�ginas
• R$ 44,90
• R$ 21,90 (e-book)


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