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M�rio de Andrade, o homem que buscou a alma brasileira

Eventos, tradu��es e lancamentos, como o livro que revela a cartas trocadas com Rodrigo Melo Franco de Andrade, provam que escritor segue mais vivo do que nunca


26/05/2023 04:00 - atualizado 26/05/2023 00:42
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ilustração Mário de Andrade
M�rio de Andrade (foto: Quinho)

 

O vaiv�m de 300 cartas, trocadas no per�odo compreendido entre 1928 e 1945, muito fala da amizade de duas mentes brilhantes, que compartilhavam a obsess�o de encontrar a alma de um pa�s que, se fizera Rep�blica, mas, antes do Modernismo, vagava perdida entre a heran�a portuguesa e os modos franceses. Escrever “brasileiro”, rasgar o territ�rio continental em imers�o na cultura popular que abra�a mitos e lendas do Nordeste e do Norte amaz�nico, assim como do barroco de Aleijadinho e da arte colonial das Minas Gerais, s�o facetas cultuadas na biografia do autor de “Macuna�ma, o her�i sem nenhum car�ter” (1928). 

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M�rio de Andrade (1893-1945), o segundo escritor brasileiro mais estudado depois de Machado de Assis, - que foi tamb�m ensa�stica, musicista, folclorista, professor e homem p�blico - viajou muito al�m de t�o densas e diversificadas paisagens desvendadas em suas obras liter�rias. Deixou a marca indel�vel de suas perip�cias � ca�a do esp�rito brasileiro, na constru��o de um campo completamente negligenciado pela Primeira Rep�blica olig�rquica (1889-1930) e ainda hoje, sempre a gritar por mais aten��o: o invent�rio e a prote��o do patrim�nio cultural e hist�rico do pa�s. E ele parte de Minas Gerais, nessa busca. 

 

A hist�ria � revelada em “Correspond�ncia anotada” (Todavia), - com as cartas trocadas, algumas in�ditas, entre M�rio de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), advogado e jornalista belo-horizontino, duas importantes personagens do modernismo brasileiro. O livro foi organizado pela neta de Rodrigo Melo Franco de Andrade, Maria de Andrade, que � pesquisadora, editora, soci�loga e doutora em Letras. Foi um minucioso processo de garimpagem e busca pelos arquivos do Iphan; do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de S�o Paulo (IEB-USP), respons�vel pela guarda da cole��o pessoal de M�rio de Andrade; e do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Funda��o Casa de Rui Barbosa (AMLB). A organiza��o partiu do livro “M�rio de Andrade: cartas de trabalho, correspond�ncia com Rodrigo Melo Franco de Andrade”, publicado em 1985 pela muse�loga L�lia Coelho Frota (1938-2010). Rec�m-lan�ada pela Todavia, “Correspond�ncia anotada” � apresentada por Clara de Andrade Alvim, filha de Rodrigo e reproduz o pref�cio de L�lia Coelho Frota. 

 

 “M�rio, v�o a� as fotografias das obras do Aleijadinho para V. escolher as que devem ilustrar seu artigo. Inclu� uma da igreja das Merc�s de Cima, cujo p�rtico me parece ter sido ornado por ele tamb�m. V. dir� se foi mesmo ou n�o (...)”, escreve Rodrigo a M�rio de Andrade, em 11 de outubro de 1928, quando organizava edi��o especial de “O Jornal”, do grupo de Assis Chateaubriand sobre Minas Gerais. Rodrigo foi colaborador do Estado de Minas e de diversos outros ve�culos. Identificado com o ide�rio modernista de 1922, abriu espa�o em todos eles, inclusive na Revista do Brasil, a partir de 1926, depois que esta foi comprada por Assis Chateaubriand do escritor Monteiro Lobato. Rodrigo encerra essa carta a M�rio de Andrade, apontando para personagens que, dois anos depois, estariam no centro da Revolu��o de 1930 - articulada por Minas Gerais, Para�ba e Rio Grande do Sul - a partir da ruptura, de S�o Paulo com a pol�tica do “caf� com leite”. 

 

“J� estou com saudade de S�o Paulo. Chegando a� depois de onze anos, tive a impress�o de quem sai da prov�ncia e d� pela primeira vez na capital, no grande centro. O bairrismo de Inah (esposa de Prudente de Morais) exultou com isso, ao que me disse o Manuel. Em todo caso, n�o escrevo essas coisas em jornal como queria o Chateaubriand, porque podem pensar que eu tamb�m, mineiro do centro, estou preparando terreno para aderir � candidatura de J�lio Prestes. Na verdade, os outros come�am assim mesmo, dizendo que S�o Paulo � isso e aquilo e acabam pedindo dinheiro ao Rolim Teles. Seguro morreu de velho”.  Um dos maiores fazendeiros cafeicultores do Brasil � �poca, Rolim Teles (1887-1980), apoiou a indica��o de J�lio Prestes para a sucess�o de Washington Lu�s, que rompia com a altern�ncia entre Minas e S�o Paulo, � frente da Presid�ncia da Rep�blica. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Para�ba n�o apoiam J�lio Prestes, pegam em armas e elevam Get�lio Vargas ao poder central. 

 

 

Combate existencial

 

 

A obra epistolar de M�rio e Rodrigo desvenda os entraves burocr�ticos e a articula��o pol�tica no governo Get�lio Vargas para a concep��o e funda��o do Sphan (Servi�o do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional), - atualmente Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) -, essencial para a constitui��o de uma identidade nacional. As cartas tamb�m abordam a luta para a manuten��o do �rg�o em opera��o, nos governos que se seguiram. O tamanho do desafio proposto pelo Modernismo, de busca da “alma brasileira”, em detrimento da importa��o de est�ticas, foi assim descrito por M�rio de Andrade, em 7 de janeiro de 1940, na coluna “Vida Liter�ria”, no Di�rio de Not�cias do Rio de Janeiro: “Conscientemente ou n�o (em muitos conscientemente, como ficar� irrespondivelmente provado quando se divulgarem as correspond�ncias de algumas figuras principais do movimento), o Modernismo foi um trabalho pragmatista, preparador e provocador de um esp�rito inexistente ent�o, de car�ter revolucion�rio e libert�rio”. 

 

O Servi�o do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Sphan) foi criado em 1936, com a aprova��o do projeto redigido por M�rio de Andrade, a pedido do ent�o ministro da Educa��o e Sa�de, Gustavo Capanema. Mario, que at� ent�o dirigia o Departamento de Cultura da Prefeitura de S�o Paulo, indicou o nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade para a dire��o do Sphan, fun��o assumida em 1937.  Para ambos, trata-se de uma causa existencial: Rodrigo, o primeiro presidente, dirigiria o �rg�o pelas tr�s d�cadas seguintes, e mesmo em 1967, quando deixou o cargo, manteve-se no Conselho Consultivo at� a sua morte, dois anos depois. A intera��o entre a vida e a obra, se d�, nas palavras de M�rio em carta a Rodrigo datada de 27 de fevereiro de 1942, na luta di�ria e atitude preconcebida, jamais abandonada “de dar a toda a minha (sua) obra esse dinamismo e essa transitoriedade de um combate em vida”.  Em carta testamento, M�rio de Andrade legou ao patrim�nio hist�rico brasileiro o s�tio Santo Ant�nio, de sua propriedade, em S�o Roque (SP), um conjunto de edifica��es bandeiristas, inclusive casa-grande e capela, constru�do, por volta de 1640, a pedido do bandeirante capit�o Fernando Paes de Barros. 

 

Conhecida como a “fase heroica”, os primeiros anos do Sphan, sempre com parcos recursos, foram voltados � institucionaliza��o do servi�o do patrim�nio hist�rico no pa�s, com a reda��o de legisla��o espec�fica, a introdu��o da figura de tombamento, a prepara��o de t�cnicos para atuarem na �rea, a realiza��o de invent�rios, estudos e pesquisas para a conserva��o, consolida��o e restaura��o de monumentos. M�rio e Rodrigo partem, sobretudo de Minas Gerais, na jornada nacional para a identifica��o, recupera��o e prote��o de pinturas antigas, esculturas e documentos. Criam diversos museus: o Museu da Inconfid�ncia, em Ouro Preto (1938); das Miss�es, em Santo �ngelo (1940); do Ouro, em Sabar� (1945). Rodrigo seguiu ap�s a morte de M�rio, em 1945, instalando o Museu do Diamante, em Diamantina (1954); da Aboli��o, em Recife (1957); o Regional de S�o Jo�o del Rei (1963), entre outros. 

 

� na pesquisa sobre “O Aleijadinho”, que M�rio de Andrade - assim como faria seu �ltimo livro sobre o padre Jesu�no do Monte Carmelo - anota a originalidade das esculturas e obras arquitet�nicas do s�culo 18, que marcam a presen�a racial dos dois expoentes da arte brasileira, filhos de pais brancos e mulheres pretas, respectivamente uma escrava e uma alforriada. “Mario constata o surgimento de uma autoimposi��o, uma autoafirma��o que teria se sobreposto �s injun��es opressoras da metr�pole branca e corresponderia a um impulso de independ�ncia cultural”, anota a cr�tica liter�ria Clara de Andrade Alvim na apresenta��o de “Correspond�ncia anotada”. 

 

Rodrigo e M�rio tiveram a colabora��o pr�xima de expoentes da vida art�stica e cultural brasileira, como Oscar Niemeyer, Vin�cius de Morais, Gilberto Freyre, Renato Soeiro e L�cio Costa. Em sua correspond�ncia, mencionam, em in�meras passagens, as intera��es e apoio tamb�m dos amigos comuns Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Manuel Bandeira, S�rgio Buarque de Holanda, Alc�ntara Machado, Prudente de Morais Neto (Prudentinho ou “Pru”). Tais cartas documentam a hist�ria da vida art�stica e intelectual brasileira na primeira metade do s�culo 20, e s�o de tal valor, que M�rio de Andrade, antes de uma cirurgia em 1944, deixou ao irm�o Carlos uma carta-testamento. Nesta priorizou para a partilha dos bens culturais que “junt(ou) e ganh(ou)”, a volumosa correspond�ncia com os amigos modernistas, principalmente Carlos Drummond de Andrade. Para proteger a intimidade de seus interlocutores, M�rio de Andrade sublinhou que fosse “fechada e lacrada” pela fam�lia por cinquenta anos ap�s a sua morte.

 

Em 14 de fevereiro de 1945, onze dias antes de sofrer um enfarto no mioc�rdio fulminante, M�rio de Andrade receberia do amigo a �ltima carta. Nela, Rodrigo elogia a biografia do padre Jesu�no do Monte Carmelo, que acabara de ser conclu�da por M�rio de Andrade, em volume da s�rie de publica��es do Sphan, agradece a dedicat�ria e avisa que o espera no Rio de Janeiro, no m�s seguinte. A obra foi publicada postumamente e Rodrigo, em pref�cio n�o assinado, salienta ter sido aquele o �ltimo e mais meditado livro de M�rio, o �nico em grandes propor��es nos dom�nios da arte colonial brasileira. � pesquisa sobre padre Jesu�no, M�rio de Andrade lhe dedicou os seus derradeiros anos. E em carta datada de 7 de mar�o de 1942 a Rodrigo, descreveu a profunda empatia com o seu biografado: “Voc� compreende; de tanto estudar e ver Jesu�no, acabei amando Jesu�no, e desconfio que estou trelendo um bocado. As coisas dele me arrebatam e preciso adquirir mais equil�brio”. 

 
 

“Correspond�ncia anotada - Obra epistolar: M�rio de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade”

  • Organiza��o de Maria de Andrade
  • Notas de Clara de Andrade Alvim e L�lia Coelho Frota
  • Todavia Editora
  • 528 p�ginas
  • R$ 104,90
  • E-book: R$ 69,90
 


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